Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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Viana Aniceto dos Reis Gonçalves Lisboa Lisboa Filólogo, linguista, foneticista, lexicógrafo e revisor. Sócio efetivo da Classe de Ciências Morais Políticas e Belas Letras. Aniceto-dos-Reis-Goncalves-Viana.png Aniceto dos Reis Gonçalves Viana (1840 – 1914). “Homenagem a Gonçalves Viana”, inBoletim da Segunda Classe da Academia das Ciências de Lisboa, vol. 10, nº 3, 1915-1916, pp. 607-644. Ass_Aniceto-dos-Reis-Gonçalves-Viana.png

Aniceto dos Reis Gonçalves Viana foi um renomado filólogo e linguista português, famoso pela sua contribuição fundamental na reforma ortográfica de 1911, que modernizou a escrita do português ao aproximá-la da fonética. A sua obra foi crucial para o desenvolvimento da fonética, ortografia e sistematização das regras gramaticais que sustentam o português contemporâneo, destacando-se pela simplicidade e uniformidade na ortografia.

Filho do ator Epifânio Aniceto Gonçalves Viana, Aniceto ficou órfão do pai e perdeu o irmão mais velho, Torcato, ambos vítimas de febre-amarela, em 1857, quando tinha apenas 17 anos. Este acontecimento forçou-o a interromper os estudos de comércio para sustentar a família, ingressando na função pública a 9 de janeiro de 1858, como aspirante da Alfândega de Consumo de Lisboa. Em 1885, transferiu-se para a Alfândega de Lisboa, onde foi promovido a chefe da Contabilidade. Ao longo dos anos, construiu uma carreira notável, alcançando o cargo de chefe de serviço da 1.ª Repartição em 1913. O Ministro das Obras Públicas, António Augusto de Aguiar, ofereceu-lhe a Ordem de Santiago, mas Viana recusou a condecoração, sendo, em alternativa, emitida uma portaria de louvor em seu nome.

Apesar da sua carreira administrativa, Gonçalves Viana, autodidata, dedicou-se intensamente à filologia e ao estudo de línguas. Entre 1886 e 1889, estudou grego na Biblioteca Nacional de Lisboa, sob orientação do professor António José Viale, e, entre 1877 e 1878, estudou sânscrito no Curso Superior de Letras, sob a tutela de Guilherme de Vasconcelos Abreu. Interessado em fonética e fonologia, Viana dominou diversas línguas, 28 idiomas, segundo a sua autobiografia (Viana, 1973), incluindo castelhano, catalão, italiano, alemão, russo, árabe e japonês. Era também conhecido pela sua extraordinária capacidade auditiva e memória. Trabalhou como revisor na Imprensa Nacional e colaborou com várias publicações de destaque, consolidando a sua reputação como cientista linguístico rigoroso.

Em 1880, foi nomeado secretário do 9.º Congresso de Antropologia e Arqueologia Pré-Histórica, realizado em Lisboa, organizando e redigindo o extenso relatório do evento, publicado quatro anos depois.

Em 1885, Viana participou na edição da Enciclopédia de ciência, arte e literatura — Biblioteca de Portugal e Brasil, em colaboração com Zófimo Consiglieri Pedroso e Guilherme A. de Vasconcelos Abreu. Os editores da enciclopédia elaboraram as Bases da Ortografia Portuguesa (1885) para padronizar a ortografia da publicação e promover o seu projeto de reforma ortográfica. Nesse contexto, Viana fez a primeira tradução para o português de Mágoas de Werther, de Goethe, aplicando as novas normas ortográficas.

Em 1900, integrou a comissão para a revisão da nomenclatura geográfica portuguesa, sendo o autor das Bases da transcrição portuguesa de nomes estrangeiros, posteriormente incluídas na sua obra Ortografia nacional (1904).

A colaboração de Gonçalves Viana com a Academia das Ciências de Lisboa foi marcante. Eleito sócio correspondente a 16 de março de 1893, passou a sócio efetivo a 11 de janeiro de 1912, após parecer favorável de José Leite de Vasconcelos, também assinado por J. Fernandes Costa, Gama Barros, e António Cândido, lido na sessão de 9 de novembro de 1811. Foi nomeado vogal da Comissão do Dicionário da Língua Portuguesa em 1911, e, em 1912, para uma comissão que avaliou o Manuel international de transcription des sons de la langue mandarine no XVI Congresso Internacional de Orientalistas em Atenas, reconhecendo a sua autoridade na fonética.

Viana teve um papel central na reforma e modernização da língua portuguesa, escrevendo artigos no Boletim da Segunda Classe da Academia, tendo abordado questões de fonética, fonologia e ortografia, refletindo o seu vasto conhecimento. Por Portaria de 15 de fevereiro de 1911, foi nomeado membro da Comissão de Reforma Ortográfica, junto com Carolina Michaëlis de Vasconcelos, António Cândido de Figueiredo, Francisco Adolfo Coelho e José Leite de Vasconcelos, e outros membros nomeados a 16 de março. Como relator, Viana baseou o plano de reforma em trabalhos anteriores. A reforma foi aprovada a 1 de setembro de 1911, e Carolina Michaëlis analisou-a em detalhe na Revista Lusitana (1911).

Entre as suas obras notáveis estão Essai de phonétique et de phonologie de la langue portugaise (1883), Exposição da pronúncia normal portuguesa (1892), Ortografia nacional: simplificação e uniformização sistemática das ortografias portuguesas (1904), e os vocabulários ortográficos de 1909 e 1912. Destacou-se na lexicografia com as Apostilas aos dicionários portugueses (1906) e as Palestras filológicas (1910). As suas obras foram essenciais para a normatização e sistematização da ortografia e gramática portuguesa, servindo de base para estudos futuros.

Gonçalves Viana também produziu materiais na educação, como Grammatica ingleza para a II e III classes do curso dos liceus (1907), Gramática inglesa (1913), e Selecta de leituras inglesas fáceis (1906), e na dialetologia, colaborando no Mappa dialectologico do continente português de J. Leite de Vasconcelos (1897).

Foi membro de várias sociedades científicas, incluindo a Sociedade de Geografia de Lisboa, a Association des professeurs de langues vivantes, a Gesellschaft für Romanische Literatur, a Sociedade Hispânica da América, e a Academia Brasileira de Letras (cadeira 1, 2.º ocupante, eleito em 1910), refletindo o seu prestígio e influência. O seu legado inclui correspondências com intelectuais de renome, como Hugo Schuchardt, o príncipe Louis-Lucien Bonaparte, Henry Sweet e Paul Pass. Destacou-se internacionalmente, participando em diversos congressos internacionais de orientalistas e contribuindo para publicações como Le Maître Phonétique e Revue Hispanique.

Faleceu em Lisboa aos 74 anos e foi sepultado no Cemitério de Benfica. Como não havia familiares responsáveis pela manutenção do túmulo, este acabou por ser abandonado, e os restos mortais foram transferidos para o ossário municipal. Após a morte de Gonçalves Viana, o Governo leiloou todos os seus bens, o que resultou na dispersão da sua biblioteca e do seu espólio de cartas entre compradores anónimos.

A sua contribuição para a linguística e a reforma ortográfica em Portugal marcou profundamente a história da língua portuguesa, continuando a ser uma referência fundamental para estudiosos.

Estudos Glottológicos: graphica e phonetica, Porto, Imprensa Commercial, 1881; Com Guilherme de Vasconcelos Abreu, Bases da ortografia portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional, 1885;.Exposição da pronuncia normal portuguesa para uso de nacionais e estrangeiros. Memoria destinada á X sessão do Congresso Internacional dos Orientalistas, Lisboa, Imprensa Nacional/Sociedade de Geografia de Lisboa, 1892; Com Théodore Beck, Leituras allemãs, Lisboa/Paris: Guillard, Aillaud & Cia, 1897; As orthographias portuguesas: estudo das suas anomalias e meios de as remediar instituindo-se a ortographia nacional, Lisboa, Typographia da Academia, 1902; Portugais. Phonétique et phonologie. Morphologie. Textes, Leipzig, Teubner, 1903; Ortografia nacional. Simplificação e uniformização sistemática das ortografias portuguezas, Lisboa, Viúva Tavares Cardoso, 1904; Selecta de leituras inglesas fáceis: ensino secundário oficial (em coautoria com J. C. Berkeley Cotter), Lisboa, Paris: Guillard, Aillaud, 1906; Apostilas aos dicionarios portugueses, 2 vols, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1906; Resumo de grammatica francesa: para I, II e III classes do curso dos liceus (em coautoria com Raymond Foulché-Delbosc), Paris/Lisboa, Aillaud e Bertrand, 1907; Grammatica Inglesa: II e III classes, Paris/Lisboa, Aillaud, 1907; Vocabulário Ortográfico e Ortoépico da Língua Portuguesa. Conforme a ortografia nacional do mesmo autor, Lisboa, Clássica Editora, 1909; Palestras Filolójicas, Lisboa, A. M. Teixeira, 1910; Vocabulário ortográfico e remissivo da língua portuguesa, Paris/Lisboa, Aillaud, Alves e C.ª, 1912; Estudos de Fonética Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1973. AH-ACL, Processo Académico, PT/ACL/ACL/C/001/1893-03-16/ARGV; ARANHA, Brito, “Aniceto dos Reis Gonçalves Viana”, in Dicionário Bibliográfico Português, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 110-123, 1923; BASTO, Cláudio, “A. R. Gonçalves Viana”, Revista Lusitana, vol. 17, 1914, pp. 209-221; “Homenagem a Gonçalves Viana no segundo aniversário do seu falecimento”, Boletim da Segunda Classe, X, 1915-1916, pp. 603-971; PRISTA, Luís, “Aniceto dos Reis Gonçalves Viana”, in História da língua portuguesa em linha, Ivo Castro (dir.), página eletrónica, Instituto Camões. Consultada a 4 de setembro de 2024, http://cvc.instituto-camoes.pt/hlp/biografias/gviana.html; PRISTA, Luís, “De filólogos a linguistas”, in Caminhos do português. Exposição comemorativa do Ano Europeu das Línguas. Catálogo, Maria Helena Mira Mateus (coord.), Lisboa, Biblioteca Nacional, pp. 157-218, 2001; SANTOS, Luciana Mercês Ribeiro, “Aniceto dos Reis Gonçalves Viana (1840-1914): o linguista em seu tempo”, tese de doutoramento em linguística e língua Portuguesa, São Paulo, Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Campus Araraquara), 2016, http://hdl.handle.net/11449/138970; KEMMLER, Rolf, “Para uma história da ortografia portuguesa: o texto metaortográfico e a sua periodização do século XVI até à reforma ortográfica de 1911”, Lusorama, n.º 47-48, 2001, pp. 128-319; VASCONCELOS, José Leite de, e David Lopes, “Homenagem a Gonçalves Viana. Declaração”, Boletim da Segunda Classe XII, 1917-1918, p. 364. Ana Salgado portuguesa Letras