Filho de um pastor protestante, Mickle foi tradutor literário, poeta, divulgador de Camões épico e precursor da camonologia inglesa. Depois de uma experiência falhada como gerente de uma fábrica de cerveja e de desempenhar funções de revisor, em Oxford, dedicou-se à produção literária, a partir de 1763, sob a orientação de Lord Lyttelton. Desde cedo demonstrou grande interesse pela história, orgânica e projetos da Companhia das Índias, publicando sobre ela um ensaio sobre os resultados da sua reflexão crítica. Estudioso também da descoberta e colonização portuguesas do oriente, a sua grande admiração pela epopeia camoniana conduziu-o a preparar e executar o grande projeto da sua vida, nomeadamente a tradução prefaciada e profusamente anotada de
Para o efeito, desenvolveu estratégia multiforme, pois, leu e comentou a única versão inglesa do poema em oitava rima, existente à data, da autoria de Richard Fanshawe (1655). Em complemento, consultou
Munido deste arsenal erudito e familiarizado, entretanto, com a língua e cultura portuguesas, Mickle empreendeu entre 1771 e 1775 a tradução de Os Lusíadas, primeiro publicando passos selectos na imprensa periódica e finalmente a obra integral no ano seguinte (1776). Aproveitando os comentários histórico-biográfico-literários de Faria e Sousa, o paratexto do volume desenvolve o perfil biográfico de Camões, retratando os infortúnios que lhe marcam o percurso, desde o desterro ao exílio, além de um naufrágio e, na última fase, a mendicidade nas ruas de Lisboa. Em complemento, uma extensa introdução à obra, justifica as opções translatórias aceites por Mickle, a sua intencionalidade e avalia criticamente os resultados obtidos. A tiragem da primeira edição atingiu os mil exemplares, logo esgotados, tendo-se registado várias reedições e apreciações crítjcas, ao longo dos séculos. Comprovando o êxito da tradução, de que foram assinantes, não só vários artistas e literatos britânicos, como também aristocratas e intelectuais portugueses, entre eles o Visconde de Balsemão, Ribeiro Sanches e João Jacinto de Magalhães, pode dizer-se que tal versão marcou profundamente a fortuna editorial camoniana, pois as publicações posteriores da epopeia deram-lhe lugar de grande relevo, por exemplo, nas reflexões histórico-literárias do Morgado de Mateus e do Visconde da Juromenha.
Deve sublinhar-se o modo como a versão de Mickle acentua o estatuto épico de
Profissionalmente ligado a empresas de navegação, Mickle chegou em 1779 a Lisboa onde se demorou seis meses, interrompidos por várias excursões a pontos de interesse histórico e turístico. Em termos de relacionamento, a estreita proximidade a D.João Carlos de Bragança, 2º Duque de Lafões, franqueou-lhe o convívio em Portugal da mais alta nobreza e de cientistas insignes como Correia da Serra, enquanto o enviado inglês Robert Walpole, por seu turno, apresentou Mickle aos prósperos comerciantes e nobres da colónia britânica entre nós. A 22 de Maio de 1780, com o nome aportuguesado de Guilherme Júlio Micle, foi eleito sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, em reconhecimento da sua lusofilia, por diploma assinado pelo Duque de Lafões, tendo-se registado também a sua presença na sessão de 4 de Julho, um mês antes de regressar à pátria. Na secção do livro antigo da biblioteca da Academia, conservam-se exemplares de edições setecentistas da tradução, além de apontamentos do autor sobre a viagem a Portugal e uma carta missiva ao Marquês de Pombal, acompanhando a oferta da tradução camoniana. Na sua última fase, após o regresso a Portugal, Mickle casou com Mary Thomkins (1782), filha do seu anterior senhorio, continuando os afazeres literários, de que interessa relevar a publicação de