Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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PortugalTomás António de Vila NovaLisboaMagistrado e político, desembargador do Paço, chanceler-mor do Reino no Rio de Janeiro, conselheiro de Estado, ministro e secretário de Estados dos Negócios do Brasil, secretário do Sereníssimo Estado e Casa de Bragança. Sócio honorário.TOMAS_ANTONIO_VILANOVA_PORTUGAL.pngTomás António de Vila Nova Portugal (1755–1839). Fotogravura de Nitzsch, Museu Histórico Nacional, Brasil.Ass-Tomas-Vila-Nova-Portugal.png

Tomás António de Vila Nova Portugal nasceu em Lisboa, em 18 de setembro de 1755, embora haja autores que questionam a exatidão da data, situando o nascimento num lapso temporal mais dilatado – entre os anos de 1754 e 1755 – invocando para isso a ausência de fontes seguras quanto àquela. Ponto assente é que, aquando do terramoto de 1 de novembro de 1755, era ainda criança de colo, escapando aos efeitos da tragédia nos braços da sua mãe, que o amamentava, segundo os relatos históricos.

Apesar de ter nascido em Lisboa, a sua formação académica superior teria lugar em Coimbra, onde obteve o grau de bacharel e doutor em Leis pela Universidade de Coimbra. Depois disso, foi magistrado, tendo sido corregedor em Vila Viçosa e, mais tarde, em 1800, desembargador da Relação do Porto. Um ano mais tarde, em 1801, ascendeu à categoria de desembargador da Casa da Suplicação, no âmbito da qual, em 1805, foi desembargador dos Agravos. Em 1807, tornou-se desembargador do Paço, integrando este tribunal no Rio de Janeiro.

Politicamente, exerceu cargos como deputado da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação, diretor da Real Fábrica das Sedas e Obras da Águas Livres, Fiscal do Real Erário e posteriormente presidente do Real Erário, chanceler-mor do Reino, no Rio de Janeiro, conselheiro do Estado, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino, no Brasil, e secretário do Sereníssimo Estado e Casa de Bragança. Homem de confiança de D. João VI, é na qualidade de ministro e secretário do Estado dos Negócios do Reino que, segundo os historiadores, terá elaborado o alvará de 30 de março de 1818, contra a Maçonaria e outras sociedades secretas, por si referendado, por meio do qual o rei declara por “criminosas e prohibidas todas e quaisquer sociedades secretas, de qualquer denominação que ellas sejam”. Em causa estava uma tentativa de combater “o excesso de abuso a que tem chegado as sociedades secretas, que, com diversos nomes de ordens ou associações, se tem convertido em conventículos e conspirações contra o Estado”.

Em termos políticos, destacou-se, igualmente, pela luta contra as ideias liberais, tendo, designadamente, contestado a fraca reação à Revolução do Porto, que eclodiu a 24 de agosto de 1820, e pelo facto de apoiar a manutenção da corte no Brasil, de modo a afastar-se das ameaças liberais que afetavam Lisboa. Porém, não terá sido bem-sucedido na defesa da sua posição, razão pela qual voltou a Portugal, em julho de 1821, integrando a comitiva do rei. Terá, então, sido proibido de desembarcar pelas Cortes. Haveria, contudo, de voltar ao Reino, onde morreria, quase na miséria, em 1839. Foi, ainda, comendador da Ordem da Torre e Espada e da Ordem de Aviz.

Enquanto académico, foi admitido como sócio correspondente na Academia de Ciências em junho de 1789, tendo-se tornado sócio livre em 1 de abril de 1791 e ascendido a sócio efetivo em 7 de junho de 1806. Em 6 de novembro de 1817, tornou-se sócio honorário da Academia, à qual, antes da sua partida para o Brasil, ofereceu diversos escritos seus, que seriam publicados nas Memórias de Literatura e nas Memórias de Economia.

Entre os seus diversos contributos, destaca-se, pela importância que assumiu no panorama jurídico e político português, a reflexão “Qual foi a Origem, e quaes os Progressos, e as Variações da Jurisprudência dos Morgados em Portugal?”, premiada pela Academia a 12 de maio de 1791, que seria publicada, em 1793, nas Memorias de Litteratura Portugueza (enquadradas no plano de difusão da ciência e entendidas como projeção do Enciclopedismo e do Iluminismo em Portugal) e apresentada, ao longo de um ano, em três sessões públicas.

As Memorias da Litteratura Portugueza, vistas até hoje como uma coletânea das melhores e mais atualizadas, à época, produções académicas portuguesas, norteando-se por integrar visões sociais e científicas inovadoras, acolheram no seu seio aquele que foi já considerado um dos seus trabalhos académicos mais complexos (Dias Gomes, p. 103) – o referido estudo de Tomás António de Vila Nova Portugal, no qual o académico procura compreender a origem histórica dos morgadios e estudar a sua posterior evolução ao nível das ordenações e da jurisprudência.

Trata-se de um estudo ímpar e de importância indesmentível, à luz do contexto histórico-jurídico de então. Na verdade, até à entrada em vigor do Código de Seabra, o panorama legislativo nacional afigurava-se desatualizado e confuso, fruto da ausência de um pensamento sistemático e da profusão de fontes. É neste contexto que surgem algumas obras relevantes, que procuravam oferecer linhas interpretativas acerca da vinculação que resulta dos morgadios: Manuel Álvares Pegas e Almeida de Sousa Lobão terão dado o seu contributo na matéria. Contudo, nenhum dos seus escritos tinha um caráter histórico, que se vai encontrar na pena de Tomás António de Vila Nova Portugal. Remontando à génese dos morgadios, Tomás António de Vila Nova Portugal pôs a nu os entraves que, por via do imobilismo do regime, impossibilitariam maiores investimentos sobre a terra.

O quadro legislativo havia-se modificado, com as leis de 7 de setembro de 1769 e de 3 de agosto de 1770, que, a par de outras medidas, decretavam as condições a que ficava submetida a instituição de um morgadio, a partir de então a carecer de autorização do Rei, após consulta e avaliação feita pela Mesa do Desembargo do Paço (Aboim Pires, pp. 403-422). Tomás António de Vila Nova Portugal haveria de se mostrar favorável à nova legislação pombalina, entendendo que resolve muitos dos problemas sociais e económicos que os morgadios criavam e que tinha constatado na sua análise histórica, numa visão que, aliás, seria partilhada por outros insignes juristas como Pascoal de Melo Freire, e o seu estudo haveria de abrir as portas a outros textos fundamentais sobre os morgadios, quer defendendo a reforma do sistema, quer defendendo a extinção deste tipo de vinculação (Judite Esteves, p. 29).

Sendo esta uma obra incontornável mesmo para quem, ainda hoje, queira debruçar-se sobre o fenómeno dos morgadios no nosso país, ela não é ímpar no pensamento do autor, no que respeita à necessidade de estimular a agricultura em Portugal. Na “Memoria Sobre a Cultura dos terrenos Baldios que ha no Termo da Villa de Ourem”, Tomás António de Vila Nova Portugal, depois de constatar o estado da terra na Vila de Ourém, conclui dizendo que, sendo as suas observações as que supõe adequadas àquele estado, “outras quaisquer serão ótimas, contanto que estes terrenos se cultivem, e que aqueles moradores tirem todo o útil que podem tirar de uns terrenos, que para a sua utilidade é que estão reservados desde o primeiro estabelecimento do lugar”.

A preocupação com a terra, com o seu cultivo e com o seu desenvolvimento estão, portanto, no centro das preocupações do jurista, sem que, contudo, a agricultura esgote o pensamento do autor em matérias económicas. Na “Memoria sobre a preferência que entre nós merece o estabelecimento dos mercados ao uso das Feiras de anno para o commercio intrínseco”, Tomás António de Vila Nova Portugal, mostrando o seu comprometimento com o desenvolvimento do país, vem expor argumentos no sentido da preferência das praças de mercados relativamente às feiras, por ser naquelas que o comércio pode atingir o grau de atividade que é próprio de uma nação que depende primordialmente da agricultura.

Tomás António de Vila Nova Portugal denotou, sempre, um equilíbrio entre o estudo histórico, tendo-nos oferecido, inclusivamente, numa perspetiva mais juridicamente cunhada, uma importante sistematização acerca das épocas de receção do direito romano em Portugal, em “Qual seja a Epocha fixa da introducçaõ do Direito Romano em Portugal; e o gráo de authoridade que elle teve nos diversos tempos?”, e o progresso que desejava alcançar para desenvolvimento do país.

“Qual foi a Origem, e quaes os Progressos, e as Variações da Jurisprudência dos Morgados em Portugal?”, Memorias de Litteratura Portugueza, tomo III, 1793, pp. 374-470; “Memoria Ao Programma: Qual seja a Epocha fixa da introducçaõ do Direito Romano em Portugal; e o gráo de authoridade que elle teve nos diversos tempos”, Memorias de Litteratura Portugueza, tomo V, 1793, pp. 377-420; “Memoria Sobre a preferencia que entre nós merece o estabelecimento dos Mercados ao uso das Feiras de anno para o Commercio intrínseco”, Memórias Económicas da Academia Real de Ciências de Lisboa, tomo II, 1789-1815, pp. 3-12; “Memoria Sobre a Cultura dos terrenos Baldios que ha no Termo da Villa de Ourem”, Memórias Económicas da Academia Real de Ciências de Lisboa, tomo II, 1789-1815, pp. 295-306; “Memoria sobre os juros, relativamente á cultura das terras”, Memórias Económicas da Academia Real de Ciências de Lisboa, tomo III, 1789-1815; “Observações que seria util fazerem-se para a Descripção Economica da Comarca de Setubal”, Memórias Económicas da Academia Real de Ciências de Lisboa, tomo III, 1789-1815; “Obsevações Sobre o Mappa da Povoação do termo da Villa de Azeitão”, Memórias Económicas da Academia Real de Ciências de Lisboa, tomo III, 1789-1815 ppProcesso Académico, AHA-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1789-06/TAVP; Silva, Innocencio Francisco da, Diccionario Bibliographico Portuguez, tomo VII, Lisboa, Imprensa Nacional, 1862; Serrão, Joel, “Thomas Antônio Villanova Portugal”, Dicionário da história de Portugal, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971; Esteves, Judite, Do morgadio à divisão igualitária dos bens, tese de doutoramento, Lisboa, F. C. S. H., 2008; Dias, Eurico Gomes, “A excelência historiográfica nos primórdios da Academia Real das Ciências de Lisboa [1779-1820]”, Revista de Teoria da História, v.17, n.1, 2017, pp. 103; Idem, Memórias de Literatura Portuguesa [1792-1814] - Os homens e as letras na Academia Real das Ciências de Lisboa, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, pp. 711-752; Pires, Leonardo Aboim, “A extinção dos morgadios em bragança: propriedade fundiária e morfologia social no século XIX”, Brigantia, Revista de Cultura, nº 37-38, 2021, pp. 403-422. Mafalda Miranda BarbosaPortuguesaSócio honorário (06.11.1817).Literatura PortuguesaSócio correspondente (1789); sócio livre (01.04.1791); sócio efetivo (07.07.1806); sócio honorário (06.11.1817)