Filho primogénito de Just Haüy e de Madeleine Candelot, nasceu no seio de uma família de tecelões de linho, provida de escassos recursos, em Saint-Just-en-Chaussée, 80 km a norte de Paris, um burgo que emergiu e foi crescendo em torno de uma abadia premonstratense, local de peregrinação em honra de S. Justo, a lendária criança-mártir.
A profunda devoção de Haüy e o seu interesse pela música levaram-no, enquanto criança, a assistir assiduamente aos serviços religiosos, chamando a atenção do prior da abadia dos cónegos regulares premonstratenses, vizinha de Saint-Just. Aquele religioso acabou por se aperceber das qualidades intelectuais da criança, levando-o a confiar a sua educação aos monges da abadia. Foram notáveis os progressos de René-Just, o que levou o prior premonstratense a procurar convencer a mãe dele a levá-lo para Paris, para que pudesse avançar numa boa educação clássica e teológica. Convencida pelos mestres do seu filho, acabou por rumar a Paris, mas o melhor que René-Just conseguiu foi um lugar de menino do coro na igreja de Saint Paul.
De longe, os seus mestres premonstratenses acompanhavam com interesse o jovem formando, acabando por lhe obter uma bolsa do Colégio de Navarra. Concluídos os seus estudos, dado o apreço de que era credor, permaneceu no colégio como
Ao longo deste período de formação clássica e estudos religiosos, a sua apetência pelo estado eclesiástico foi-se concretizando: em 1762, a primeira tonsura clerical; em 1765, ordens menores; em 1767, subdiaconato; em 1769, diaconato; em 1770, l
Da sua regência no Colégio Navarra transferiu-se para o Colégio Cardeal Lemoine, como regente de
Haüy tornou-se um visitante habitual do
Intrigou-o a simplicidade geométrica das formas dos cristais e a sua variedade. Tal contrastava com a complexidade e invariabilidade das formas vegetais e interrogava-se sobre o facto de “a mesma pedra, o mesmo sal” ocorrer ora “em cubos, ora em prismas, ora em agulhas”, enquanto “uma flor tem sempre as mesmas pétalas, uma bolota, a mesma curvatura”. A mineralogia carecia de uma teoria sobre a estrutura dos cristais.
Conta Haüy que, um dia, ao examinar um cristal prismático de calcite que um amigo lhe mostrava, depois de ele se ter partido e separado de um grupo de cristais, reparou numa superfície de rotura, única, plana e brilhante. Fraturando repetidamente esse cristal, obteve novas superfícies de rotura, até que o prisma se reduziu a um núcleo romboédrico em tudo semelhante aos cristais do espato de Islândia. Atuando, depois, sobre um cristal escalenoédrico daquele mineral, obtém igual núcleo romboédrico, assim como, a partir de um cristal de calcite lenticular. Surpreso, apercebeu-se da importância da sua descoberta. A divisão mecânica daquele núcleo originava romboedros cada vez mais pequenos que, em limite, corresponderiam às unidades estruturais (moléculas integrantes), de cujo empilhamento em camadas resultariam os cristais. Haüy repetiu a experiência com outros minerais, até se convencer da universalidade da sua observação, decidindo-se a comunicar a sua descoberta a Daubenton. Este apressou-se a transmitir as ideias de Haüy a Pierre-Simon Laplace, que, apercebendo-se da sua importância, convenceu Haüy a fazer uma comunicação à Academie des Sciences. Tal ocorreria em 10.01.1781, sendo as memórias entusiasticamente recebidas pela Academia,
Em 12.02.1783, foi eleito para a Académie des Sciences, na Classe de Botânica, à falta de vaga entre os físicos. No fim do mesmo ano, publica o seu primeiro livro,
Em 1784, reformou-se da Universidade, conforme, após 20 anos de serviço, permitiam os regulamentos, obtendo uma pensão de emérito.
Em 23.04.1785, beneficiou de reforma do estatuto da Academia, passando a uma nova classe, a de História natural e de Mineralogia.
Haüy prosseguia placidamente a sua vida sedentária, no seu quarto do Colégio Cardeal Lemoine, embrenhado no seu trabalho de investigação. Assim o apanhou, imperturbado, a Revolução (1789-1799), período de frequentes convulsões políticas e sociais.
Em 8.08.1793, foram dissolvidas as academias reais, com grande perda financeira para Haüy, não só da parte da Academia, como da sua reforma universitária e da pequena prebenda de cónego da igreja de Saint-Maurice d’Oyron.
Fiel aos seus princípios, recusou jurar “ser fiel à nação, à lei e ao rei”, conforme determinava a lei da
Foi membro da Commission temporaire des Poids et Mesures et du Système métrique (1793) e professor de física da École normale de l’an III, fundada pela Convenção em 30.10.1794. Foi ainda membro do Institut National des Sciences et des Arts, criado 22.08.1795 em substituição da Académie Royale des Siences, tendo sido nomeado pelo Diretório para a Secção de História natural e Mineralogia.
Professor de mineralogia e de física da Écolle des Mines (Hôtel de Mouchy), criada em 19.03.1783, onde passa a residir, é depois nomeado professor, em 1802, no Muséum national d’Histoire naturelle, à morte de C. Dolomieu, passando a morar no Jardin des Plantes, auferindo 5 000 francos por ano.
Já nos tempos do Primeiro Império, em 14.04.1809, na Faculdade de Ciências de Sorbona, foi criada e oferecida a Haüy a cadeira de Mineralogia, que ele aceitou na condição de permanecer como professor do Museu.
Gozou, sempre, do apreço de Bonaparte que, em1802, lhe solicitou uma “obra elementar para a classe de matemáticas dos Liceus nacionais”, o que Haüy rapidamente cumpriu com a publicação do
Foi eleito sócio correspondente estrangeiro da Academia Real das Ciências de Lisboa na sessão ordinária de 15 de dezembro de 1813.
No sábado, dia 1.06.1822, caiu no seu quarto do Jardin du Roi e fraturou o colo do fémur, sobrevindo uma infeção fatal. Morreu pobre, mas possuidor de uma notável coleção de minerais (10 000 a 12 000 amostras) que os sobrinhos, seus herdeiros, tendo recusado a oferta oficial de 40 000-50 000 francos, acabaram por vender ao duque de Buckingham, por 100 000 francos. Em 1848, viria a ser recomprada para o Muséum nationale aos herdeiros do duque. Deixou-nos, ainda, um acervo de livros, memórias e notícias (c. 140 trabalhos científicos).