Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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Coelho José Maria Latino Lisboa Sintra Militar, político, historiador, jornalista e ensaísta. Sócio efetivo da Classe de Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais e secretário-geral perpétuo. Jose-Maria-Latino-Coelho.png ...

Filho de um tenente-coronel de artilharia, de nome João Alberto Coelho, figura comprometida com as ideias liberais que o levaram a viver em Espanha e a regressar a Portugal apenas depois de 1834, José Maria Latino Coelho beneficiou de uma esmerada formação intelectual, tendo aprendido francês e inglês, mas também grego, latim, lógica e matemática. Frequentou a Escola Politécnica e a Escola do Exército, tendo seguido a carreira de Engenheiro Militar. Foi general de Brigada do Estado Maior de Engenharia desde 19 de Setembro de 1888 e ocupou um conjunto de relevantes funções na esfera política – entre outros cargos, o de ministro da Marinha e vogal do Conselho Geral da Instrução, no governo de Sá da Bandeira e do Bispo de Viseu (1868-69) - para posteriormente, de acordo com os seus biógrafos, acolher os ideais republicanos. Membro do Partido Regenerador, eleito pela primeira vez por Lisboa em 1854, foi deputado por vários períodos (1857, 1860, 1862, 1889 e 1890).

Foi professor, lente substituto da cadeira de Mineralogia e Geologia na Escola Politécnica, mas talvez a sua ação mais relevante e mais reconhecida se espelhe na carreira de jornalista que lhe permitiu uma intervenção cívica continuada e tenaz, colaborando com diferentes jornais e periódicos. António Feliciano de Castilho apelidou-o de “poligloto, copioso no saber, copiosíssimo e felicíssimo no orar; percebe, discorre e abrange com acume e relance de águia; expõe com ordem e lucidez; abrilhanta a filosofia com a imaginação; aviventa a imaginação com a filosofia; ama, versa e trata a língua vernácula com subido esmero.”

A Academia Real das Ciências recebeu-o como seu sócio efetivo da Classe de Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais (Secção de Ciências Histórico-Naturais) em 18 de Maio de 1855, tendo sido pouco depois eleito, por unanimidade, em 1856, secretário da Classe, e passado quase logo a seguir à categoria de secretário-geral perpétuo da Academia. Nesta instituição científica, recebeu a incumbência de dirigir o Dicionário da língua portuguesa, assinou o “Regulamento para a admissão de sócios da academia R. das Ciências” e elaborou diversos relatórios, de que podem ser exemplo: “Relatório dos trabalhos da Academia R. das Ciências, lido em sessão pública de 19 de Novembro de 1856”, “Relatório dos trabalhos da Academia das Ciências», lido em 20 de Fevereiro de 1859, e outros em 10 de Março de 1861, em 1863, em 1880, tendo, em 1870, apresentado o “Relatório da comissão encarregada de propor à Academia R. das Ciências de Lisboa, o modo de levar a efeito a publicação do dicionário da língua portuguesa (1870) e, em 15 de Fevereiro de 1871, o “Relatório apresentado à Academia R. das Ciências sobre o sistema que deve seguir-se para completar o manuscrito do “Dicionário da língua portuguesa de Ramalho”. Elaborou também o “Parecer apresentado à Academia R. das Ciências sobre a reforma ortográfica proposta pela comissão da cidade do Porto” (1879), exemplos que provam a sua constante e empenhada intervenção na vida desta instituição, na segunda metade do século XIX.

Uma intensa atividade jornalística, iniciada cedo nas páginas da Revolução de Setembro, jornal de oposição política ao governo do tempo, acompanhou-o ao longo de toda a vida, tendo fundado em 1851 o jornal literário A Semana e prestado colaboração ao Panorama, à Época, ao Farol ao «Jornal do Comércio», e ao Século, em que escreveu, durante alguns anos, o editorial. Foi diretor do Diário de Lisboa (1859) e co-redator do programa republicano publicado no periódico A Democracia.

Para além destas constantes colaborações, Latino Coelho é autor de uma muito extensa obra, parte em publicação póstuma, em que é difícil destacar os títulos mais importantes. No âmbito da Academia R. das Ciências, redigiu os relatórios anteriormente citados e elaborou elogios académicos e históricos vários – Frei Francisco de S. Luíz (recitado na Sessão Pública da Academia Real das Ciências em 19 de novembro de 1856), Rodrigo da Fonseca Magalhães (na sessão pública da Academia Real das Ciências de Lisboa no dia 20 de fevereiro de 1859), “Elogio de Humboldt” (em 10 de março de 1861), e de José Bonifácio de Andrade e Silva (15 de maio de 1877). No contexto da intervenção nesta mesma instituição, leu em 9 de junho de 1880 o “Panegírico de Luís de Camões”. Em vida, Latino Coelho viu publicadas o Curso de Introdução à História Natural (1850), a Exposição do sistema métrico (1861), União Ibérica, editada no Brasil em 1869, a História Político-militar (tomo I em 1874; tomo II em 1885; t. III, 1891), obra que lhe valeu louvores e reconhecimento e que é ainda hoje apreciada como uma importante fonte histórica, a Galeria de Varões Ilustres (1º Vol. 1880; 2º Vol. 1882), cujo volume I é dedicado a Luís de Camões, o Marquês de Pombal (Rio de Janeiro, 1885), República e Monarquia (1889). Após a sua morte, foram editadas, entre outras obras, em 1892, o Compêndio de Mineralogia. Morfologia Mineral, no ano seguinte, 1893, o Teatro, em 1917, um estudo sobre Fernão de Magalhães, com prefácio de Júlio Dantas, Garrett e Castilho, com uma carta prefácio de Xavier Cunha, em 1919, e Os tipos nacionais, de novo com prefácio de Lopes de Mendonça. Em 1923, a Arte e a natureza, prefaciado por Júlio Dantas. Em 1925, Literatura e História, prefaciada por Fidelino de Figueiredo. Dedicou-se também a traduzir textos do francês, do espanhol e do alemão, sobretudo peças teatrais, algumas das quais foram representadas no Teatro D. Maria. Parece também ter traduzida diretamente do grego, Demóstenes, Oração da Coroa. Versão do original grego. Precedido de um estudo sobra a civilização da Grécia (Lisboa, 1877).

Dono de uma apurada e profunda erudição, foi um verdadeiro polígrafo, no sentido em que escreveu textos de uma enorme variedade temática e discursiva, conciliando a admiração dos seus contemporâneos que apreciavam o seu talento literário e oratório e disso deixaram testemunho numa pequena, mas elucidativa, publicação intitulada Latino Coelho. No 25º aniversário da sua morte (1916), sob a forma de um livro de homenagem organizado pela “Vila de Sintra”. No contexto conturbado da primeira república, Manuel de Arriaga resgatava, nesse opúsculo, a memória de Latino Coelho, classificando-o como “um verdadeiro republicano”, ainda que tendo falecido antes de 5 de Outubro de 1910: “O talento, o saber e o carácter são virtudes primaciais de verdadeiro Republicano, por isso Latino Coelho é um dos patriarcas da Democracia Lusitana”.

José Maria Latino Coelho suscitou, durante anos depois da sua morte, e talvez seja esta a prova mais evidente do reconhecimento da intervenção cívica em esferas várias, um conjunto de obras que não deixaram que o seu nome e a sua obra caíssem no esquecimento. Para além da coleção de testemunhos recolhida na publicação acima referida, Latino Coelho. No 25º aniversário da sua morte, que reúne quase três dezenas de textos de autorias diversas (de Manuel de Arriaga, a Bulhão Pato, Gomes Leal, Jaime de Magalhães Lima, Afonso Lopes Vieira…), foi este prolífico escritor recordado no “Elogio histórico de José Maria Latino Coelho”, lido na sessão pública da Academia das Ciências no dia 11 de Dezembro de 1898, por José de Sousa Monteiro, que regista a prodigiosa atividade de Latino Coelho no âmbito da Academia das Ciências, abarcando áreas do saber diversificadas, espelhando a dinâmica desta instituição científica nas suas ligações com a sociedade portuguesa contemporânea e com instituições estrangeiras, que o amplo espólio que a Academia dele guarda documenta. A memória da intervenção política e cívica de Latino Coelho perdura, assim, em referências várias: entre muitos outros, no conhecido Dicionário Bibliográfico de Inocêncio Francisco da Silva e Brito Aranha, na História da Literatura Romântica de Fidelino de Figueiredo (Lisboa, 1913), na História de Portugal de Pinheiro Chagas ou na Revista de Ciências Militares (vol. 13º, 1921) para citar apenas alguns exemplos de um reconhecimento que permaneceu.

No conjunto das suas obras a Historia Politica e Militar de Portugal desde os fins do seculo XVIII até 1814 (3 vols.,1874-1891) e a Galeria de Varões Ilustres (1880-1882), em que elabora a biografia de Camões, Vasco da Gama, Fernão de Magalhães, revelam o escrúpulo no tratamento das fontes a que recorreu, nos arquivos do Ministério da Guerra, Ministério do Reino, dos Negócios Estrangeiros, da Marinha, Academia Real das Ciências e Biblioteca Nacional, para citar apenas alguns exemplos que provam a adesão a uma visão positivista e a um conceito racionalista da história, comum ao tempo. Contudo, as biografias que compõem esta obra não escapam a uma apresentação de pauta de comportamento que entende os biografados como donos de um carácter exemplar, que verte numa prosa límpida, recorrendo a uma rica adjetivação e a intensa mobilização de recurso linguísticos que tornaram a sua prosa e a sua capacidade discursiva e oratória motivo de admiração dos seus contemporâneos, granjeando-lhe um lugar cimeiro na política e cultura portuguesa do século XIX.

A oposição sistemática. Provérbio em 1 acto, Lisboa, Imprensa Nacional, 1849; Curso de introdução à História Natural dos três reinos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1850; Escritos Literários e Políticos. Elogios académicos, 2 vols, Lisboa, Livraria A. M. Pereira, 1873,1876; Historia Politica e Militar de Portugal desde os fins do seculo XVIII até 1814, 3 vols., Lisboa, Imprensa Nacional, 1874-1891; O sonho de um rei, Coimbra, Tip. Democrática, 1879; Fernão de Magalhães (pref. de Júlio Dantas), Lisboa, Santos e Vieira, s.d.; Id., Luís de Camões, Lisboa, David Corazzi Ed., 1880; “Panegírico de Luís de Camões ...”, Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa : Classe de Sciencias Moraes, Politicas e Bellas-Lettras, Nova Série, Tomo V, Parte II, Lisboa, Tip. da Academia, 1882, pp. 1-11; Galeria de varões ilustres de Portugal ..., 2 vols, Lisboa, David Corazzi - Empreza-Horas Romanticas, 1882; Literatura e história (pref. de Fidelino de Figueiredo), Lisboa, Emp. Literária Fluminense/ Porto, Tip. da Imp. Portuguesa, 1925; O Marquês de Pombal. Obra comemorativa do centenário da sua morte mandada publicar pelo Club de Regatas Guanabarense do Rio de Janeiro, Lisboa, Imprensa Nacional, 1885; República e Monarquia, Lisboa, Editores – M. Felicidade & Cª, 1889; Compêndio de Mineralogia. Morfologia Mineral, Lisboa, Por Ordem e na Tipografia da Academia das Ciências de Lisboa, 1892; Fernão de Magalhães, Lisboa, Emp. Lit. Fluminense, 1917; Garrett e Castilho, Lisboa, Editor Santos e Vieira, 1917; Tipos Nacionais, Lisboa, Editor Santos e Vieira, 1919; Cervantes, Lisboa, Editor Santos e Vieira, 1919; A arte a natureza, Lisboa, Empresa Literária Fluminense, 1913; Literatura e História, Lisboa, Empresa Literária Fluminense, 1925; Páginas Escolhidas (compilação e prefácio de António Varela), Lisboa, Empresa Literária Fluminense, 1926. Processo académico, AHA-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1855-05-18/JMLC; Latino Coelho. No 25º aniversário da sua morte, Sintra, Tipografia Minerva Comercial Sintrense 1916; CATROGA, Fernando, O republicanismo em Portugal da formação ao 5 de Outubro, 2 vols., Coimbra, Faculdade de Letras, 1991; “COELHO, José Maria Latino”, in Joel Serrão (dir.), Dicionário de História de Portugal, vol. I, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1963, p. 605; “Latino Coelho, José Maria”, in Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues (dir.), Dicionario Historico, Chorographico, Biographico, Bibliographico, Heraldico, Numismatico e Artistico, vol. IV, Lisboa, José Romano Torres, editores, 1909, pp. 83-85; “José Maria Latino Coelho”, in Maximiano de Lemos (dir.), Enciclopédia Portuguesa Ilustrada, vol. 6, Porto, Lemos e Sucessor, s.d, pp. 351-352.; MATOS, Sérgio Campos, Historiografia e memória nacional no Portugal oitocentista (1846-1898), Lisboa, Edições Colibri, 1998; MOREIRA, Fernando, “Coelho, José Maria Latino”, Dicionário biográfico parlamentar 1834-1910 (coord. de Maria Filomena Mónica), Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais / Assembleia da República, pp. 802 - 805. Zulmira Santos portuguesa sócio efetivo. Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais Ciências Histórico-Naturais (3.ª secção)