Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

DHB

MagalhãesSebastião Francisco de Mendo Trigoso Homem deQuímico, historiador, tradutor. Sócio efectivo e secretário .

Um dos académicos mais profícuos da Academia Real das Ciências de Lisboa nas duas primeiras décadas do século XIX foi, sem dúvida alguma, Sebastião Francisco de Mendo Trigoso Homem de Magalhães, mais conhecido como Sebastião Francisco de Mendo Trigoso – abreviando-se assim o seu nome completo, como o próprio habitualmente assinava – ou, simplesmente, Sebastião Mendo Trigoso. Era filho de Francisco Mendo Trigoso Pereira Homem de Magalhães e de D. Antónia Joaquina Teresa de Sousa Morato, ambos de linhagem nobiliárquica. Contraiu matrimónio como D. Maria José de Oliveira Sande e Vasconcelos (1806), tendo tido três filhas.

Sebastião Francisco de Mendo Trigoso frequentou o Colégio Real dos Nobres, onde se destacou pelo seu brilhantismo. Seguiu depois para Coimbra, ingressando na Faculdade de Ciências Matemáticas e Filosoficas, onde completou o bacharelato em Filosofia na Universidade (9.7.1792) e se destacou entre os primeiros alunos.

Assentou praça como cadete no 2.º Regimento da Armada (6.5.1797) e aí permaneceu até ser promovido e destacado como capitão-mor do termo de Torres Vedras (15.2.1798). Seria nomeado tenente coronel (1809) enquanto se organizava o Regimento de Voluntários Reais de Milícias a Cavalo de Lisboa, contudo, atendendo que este corpo militar não chegou a organizar-se, daria lugar à criação do Regimento de Voluntários Reais do Comércio (1809), de natureza miliciana.

Além de fidalgo com assento na Casa Real, em virtude das suas raízes familiares, sustentou a mais profícua colaboração científica e literária com a Academia Real das Ciências, onde foi sucessivamente eleito sócio correspondente (11.5.1811), sócio livre (6.6.1812), sócio substituto de efectivo (19.6.1812) e, por fim, sócio efectivo (8.4.1817). Da mesma forma, desempenhou vários cargos de relevo nesta alta agremiação: eleito vice-secretário da Academia (23.11.1812), director da Classe de Ciências Naturais (23.11.1815), sendo novamente reeleito duas vezes como vice-secretário (8.4.1817 e 26.11.1818) e, por último, eleito secretário da Academia (6.5.1820), em substituição de José Bonifácio de Andrade e Silva (1763-1838), o qual regressara ao Brasil em 1818.

Entre copiosos trabalhos académicos que Sebastião Francisco de Mendo Trigoso produziu no âmbito da Academia Real das Ciências, alguns deles ainda inéditos e no acervo da instituição, salientamos os seus contributos para as Memorias de Litteratura Portugueza. No decurso das iniciativas revisionistas historiográficas quanto aos Descobrimentos portugueses, Trigoso tentou recuperar, num primeiro ensaio, a memória histórica da família Corte-Real, celebrizada pelas suas navegações no Atlântico Norte. Este ensaio foi lido publicamente em meados de 1813, não deixando o Autor de prometer uma exposição aumentada, em virtude da profundidade do tema, então quase olvidado. Neste breve Ensaio procedeu a uma rectificação crítica das crónicas e dos autores portugueses sobre estes assuntos, completada com as últimas pretensões historiográficas estrangeiras sobre as descobertas nas zonas setentrionais atlânticas e defendendo o primado das navegações portuguesas nesta região.

Como é sabido, os irmãos Corte-Real são conhecidos por terem alcançado a Terra Nova, reivindicando o seu domínio para Portugal, tendo explorado o Golfo de S. Lourenço. Estas costas recortadas abruptamente para o Atlântico, geladas e ainda repletas de densas florestas, continuavam quase desconhecidas nos inícios do século XIX, tal como Sebastião Francisco de Mendo Trigoso relatava. Nesse sentido, recordou ainda as navegações vikings e as várias tentativas de colonização entre os séculos IX-XI, embora o registo histórico dessas expedições estivesse circunscrito ao domínio das sagas nórdicas e em menções cartográficas imprecisas até aos inícios do século XVI.

A presença portuguesa na região intensificou-se desde então, dado que as representações cartográficas da Terra Nova estão repletas de topónimos portugueses, alguns dos quais ainda existem ou foram adaptados para a língua inglesa. Desde estas navegações iniciais, as principais actividades da população residente continuam a ser a pesca e a exploração mineira. Deste modo, a relevância comercial deste circuito comercial deveria ser novamente renovada, um princípio que Sebastião Francisco de Mendo Trigoso defendeu, a bem da economia mercantil portuguesa.

Finalmente, a última das 55 Memorias que compõem os oito volumes das Memorias de Litteratura Portugueza foi consagrada à vida e obra do quase ignorado Martin Behaim (1459 – 1507), conhecido entre os nossos autores por Martim, ou Martinho, da Boémia.

Embora a sua participação nos Descobrimentos não esteja definida em toda a sua plenitude, tal como Sebastião Francisco de Mendo Trigoso recordou, importava divulgar a importância o globo ( Erdapfel ) de Martin Behaim, praticamente desconhecido à época (e não só) em Portugal. Apesar de representar o mundo nos preceitos pré-colombianos, é revelador dos enormes contributos da expansão portuguesa para uma nova ‘imago mundi’, ocasionando uma discussão erudita, especialmente em Nuremberga, e por nas esferas intelectuais germânicas. É considerado um dos primeiros globos cartográficos, visto não existir notícia de outras representações em forma de globo, o qual demonstrava indubitavelmente o conceito da esfericidade do planeta. Atendendo à publicação de trabalhos historiográficos com novas perspetivas, onde sobressaía a impugnação, ou comprovação, de autores estrangeiros, esta Memoria contou com a supervisão e a anuência do confrade António Ribeiro dos Santos (1745-1818), ainda que Sebastião Francisco de Mendo Trigoso discordasse daquele erudito em alguns pormenores. Pela cientificidade e pelo debate que ocasionou no seio da Academia Real das Ciências de Lisboa, esta Memoria conserva-se actualíssima.

Entre as numerosas iniciativas de relevo em que participou activamente na Academia Real das Ciências de Lisboa, refira-se o empenho de Sebastião Francisco de Mendo Trigoso na comissão do exame dos forais, na redacção de pareceres literários, elogios académicos e correspondência científica. Também se dedicou a várias traduções de obras poéticas estrangeiras, ao mesmo tempo que defendeu a implementação do sistema métrico decimal, novas reformas dos pesos e medidas, além de ter realizado experiências e observações agrárias, incluindo terapêuticas veterinárias, etc.

Acresceu a todos estes trabalhos, as suas diligências como censor régio na Mesa do Desembargo do Paço. Tragicamente, tendo uma saúde débil desde criança, um ataque fulminante de gota e os excessos dos trabalhos literários terão acelerado a sua morte a 18 de Maio de 1821, no preciso dia em que completava 48 anos de idade.

“Systema Metrico-Decimal confrontado com o valor das Medidas actuaes”, BACL, série Azul, ms.1084; Papéis relativos à Instituição Vaccinica pela Academia, BACL, série Azul, ms.999; Hypolito, tragedia de Seneca, e Phedra, tragedia de Racine, com a traducção em verso portuguez, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, Lisboa, 1813; “Ensaio sobre os Descobrimentos, e Commercio dos Portuguezes em as Terras Sententrionaes da America”, Memorias de Litteratura Portugueza, tomo VIII, Parte Segunda, Lisboa, Academia Real das Ciências, Lisboa, 1814, pp. 305-326 ; “Memoria sobre Martim de Bohemia”, Memorias de Litteratura Portugueza, tomo VIII, Parte Segunda, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1814, pp. 365-401; “Elogio Historico de Fr. João de Sousa”, Historia e Memorias da Academia, tomo IV, Parte I, Lisboa, Officina da Academia Real das Ciencias, 1815, pp. XLIX-LXII; “Elogio historico do Conde da Barca, proferido em 24 de Junho de 1819”, Historia e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, tomo VIII, Parte II, Lisboa, Officina da Academia Real das Ciencias, 1823, pp. XV e ss; “Elogio historico do academico Antonio Caetano do Amaral”, Ibidem, pp. 47-57; “Exame critico das primeiras cinco edições dos Lusíadas”, Idem, tomo VIII, parte I, pp. 167 – 212;“Projecto para o estabelecimento de escholas de agricultura pratica”, Memorias e Historia da Academia, tomo IV, Parte I, Lisboa, Typographia da Academia, 1823, pp. 58 e ss; Tradução do italiano, Viagem de Lisboa à ilha de S. Tomé, escrita por um pilôto português, com prefácio de Augusto Reis Machado, Lisboa, Portugália Editora, 1960; Idem, Viagens de Luis de Cadamosto, introdução e notas de Augusto Reis Machado, Lisboa, Portugália Editora, 1960.Processo académico, AH-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1811-05-11/SFMTHM; Dias, Eurico Gomes, “Em defesa da verdade histórica nos Descobrimentos: o pioneirismo historiográfico de Sebastião Francisco de Mendo Trigoso Homem de Magalhães (1773-1821) às vésperas do Liberalismo”, Revista População e Sociedade. A Revolução Liberal do Porto de 1820. Direitos Humanos e Legado Político-Económico, n.º 38, Porto, CEPESE, Dez.2022; Dias, Eurico Gomes, “Sebastião Francisco de Mendo Trigoso Homem de Magalhães (1773-1821)”, Memorias de Litteratura Portugueza [1792-1814]: os Homens e as Letras na Academia Real das Ciências de Lisboa, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, pp. 681-709; Ribeiro, José Silvestre, Historia dos Estabelecimentos Scientificos, Litterarios e Artisticos de Portugal nos successivos reinados da Monarchia, vol. III, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1873, pp. 129-130; Sá, Manuel José Maria da Costa e, “Elogio historico de Sebastião Francisco de Mendo Trigoso Homem de Magalhães”, Historia e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, tomo IX, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1825, pp. LXVII-XC; Silva, Inocêncio Francisco da, “Sebastião Francisco de Mendo Trigoso”, Diccionário Bibliográphico Portuguez, tomo VII, Lisboa, Imprensa Nacional, 1862, pp. 208-209.Eurico Gomes Dias (ICPOL – ISCPSI)PortuguesaSócio correspndente; livre: 06-06-1812; substituto de efetivo: 19-06-1812; efetivo: 08-04-1817.Ciências Naturais