Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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MickleWilliam JuliusLangholm (Dumfrieshire), EscóciaForest Hill (Oxfordshire), InglaterraPoeta e tradutor. Sócio correspondente.William-Mickle.pngWilliam Julius Mickle (1734-1788). Litografia de Charles Bestland, 1789.

Filho de um pastor protestante, Mickle foi tradutor literário, poeta, divulgador de Camões épico e precursor da camonologia inglesa. Depois de uma experiência falhada como gerente de uma fábrica de cerveja e de desempenhar funções de revisor, em Oxford, dedicou-se à produção literária, a partir de 1763, sob a orientação de Lord Lyttelton. Desde cedo demonstrou grande interesse pela história, orgânica e projetos da Companhia das Índias, publicando sobre ela um ensaio sobre os resultados da sua reflexão crítica. Estudioso também da descoberta e colonização portuguesas do oriente, a sua grande admiração pela epopeia camoniana conduziu-o a preparar e executar o grande projeto da sua vida, nomeadamente a tradução prefaciada e profusamente anotada de Os Lusíadas.

Para o efeito, desenvolveu estratégia multiforme, pois, leu e comentou a única versão inglesa do poema em oitava rima, existente à data, da autoria de Richard Fanshawe (1655). Em complemento, consultou La Lusiade, adaptação francesa da epopeia, em prosa e anotada, de Duperron de Castera (1735) monge cisterciense em Alcobaça. Conheceu, além disso, o ensaio crítico de Voltaire sobre poesia épica (1727) e, em especial, os reparos à mitologia clássica em Camões cuja alegada licenciosidade lhe mereceu aturada reflexão e radical discordância.

Munido deste arsenal erudito e familiarizado, entretanto, com a língua e cultura portuguesas, Mickle empreendeu entre 1771 e 1775 a tradução de Os Lusíadas, primeiro publicando passos selectos na imprensa periódica e finalmente a obra integral no ano seguinte (1776). Aproveitando os comentários histórico-biográfico-literários de Faria e Sousa, o paratexto do volume desenvolve o perfil biográfico de Camões, retratando os infortúnios que lhe marcam o percurso, desde o desterro ao exílio, além de um naufrágio e, na última fase, a mendicidade nas ruas de Lisboa. Em complemento, uma extensa introdução à obra, justifica as opções translatórias aceites por Mickle, a sua intencionalidade e avalia criticamente os resultados obtidos. A tiragem da primeira edição atingiu os mil exemplares, logo esgotados, tendo-se registado várias reedições e apreciações crítjcas, ao longo dos séculos. Comprovando o êxito da tradução, de que foram assinantes, não só vários artistas e literatos britânicos, como também aristocratas e intelectuais portugueses, entre eles o Visconde de Balsemão, Ribeiro Sanches e João Jacinto de Magalhães, pode dizer-se que tal versão marcou profundamente a fortuna editorial camoniana, pois as publicações posteriores da epopeia deram-lhe lugar de grande relevo, por exemplo, nas reflexões histórico-literárias do Morgado de Mateus e do Visconde da Juromenha.

Deve sublinhar-se o modo como a versão de Mickle acentua o estatuto épico de Os Lusíadas, manifesto na coragem e persistência do povo português (herói coletivo) e do Gama (herói individual), tão empenhados na expansão marítima e no intercâmbio económico com o oriente que, na opinião do tradutor, tornam Os Lusíadas uma apologia poética do comércio intercontinental. Insatisfeito com os critérios e a textualização literal da versão de Richard Fanshawe, que considerava destituída de qualidade estética, o tradutor Mickle revela plena radicação na poética do classicismo setecentista inglès. Tal aproximação pode documentar-se, referindo a escolha formal do dístico heroico augustano para verter o decassílabo heroico camoniano.

Profissionalmente ligado a empresas de navegação, Mickle chegou em 1779 a Lisboa onde se demorou seis meses, interrompidos por várias excursões a pontos de interesse histórico e turístico. Em termos de relacionamento, a estreita proximidade a D.João Carlos de Bragança, 2º Duque de Lafões, franqueou-lhe o convívio em Portugal da mais alta nobreza e de cientistas insignes como Correia da Serra, enquanto o enviado inglês Robert Walpole, por seu turno, apresentou Mickle aos prósperos comerciantes e nobres da colónia britânica entre nós. A 22 de Maio de 1780, com o nome aportuguesado de Guilherme Júlio Micle, foi eleito sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, em reconhecimento da sua lusofilia, por diploma assinado pelo Duque de Lafões, tendo-se registado também a sua presença na sessão de 4 de Julho, um mês antes de regressar à pátria. Na secção do livro antigo da biblioteca da Academia, conservam-se exemplares de edições setecentistas da tradução, além de apontamentos do autor sobre a viagem a Portugal e uma carta missiva ao Marquês de Pombal, acompanhando a oferta da tradução camoniana. Na sua última fase, após o regresso a Portugal, Mickle casou com Mary Thomkins (1782), filha do seu anterior senhorio, continuando os afazeres literários, de que interessa relevar a publicação de Almada Hill: an Epistle from Lisbon (1780), poema encomiástico sobre a paisagem e as gentes portuguesas, que sublinha a descoberta e a colonização do oriente.

The Lusiad, or, The Discovery of India. An Epic Poem. Translated from the original Portuguese of Luis de Camoens, Oxford, Jackson and Lister, 1778; Almada Hill: na Epistle from Lisbon, Oxford, W. Jackson, 1781.Processo académico, AH-ACL,PT/ACL/ACL/C/001/1780-05-22/WJM; Braga, Teófilo, As traduções inglesas dos Lusíadas, Questões de Literatura e Arte Portuguesa, Lisboa, 1882; Cardim, Luis ,Projecção de Camões nas Letras Inglesas, Lisboa, Ed. Inquérito, 1940; Estorninho, Carlos, “O Culto de Camões em Inglaterra”, Arquivo de Bibliografia Portuguesa, 6, Coimbra, 1961, pp.23-24; Estorninho, Carlos, “A Contribuição Inglesa para os Estudos Camonianos”, Panorama, 44, Lisboa, Dez. 1972, pp. 85-95; Taylor, Sister Mary Eustace, William Julius Mickle(1734-1788). A critical study, Washington, The Catholic University of America, 1937; Letzring, Monica, “The Influence of Camoens in English Literature”, Revista Camoniana, 1-3, São Paulo, 1964; Moser, Fernando de Mello, “Luis de Camões em Inglaterra”, in Os Lusíadas: Estudos sobre a Projecção de Camões em Culturas e Literaturas Estrangeiras, Lisboa, Academia das Ciências, 1984; Sim, John, The Poetical Works of William Jules Mickle,Londres, J. Barfield, 1806; Sousa, Maria Leonor Machado, Camões em Inglaterra, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1992; Walter, Felix, La Littérature Portugaise em Angleterre à l´époque romantique, Paris, Librairie Ancienne Honoré Champion, 1927; West, Sidney George, “The Visit to Portugal in 1779-1780 of William Julius Mickle”, Garcia de Orta- revista da Junta de Investigações do Ultramar, 1972, pp. 593 – 607; Idem, “The Work of W. J. Mickle, the First Anglo-Portuguese Scholar”, The Review of English Studies, 10, 40, 1934; Idem, “W.J.Mickle´s Translation of Os Lusiadas”, Revue Littérature Comparée, de 69, Paris, 1938; Idem, “A projecção dos Lusíadas em tradução inglesa”, Bracara Augusta, 25-26, 1971-72, Braga, 1973.João Almeida FlorInglesaSócio correspondente estrangeiro.