Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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SilvaPatrício (D. Fr.) daEremita de Santo Agostinho, arcebispo de Évora, patriarca de Lisboa. Sócio honorário.D.-Frei-Patrício-da-Silva.pngD. Frei Patrício da Silva, OSA (1756-1840), Cardeal-Patriarca de Lisboa. Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.A2-Ass-Cardeal-Padriarca-D.-Frei-Patricio-da-Silva.png

Patrício da Silva nasceu a 15 de outubro de 1756, no lugar de Pinheiros, freguesia de Marrazes (então freguesia de S. Tiago, do Arrabalde-da-Ponte), junto de Leiria. Os seus pais, Jacinto da Fonseca e Silva e Maria Teresa Inácia de Sousa, eram lavradores abastados. O talento do jovem Patrício chama a atenção do bispo de Mariana, D. Fr. António de S. José, relegado para o convento da Graça de Leiria, por ordens de Pombal, em virtude da sua afeição aos jesuítas. O bispo desterrado ampara-o nos estudos e recomenda-o à Ordem dos Eremitas de S. Agostinho. Assim se prepara até ser ordenado presbítero a 21 de dezembro de 1780.

Matricula-se, seguidamente, na Universidade de Coimbra, onde faz ato privado a 20 de julho de 1785, com doutoramento a 31 seguinte. Dedica-se então, ao ensino universitário vindo a reger a cadeira de Sacramentos.

De Coimbra passará a Lisboa, assumindo diversos cargos: Reitor do Colégio de S. Agostinho da sua ordem; pregador régio e da Casa do Infantado; censor eclesiástico do Patriarcado, professor de Teologia no Seminário de Santarém e Inspetor dos estudos da diocese de Lisboa.

Será também escolhido para deputado da Junta dos Melhoramentos das Ordens Religiosas, bem como para sócio da Academia Real das Ciências, como sócio correspondente em 1798 e académico honorário a 25 de novembro de 1824.

Na documentação conservada no Arquivo da Academia consta uma carta a Sebastião Francisco de Mendo Trigoso (1773-1821), de 25 de junho de 1819, para acompanhar o parecer do manuscrito de Francisco Stockler. Destaca-se, de facto, o seu erudito Exame e censura da obra Poesias lyricas de Francisco de Borja Garção Stockler (1759-1829), terminado a 28 de maio de 1819 (176 páginas). O oficial do exército e matemático, além das poesias, insere na sua obra a tradução de salmos e longo comentário sobre a língua e poesia hebraicas. Patrício da Silva, então bispo eleito de Castelo Branco, considera que o texto viola a ortodoxia católica. Acolhe as poesias, com exclusão de uma Canção festiva com referências injuriosas a uma nação amiga e aliada, a propósito do Congresso que conduziu a “manter a independência e a liberdade da Europa”. Deve suprimir-se inteiramente o discurso sobre a língua e poesia hebraica e alguma notas aos salmos traduzidos. Stockler não aceita modificar a obra e publica-a em Londres (Poesias lyricas, Londres, Impresso por T. C. Hansard, 1821). Seria condenada em Roma e colocada no Index a 23.06.1836. Conserva-se no Arquivo da Academia das Ciências uma carta de Patrício da Silva a José Maria Dantas Pereira, de 16 de novembro de 1827, escusando-se por não ter tempo para censurar um manuscrito de José Monteiro da Rocha.

A 13 de maio de 1818, é eleito bispo de Castelo Branco, com processo concluído a 27 de abril de 1819. Ficará, contudo, sem efeito porque, devido ao falecimento do arcebispo de Évora, é apresentado para essa Cátedra a 3 de maio de 1819 e confirmado a 21 de fevereiro de 1820. Seria sagrado bispo na Igreja da Graça a 30 de abril. Logo a 10 de maio de 1820 escreve uma notável e longa Carta Pastoral de saudação à Arquidiocese. Entre outros temas, pede abstenção da leitura de livros perniciosos e respeito pelos templos.

Em 1824, D. Patrício da Silva exerce as funções de ministro e secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, passando-lhe pelas mãos assuntos delicados, como a questão da atitude da rainha D. Carlota Joaquina, por ocasião da revolta de 30 de abril (Abrilada). D. João VI tinha-o nomeado a abordo da Nau Windsor Castle e, apesar de apadrinhar os culpados do sucesso da Abrilada, foi encarregue, juntamente com o cardeal-patriarca, de esclarecer a rainha acerca da sua obrigação de se ausentar do Reino (Corte-Real, O coliponense, p. 68).

Feito cardeal em setembro de 1824, deixa Évora, como ficou dito, para assumir o Patriarcado. Foi eleito por carta régia de 2 de janeiro de 1826. Era o primeiro patriarca que não provinha da nobreza. Este começa logo a exercer a função de vigário capitular, sem se ter desvinculado de Évora, o que merece repreensão da Secretaria de Estado. A Sé Apostólica procederia à sanação dos atos feitos por Patrício antes de ter a bula de confirmação. Por Bula Onerosa Pastoralis Officii (13-3-1826) seria confirmado pelo Papa Leão XII, que o tinha já escolhido para cardeal-presbítero, no Consistório de 27 de setembro de 1824.

Agora, mais próximo das decisões do poder, é chamado para funções claramente políticas como conselheiro de estado, nomeado por decreto de D. João VI (6.3.1826) para exercer, com a infanta D. Isabel Maria o governo do Reino, durante a doença do rei e após a sua morte, ocorrida logo a 10 de março de 1826. É também nomeado Par do Reino (30.4.1826) e toma posse a 31 de outubro. Seria ainda nomeado, por D. Pedro IV, Vice-Presidente da Câmara dos Pares.

Aquando do envio da carta Constitucional por D. Pedro, em abril de 1826, Patrício da Silva toma posição a seu favor, em Carta Pastoral de 23 de agosto. Entretanto, D. Miguel regressa a Lisboa, a 22 de fevereiro de 1828, assume a regência e nomeia executivo, alterando aos poucos o sentido do processo político, com regresso ao rei absoluto. Patrício da Silva mantém a atitude de acatamento do poder vigente e na carta Pastoral de 9 de junho de 1828, toma partido por D. Miguel (Cartas pastorais, vol. 1, pp. 418-420). Vemos a habilidade de argumentação que o cardeal-patriarca usa a favor da causa adequada ao momento. As decisões absolutistas de D. Miguel motivam sucessivas revoltas dos liberais. Apesar da crescente repressão, a reação liberal multiplica iniciativas. Os bandos de caceteiros aterrorizavam a população nas ruas. O governo miguelista começa a preparar o confronto a partir de 1830. O clero está maioritariamente colaborador com D. Miguel. O cardeal-patriarca mantém-se, para já, fiel a este soberano. Quando as tropas do Duque da Terceira se aproximam de Lisboa dá ordens ao clero regular e secular para se armar, coadjuvando as tropas de D. Miguel (Corte-Real, O Coliponense, p. 70).

Face à nova situação, o cardeal-patriarca considera Maria da Glória como legitima herdeira do trono e determina que se respeitem as leis e ordens da soberana ou do regente. Exorta todos a ultrapassarem ressentimentos e a vencerem o espírito de vingança.

O corte de relações diplomáticas entre Portugal e Santa Sé em 1833, com a expulsão do núncio, verdadeiro agente miguelista, expressava as profundas divergências entre a conceção romana, ainda teocrática, do poder e a filosofia social e política do liberalismo. A partir daqui não conhecemos tomada de posição do Patriarca perante as graves medidas governamentais. A 4 de Abril de 1838 jurou-se a Constituição, elaborada como compromisso entre a Constituição de 1822 e a Carta de 1826. A conciliação entre as partes é breve. Costa Cabral, em 1842, criaria movimento a favor da carta de 1826, mas já D. Patrício da Silva tinha morrido, com 83 anos, após breve mas intensa enfermidade, às quatro horas da manhã do dia 3 de janeiro de 1840, sendo sepultado em S. Vicente de Fora.

Na instabilidade política persistente, o cardeal Patrício da Silva demonstrou não só maleabilidade no acolhimento das diversas propostas, mas também sagacidade para encontrar argumentos para defender situações quase opostas, conservando a cátedra ao serviço de qualquer trono. Defender a liberdade da Igreja tem custos e aí sim toda a inteligência denuncia ou aponta caminhos de justiça e verdade. A subserviência de Patrício rondou o oportunismo.

D. Patrício da Silva deixou Cartas Pastorais de grande clareza doutrinal e que nos guiam no conhecimento da ação pastoral no Patriarcado. Logo a 3 de maio de 1826 exorta os fiéis a viver ainda no espírito do Jubileu de 1825 (Cartas pastorais, vol. 1, pp. 403-410). O patriarca demonstra particular atenção à disciplina litúrgica e manifesta grande atenção ao modo como os párocos explicam a doutrina do Evangelho (Cartas pastorais, vol. 1, pp. 415-417).

Perante o surto de cólera morbus em 1832 e 1833 ordena orações e ajuda das pessoas atingidas (Cartas pastorais, vol. 1, pp. 443-446; pp. 452-456). D. Patrício é vigilante na apresentação dos eclesiásticos (Cartas pastorais, vol. 1, pp. 424-425). Demonstra sentido administrativo, no que diz respeito à prestação de contas. Também a preocupação missionária conduz a vida pastoral do cardeal-patriarca, quando lança convite a 200 padres para irem exercer o seu ministério nas possessões portuguesas da África e da Ásia. Pede aos seus párocos que lhe enviem lista dos disponíveis (Provisão de 21 de janeiro de 1834).

A última intervenção pastoral de grande relevo do cardeal Patrício vai na linha da sua primeira saudação a Évora, situando-se na perspetiva doutrinal e no confronto ideológico. Pretende desarmar as novas correntes filosóficas que chegaram a Portugal e estão a pôr em causa os princípios do Evangelho e da igreja (Instrução de 28.09.1837: Cartas pastorais, vol. 1, pp. 471-485).

Cheio de vigor pastoral, com a eloquência de sempre D. Patrício prevê a proximidade da entrega final da sua vida atribulada. Foi um homem livre, estando com todos, na variedade das políticas, e atendeu igualmente às situações pastorais com generosa determinação.

“Exame e censura da obra manuscrita que à Real Academia das Ciências ofereceu o seu sócio Francisco Borja Garçaõ Stockler”, ms. (inédito),1819, in Processo académico, BACL, PT/ACL/PA/PS/1798; Carta pastoral, Lisboa, na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1820. 86 p.; Oração evangélica, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1840, 15 p.; Cartas pastorais dos patriarcas de Lisboa, vol. 1, Lisboa, Nova Terra, 2017, pp. 402-485.Processo Académico, AHA-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1798/PS; Corte-Real, João Afonso, “O coliponense Doutor Dom Frei Patrício da Silva Cardeal-Patriarca de Lisboa”, Livro do I Congresso das actividades do distrito de Leiria, Lisboa, Instituto de Alta Cultura, 1944; Azevedo, Carlos A. Moreira, “D. Frei Patrício da Silva, OSA (1826-1840)”, in Os Patriarcas de Lisboa, Lisboa, Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, Aletheia Editores, 2009, pp. 73-80; Charters-d’Azevedo, Ricardo, Doutor D. Frei Patrício da Silva, O.S.A., um cardeal leiriense, Patriarca de Lisboa (1756-1840), Leiria, Textiverso, 2009.Carlos A. Moreira de AzevedoPortuguesaSócio honorário.Sócio correspondente: 1798 Sócio honorário: 25.11.1824