Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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AlmeidaTeodoro deLisboaLisboaPadre oratoriano, filósofo natural e professor de filosofia na Congregação do Oratório. Sócio fundador efetivo na classe de Ciências de Cálculo.Teodoro_Almeida.pngTeodoro de Almeida. Óleo sobre tela de J. B. Gerard, 1801. Atualmente no Ministério dos Negócios Esrangeiros (TT, PT/TT/QDR/000156).A2.Ass-Teodoro-de-Almeida.png

Natural de Lisboa (bairro da Encarnação), filho de Ivo Francisco de Almeida e de Luzia Maria. Desde muito cedo, em companhia de seu pai, participou nos exercícios religiosos da casa oratoriana do Espírito Santo onde começou por estudar humanidades, geometria e física. A proteção do prepósito P. Domingos Pereira parece ter sido fundamental para o seu ingresso na congregação néri, em 11 de Abril de 1735. Os mestres de noviciado foram os padres Manuel Portal, Pedro Correia, Rodrigo de Sá, Francisco Manuel e Luís Cardoso. Prosseguiu, entretanto, os seus estudos sob a direção do Pe. João Baptista cuja influência será determinante para a orientação que virá a seguir no âmbito da filosofia. O Pe. João Baptista, autor de Philosophia Aristotelica Restituta, representa entre os oratorianos e no pensamento filosófico português de Setecentos um ponto de decisiva viragem frente à escolástica mediante crescente aceitação das conceções cartesianas e newtonianas no campo da física. Teodoro de Almeida cursará os três anos de filosofia e os quatro anos de teologia subsequentes, conforme as disposições estatutárias dedicando-se, ao mesmo tempo, à matemática.

Ordenado sacerdote, veio a praticar no seu múnus eclesial a arte parenética, sendo os seus sermões elaborados num estilo mais despojado do que os de persistente tradição barroca e ouvidos com agrado. Dedica-se ao ensino tendo sido nomeado, em 1748, mestre substituto no triénio filosófico conduzido pelo P. Luís José, a quem sucederia nos três anos seguintes. Data desse período o início da publicação da Recreação Filosófica, ou diálogo sobre a filosofia natural para instrução de pessoas curiosas que não frequentam as aulas, vindo a lume os três primeiros volumes entre 1751 e 1752. Teodoro de Almeida viria a assegurar, a partir de então, para além das aulas, conferências abertas ao público (e frequentadas, também, pela família real), apoiadas em experiências e uso de maquinismos que o seu mestre João Baptista tinha iniciado na Casa das Necessidades. Quer a Recreação, quer as Conferências não deixaram de ser objeto de várias críticas como as que seriam desenvolvidas na Palinódia Manifesta (1752) e no Mercúrio Filosófico (1752), ambas as obras escritas sob pseudónimo.

Entretanto, Teodoro de Almeida e a Congregação do Oratório viriam a sofrer as consequências da animosidade de Sebastião José de Carvalho e Melo, a partir de 1760, no contexto da censura do Santo Ofício ao De potestate regis, obra programaticamente regalista da autoria de Inácio Ferreira do Souto que mereceu parecer desfavorável do Pe. João Baptista. Seguindo o destino de outros que se encontravam solidários com o seu mestre, exila-se na casa oratoriana do Porto. Na iminência de ser preso foge para Espanha, em 1768, fixando-se em Bayonne, onde desempenha alguma atividade pastoral na região vascongada embora sob a vigilância apertada das autoridades que, eram certamente, pressionadas, à distância, pelo todo-poderoso ministro de D. José. Importa sublinhar que nesta época, o oratoriano expatriado estabelece correspondência significativa com Ribeiro Sanches. Torna-se, entretanto, membro efetivo da Real Sociedad Vascongada de los Amigos del Pais que vem a patrocinar a primeira edição, em espanhol, da Recreação Filosófica. Recusa o convite do Arcebispo de Auch para dirigir os estudos secundários daquela cidade onde exerceu algum magistério.

Volta para Portugal, em fins de 1777, após a queda política do Marquês de Pombal, retomando as aulas, a prática de confessor e a pregação dos sermões nas vésperas da criação da Academia das Ciências de Lisboa. A iniciativa de uma academia, embora ainda sem designação específica, a crer no seu biógrafo anónimo, provavelmente Joaquim Dâmaso, parece ter sido discutida entre Teodoro de Almeida e D. João Carlos de Bragança, já em 1755, com o apoio do rei. Esse encontro e propósito pode deduzir-se, de algum modo, das palavras do oratoriano, quando no princípio da oração inaugural proferida a 4 de Julho de 1780 afirmava que “chegou o tempo em que se verificou o projeto meditado há 25 anos por alguns de entre nós”. Teodoro de Almeida vem a ser eleito Orador da Academia, cargo que depois da sua morte não foi continuado. A Oração de abertura do reputado padre e sábio néri, pelo tom muito crítico em relação à situação cultural do Reino, e até possível dúvida sobre a mais-valia de alguns dos confrades, não colheu total simpatia entre os académicos motivando mesmo expressa relutância além de ter motivado uma série de folhetos e correspondência, gerando significativa polémica. Todavia, importa assinalar, também, que no início da década de 80, muitas das propostas inovadoras de Teodoro de Almeida estavam a ser ultrapassadas por uma nova geração de filósofos e cientistas. As suas memórias sobre a luz, sobre o vácuo, sobre o sol, sobre a rotação da Lua e sobre uma máquina para conhecer a causa física das marés nunca foram selecionadas para publicação e o mesmo aconteceu á sua oração inaugural. Teodoro de Almeida, porém, continuou a ser não só uma referência incontornável da cultura e da sociedade portuguesas como mereceu sucessivas reedições da sua obra quer em espanhol, quer em francês. A retoma dos cursos trienais de filosofia, a direção espiritual das religiosas da Visitação, a confeção de obras de natureza pedagógica e espiritual, sempre numa perspetiva de trazer utilidade para a formação dos educandos e educandas, reflete uma estruturação pedagógica eficaz de que o estilo comunicativo das Recreações Filosóficas é paradigma.

Em 27.3.1790, passou à categoria de sócio veterano, juntamente com Pedro José da Fonseca. A partir de 1792, passará a residir no convento do Espírito Santo, entretanto reconstruído. Vem a falecer em 10 de Abril de 1804.

Teodoro de Almeida representa, pela sua atitude eclética de pensamento, talvez a mais significativa expressão do que foram as Luzes em Portugal, marcadas por um entendimento de natureza explicada racionalmente embora não descurando o fundamento último que reside em Deus. Teodoro de Almeida é influenciado pelo pensamento de Descartes, Gassendi e dos oratorianos Tosca e Bernard Lamy, no que concerne ao teor e estruturação pedagógico da sua obra. O propósito inicial da Recreação, num ciclo que se concretizou entre 1751 a 1762 era o de incidir na filosofia natural ou física definida enquanto ciência experimental “que trata de todas as coisas naturais, dando a razão, e apontando a causa de todos os efeitos ordinários, e extraordinários que vemos com os nossos olhos” (Recreação Filosófica, T. I, pp. 4-5).

Através da Recreação Filosófica, que o autor suplementará com as Cartas físico-matemáticas, assiste-se a um vasto projeto enciclopédico, abrangendo a matéria e as suas propriedades, as leis do movimento, a natureza da luz e os fenómenos a ela associados, a visão e o tato, as leis do movimento, os quatro elementos, o homem, o mundo animal e vegetal e ainda, no sexto tomo - que o oratoriano considerava, à partida, como fecho da Recreação, e em que são convocados Tycho Brahe, Copérnico, Descartes e Newton - o estudo dos céus e dos astros abordando, porém, talvez com excessiva reserva, a validade do sistema coperniciano.

A Recreação que foi de extrema importância pela panorâmica que disponibilizou sobre as questões científicas modernas no Portugal de Setecentos não se cingiu, todavia, ao plano inicial. Seriam publicados mais quatro tomos. Os tomos VII e VIII tratam da Lógica e da Metafísica que correspondem ao âmbito da filosofia racional, tal como nas escolas era disponibilizado, complementando os conhecimentos da filosofia natural. O ecletismo estruturante de toda a sua meditação manifesta-se de um modo mais profundo quanto ao intuito de harmonizar razão e religião, tema que ocupa o tomo IX, de 1793, e se projeta no tomo X e último, de 1800, dedicado à filosofia moral na linha do que já abordara em O Feliz independente obra de significativa leitura e repercussão mental cuja versão definitiva é de 1786. Teodoro de Almeida abrangia, assim, nas páginas da Recreação, a filosofia natural, a racional e a moral. Importa atender à circunstância de que o conhecimento racional é em Teodoro de Almeida, também, um caminho para chegar a Deus, assumindo, por essa via, o papel de ativo apologista ilustrado, na pretensão de conciliar ciência e religião, razão e fé, valores que estão sempre presentes na ação formativa e pastoral do filósofo. A temática harmonizadora da religião e da razão, presente, igualmente, em muitos dos seus contemporâneos, interessava ao combate anti deísta e anti filosofista e à defesa do Antigo Regime, frente às preocupações decorrentes do crescente clima revolucionário em termos de regime político, de transformação da sociedade e de novas opções culturais. Quanto às ideias jus-políticas, especificamente, Teodoro de Almeida é um anti contratualista defensor da origem e natureza divina e absoluta do poder.

Recreação Filosófica (Tomo I a X), Lisboa, Officina de Miguel Rodrigues /Na Regia Officina Tipografica /Oficina Patriarcal, 1751/1800; Oração na abertura da Academia das Ciências em 4 de Julho de 1780, B.A.C.L., ms. Azul 377; Cartas Fisico-Mathematicas de Theodozio a Eugenio. Para servir de Complemento à Recreação Philosofica. Tomo I – Sobre os Elementos de Geometria; Tomo II – Sobre a Mecanica, ou Leis de Movimento, Lisboa, Off. de Antonio Rodigues Galhardo, 1784; Cartas fisico-rnathematicas de Teodósio a Eugénio para servir de suplemento a Recreação Filosófica, Tomo III, Lisboa, Regia Oficina Tipográfica, 1798; Cartas espirituais sobre diversos assuntos, Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1804; Descrição do novo planetário universal, pela direção do P. Teodoro de Almeida da Congregação do Oratório da casa do Espirito Santo, Lisboa, Regia Oficina Tipográfica, 1796; Método para a geografia oferecido as religiosas da Visitação de Santa Maria de Lisboa, Lisboa, António Rodrigues Galhardo, 1779; O feliz independente do mundo e da fortuna ou arte de viver contente em quaisquer trabalhos da vida, Lisboa, Regia Oficina Tipográfica, 1786, 3 vols. (Edição de 2001,Porto, Campo das Letras, de Zulmira C. Santos); Lisboa destruída, Lisboa, António Rodrigues Galhardo, 1800.Processo Académico, AH-ACl,PT/ACL/ACL/ACL/C/001/1779-12-24/TA; Andrade, A. A. de, Vernei e a cultura do seu tempo, Coimbra, Por ordem da Universidade, 1965; Azevedo, Ferdinand de, Teodoro de Almeida (1772-1804) and the portuguese enlightenment, Washington, The Catholic University of America,1975; Dias, J. S. da Silva, “O ecletismo em Portugal no século XVII. Génese e destino de uma atitude filosófica”, Revista Portuguesa de Pedagogia, ano IV, 1972, pp. 3-24; Domingues, Francisco Contente,Ilustração e Catolicismo. Teodoro de Almeida, Lisboa, Edições Colibri, 1994; Fiolhais, Carlos, “Os diálogos filosóficos do padre Teodoro de Almeida”, Limite, vol.11, 2017, pp. 89-110; Mendonça, Marta, “Teodoro de Almeida e a filosofia moderna”, Nova Águian.º 30, 2023, pp. 169-178; Santos, Eugénio dos, “Para a história da cultura em Portugal no século XVIII: «Oração» de Abertura da Academia das Ciências de Lisboa do Padre Teodoro de Almeida, Arquipélago, nº. 2, 1980, pp.53-90; Teixeira, António Braz, A reflexão ética luso-brasileira, Lisboa, MIL/Movimento Internacional Lusófono, 2023, pp. 70-79.José Esteves PereiraPortuguesaFundador. Sócio efetivo.Ciências de Observação.Sócio veterano em 27.11.1790.