Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

DHB

Schuchardt Hugo Ernst Mario Hugo Schuchardt Gotha (Thüringen), Alemanha Graz (Steiermark), Áustria Linguista, romanista e crioulista. Sócio correspondente estrangeiro da Classe de Ciências Morais Políticas e Belas letras. Hugo-Schuchardt.png Ass_H-SCHUCHARDT.png

Filho do notário ducal Ernst Julius Schuchardt, e da sua mulher Malvine Schuchardt, em solteira, von Bridel-Brideri, oriunda da Suíça francófona. Passou os seus anos de escola e juventude em Gotha, onde acabou por formar-se no liceu Gymnasium Ernestinum Gotha, em 1859.

No mesmo ano de 1859, começou a estudar Direito na então Großherzoglich und Herzoglich Sächsische Gesamtuniversität Jena [Universidade Geral Grão-Ducal e Ducal Saxónica de Jena, desde 1934, Friedrich-Schiller-Universität Jena]; mas já no semestre de verão de 1860 mudou de área de estudos e passou a dedicar-se à filologia, prosseguindo os seus estudos na Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn [Universidade Renana de Friedrich-Wilhelm de Bona], a partir de 1861. Schuchardt estudou sob a orientação de alguns dos grandes nomes do seu tempo; entre os professores de Jena contavam-se então os filólogos August Schleicher, Karl Wilhelm Göttling, Karl Ludwig Nipperdey e Kuno Fischer. Enquanto estudava em Bona, assistiu a aulas do filólogo clássico Friedrich Wilhelm Ritschl, do filólogo e arqueólogo Otto Jahn, assim como do filólogo românico Friedrich Christian Diez.

Em 1862, Schuchardt completou os seus estudos universitários e doutorou-se depois em Bona, em 21 de maio de 1864, com uma tese em língua latina intitulada De sermonis Romani plebei vocalibus (1864). A versão completa em língua alemã deste trabalho de qualificação académica foi publicada, em 3 volumes, sob o título Der Vokalismus des Vulgarlateins [O vocalismo do latim vulgar] . Pela mesma altura, passou também vários meses em Genebra e mais de um ano a estudar em Roma (1868-1869).

Com o trabalho intitulado Über einige Fälle bedingten Lautwandels im Churwälschen [Sobre alguns casos de mudança fonética condicionada no reto-romance] (1870), Hugo Schuchardt foi aprovado nas provas públicas de Habilitation [agregação] pela Universidade de Leipzig em 30 de abril de 1870. Com este estudo, Schuchardt contribuiu para o posicionamento dos estudos do reto-romance dentro no domínio da filologia românica, o que o aproximou do linguista italiano Graziadio Isaia Ascoli, entre outros. A aula experimental que apresentou nas mesmas provas, intitulada Über die Klassifikation der romanischen Mundarten, que o candidato apresentou no mesmo dia, só chegou a ser publicada 30 anos mais tarde (1900). Até à altura, Schuchardt não só tinha lançado as bases da sua obra científica quando ainda era jovem, como já tinha desbravado algumas das áreas fundamentais de trabalho às quais se manteria fiel ao longo da sua vida. Por isso, não é de estranhar que a chamada LeipzigerProbevorlesungde Leipzig [Aula experimental de Leipzig], uma das suas obras-primas, não tenha perdido a sua atualidade nem o seu poder de inovação ao longo das décadas decorridas.

Em 1873, Schuchardt tornou-se professor catedrático de Filologia Românica na Vereinigte Friedrichs-Universität Halle-Wittenberg [Universidade Unida Halle-Wittenberg dos príncipes eleitores Friedrich; desde 1933, Martin-Luther-Universität Halle-Wittenberg]. Durante estes anos, dedicou-se sobretudo a temas clássicos da romanística, com um forte enfoque histórico, e começou a aprofundar a sua investigação sobre variação, contacto e mistura de línguas, que já tinha esboçado nas suas primeiras publicações. No seu ensino, não só aqui, mas também mais tarde, centrou-se frequentemente em temas literários franceses, espanhóis e italianos, assim como na crioulística como fenómeno do contacto linguístico.

Em 1875, Schuchardt recebeu pela primeira vez um convite para uma cátedra na então Karl-Franzens-Universität Graz [Universidade do Arquiduque Carlos II e do Impreador Francisco I, hoje, Universität Graz], mas recusou-o inicialmente, acabando por assumir a cátedra de filologia românica após nova oferta, em 1876. Na década de 1870, fez duas viagens mais prolongadas ao País de Gales (1875) e à Espanha (vários meses em 1879) e viajou várias vezes pela Itália. Nestas viagens, não só recolheu material para numerosas publicações novas (Romanisches und Keltisches, 1886), como também travou conhecimentos que o acompanharão durante toda a sua vida.

Também datam, sobretudo, da década de 1870, vários artigos literários, por exemplo, sobre Molière, Calderón, Dante, Petrarca, Boccaccio, Camões, latim antigo e tardio, literatura medieval, etc. Este aspeto é geralmente negligenciado na avaliação de Schuchardt.

Na década de 1880, foram acrescentados dois novos domínios de investigação: a Crioulística e a Bascologia. O papel constitutivo original e preponderante que desempenhou para os Estudos Crioulos, tanto a nível científico como a nível da organização da ciência, levou a que fosse posteriormente classificado, de forma recorrente, como um dos pais fundadores da disciplina. Na panorâmica da linguística contemporânea, os seus Kreolischen Studien [Estudos Crioulos] (1882-1891), mas também os seus estudos posteriores sobre as línguas crioulas de base românica e inglesa da década seguinte, bem como várias obras individuais, eram inovadores.

Embora não se saiba quem fez a proposta, parece lícito presumir-se que deve ter sido escolhido como sócio da Academia sobretudo devido às suas publicações sobre a lexical na língua portuguesa 1882. Sendo proposto como sócio na sessão de 24 de maio de 1895, o parecer foi lido em 30 de janeiro de 1896 e a sua eleição para sócio correspondente da classe de Ciências Morais, Políticas e Belas Letras da Academia das Ciências de Lisboa ocorreria a 12 de março de 1896. Entre outras sociedades científicas, consta ainda que foi sócio da Akademie der Wissenschaften (Viena) desde 1882, da Académie des Inscriptions et Belles-Lettres (Paris) desde 1890, da Bayerische Akademie der Wissenschaften (Munique), desde 1897, da Accademia Nazionale dei Lincei (Roma) desde 1902, da Königlich-Preußische Akademie der Wissenschaften (Berlim) desde 1912 e da Kongelige Danske Videnskabernes Selskab (Copenhaga), desde 1914. Em 1919 passou ainda a ser o primeiro sócio honorário da Real Academia de la lengua Vasca ou Euskaltzaindia (1918), com sede em Bilbao.

No entanto, pelo menos três outros acontecimentos académicos notáveis e de grande alcance tiveram lugar na década de 1880: Em primeiro lugar, a crítica fundamental à escola linguística então dominante dos neogramáticos, publicada num opúsculo sob o título Ueber die Lautgesetze: Gegen die Junggrammatiker [Sobre as Leis Fonéticas: contra os Neogramáticos] (1885) virava-se contra a chamada "jungggrammatische Schule" (escola neogramática). Pouco depois, pelo Natal de 1887, Schuchardt envolveu-se, com o seu opúsculo Auf Anlass des Volapüks (1888) de 48 páginas, na discussão e criação de uma língua artificial mundial.

Ainda em finais dos anos 1880, Schuchardt iniciou a sua carreira como bascólogo. As suas publicações romano-bascas começaram em 1887, mas já mantinha correspondência com o bascólogo Louis Lucien Bonaparte desde 1872, que lhe proporcionou uma estada de quatro meses no País Basco, em 1887, onde, segundo os seus contemporâneos, terá adquirido um conhecimento ativo razoável do basco. Apesar de esta ser a única viagem basca da sua vida, a obra de Schuchardt inclui mais de 100 publicações sobre estudos bascos.

Na década de 1890, Schuchardt atingiu provavelmente o primeiro pico da sua reputação académica, tendo recebido posteriormente duas nomeações para universidades, em Budapeste e Leipzig, mas recusou-as após negociações com o ministério em Viena para rejeitar a nomeação.

Em 1900, Schuchardt retirou-se da sua cátedra. Nos anos que se seguiram, viajou muito, por exemplo, para o sul de Itália (sete meses em 1901), Egito (quatro meses em 1903) e Escandinávia (quatro meses em 1904) e construiu uma vivenda, arquitetonicamente notável, para si e para os seus livros na Johann-Fux-Gasse n.º 30 em Graz. Deu a esta moradia o nome "Villa Malvine" (vivenda Malvine) em memória da sua mãe Malvine. Por ocasião do seu óbito, doou a vivenda à fundação "Malvinenstiftung", que hoje é gerida pela Geisteswissenschaftliche Fakultät [Faculdade de Ciências Humanas] da Universität Graz.

Depois de ter estado acamado desde setembro de 1926, Hugo Schuchardt faleceu pelas 16:00 horas do dia 21 de abril de 1927 na sua "Villa Malvine", em Graz. No seu testamento, legou à universidade tanto a sua biblioteca privada, como o espólio de aproximadamente 14 000 cartas que hoje se encontra digitalizado no Hugo Schuchardt Archiv, das quais um número considerável foi objeto de edições, tais como a correspondência entre Schuchardt e José Leite de Vasconcellos, Francisco Adolfo Coelho, e com Carolina Michaëlis de Vasconcelos.

De sermonis Romani plebei vocalibus. Dissertatio philologicaquam ad summos in philosophia honores etc., Bonnae, Formis Carthausianis, 1864; Der Vokalismus des Vulgarlateins, Erster Band, Leipzig, Druck und Verlag von B. G. Teubner, 1866; Der Vokalismus des Vulgarlateins, Zweiter Band, Leipzig, Druck und Verlag von B. G. Teubner, 1867; Der Vokalismus des Vulgarlateins, Dritter Band, Nachträge und Register, Leipzig, Druck und Verlag von B. G. Teubner, 1868; Über einige Fälle bedingten Lautwandels im Churwälschen. Habilitations-Schrift, etc., Gotha, Perthes Buchdruckerei, 1870; Romanisches und Keltische, Strassburg, Verlag von Karl J. Trübner, 1886; Über die Klassifikation der romanischen Mundarte, Probe-Vorlesung gehalten zu Leipzig am 30. April 1870, Graz, gedruckt von der k. k. Universitäts-Buchdruckerei 'Styria', 1900; Kreolische Studien: Ueber das Negerportugiesische von S. Thomé, Wien: In Commission bei Carl Gerold's Sohn, Buchhändler der kais, Akademie der Wissenschaften, 1882; Kreolische Studien: II, Ueber das Indoportugiesische von Cochim, Wien, In Commission bei Carl Gerold's Sohn, 1883; Kreolische Studien: III, Ueber das Indoportugiesische von Diu, Idem, 1833; Kreolische Studien: IV, Ueber das Malaiospanische der Philippinen, Idem, 1883; Kreolische Studien: V, Ueber das Melaneso-Englische, Idem, 1883; Kreolische Studien: VI, Ueber das Indoportugiesische von Mangalore, Idem, 1884; Kreolische Studien: VII, Ueber das Negerportugiesische von Annobom, Wien: In Commission bei F. Tempsky, 1888; Kreolische Studien: VIII, Ueber das Annamito-Französische, Idem, 1888; Kreolische Studien: IX, Ueber das Malaioportugiesische von Batavia und Tugu, Idem, 1891; Ueber die Lautgesetze: Gegen die Junggrammatiker, Berlin, Verlag von Robert Oppenheim, 1885; Auf Anlass des Volapüks, Berlin, Verlag von Robert Oppenheim, 1888; SCHUCHARDT, Hugo & VASCONCELOS, José Leite de, Correspondência, Edição de Ivo Castro e Enrique Rodrigues-Moura, Bamberg, University of Bamberg Press (Bamberger Editionen), 2015. AH – ACL, Processo académico, PT/ACL/ACL/C/001/1896-03-12/HEMS; HURCH, Bernard, “Schuchardt, Hugo Ernst Mario”, in Neue Deutsche Biographie (NDB), Band 23. Berlin, Duncker & Humblot, 2007, pp. 623-624; HURCH, Bernhard, “Hugo Schuchardt”, in Karl Acham (Hrsg.), Kunst und Geisteswissenschaften aus Graz: Werk und Wirken überregional bedeutsamer Künstler und Gelehrter vom 15. Jahrhundert bis zur Jahrtausendwende, Wien, Köln & Weimar, Böhlau Verlag, 2009, pp. 493-510; HURCH, Bernhard, Hugo Schuchardt Archiv: Vita, [s.d.], https://gams.uni-graz.at/archive/objects/context:hsa/methods/sdef:Context/get?mode=hs-vita&locale=de (Acesso: 27.5.2025); LICHEM, Klaus, “Schuchardt Hugo”, in Österreichisches Biographisches Lexikon 1815–1950: Band 11, Wien, Verlag der Österreichischen Akademie der Wissenschaften, 1999, pp. 282-283; ROCHA, José, “Hugo Ernst Mario Schuchardt (1842-1927)”, [s.d.], https://arquivo.acad-ciencias.pt/details?id=1598&detailsType=Description&ht=schuchardt (Acesso: 27.5.2025); SOMMERFELT, Alf, “Hugo Schuchardt (1842-1927)”, in Thomas A. Sebeok (ed.), Portraits of Linguists: A Biographical Source Book for the History of Western Linguistics, 1746-1963, Bloomington & London, Indiana University Press, 1966, pp. 504-511; STOROST, Jürgen, Hugo Schuchardt und die Gründungsphase der Diezstiftung: Stimmen in Briefen, Bonn, Romanistischer Verlag, 1992; STOROST, Jürgen,“Hugo Schuchardt“”, in 300 Jahre romanische Sprachen und Literaturen an der Berliner Akademie der Wissenschaften, Teil 1, Frankfurt am Main, Berlin, Bruxelles, New York, Oxford & Wien, Lang (Berliner Beiträge zur Wissenschaftsgeschichte), 2000, pp. 300-308; SCHUCHARDT, Hugo & VASCONCELOS, José Leite de, Correspondência, Edição de Ivo Castro e Enrique Rodrigues-Moura, Bamberg, University of Bamberg Press (Bamberger Editionen), 2015. Bernhard Hurch Rolf Kemmler