Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

DHB

MiguelD.Miguel de Bragança e BourbonQueluzKarlsruhe, AlemanhaInfante e rei de Portugal. Presidente da Academia Real das Ciências de Lisboa.D. Miguel I.pngD. Miguel (1802-1866). Retrato a óleo de Johan Ender, 1827, Palácio Nacional de Queluz.

Miguel Maria do Patrocínio João Carlos Francisco de Assis Xavier de Paula Pedro de Alcântara António Gabriel Rafael Gonzaga Evaristo de Bragança e Bourbon, era filho de D. João VI e de D. Carlota Joaquina de Bourbon, reis de Portugal. Teve como irmãos mais velhos Maria Teresa, Francisco – que morreu na infância – , Maria Isabel – que foi rainha consorte de Espanha – , D. Pedro – imperador do Brasil e rei de Portugal – , Maria Francisca de Assis e Isabel Maria – regente de Portugal. Mais novas foram Maria da Assunção e Ana de Jesus Maria. Depois de breves anos passados em Portugal, D. Miguel viveu com a restante família no Brasil (1808-1821). Nesta fase, foi feito, em 1 de outubro de 1812, presidente da Academia Real das Ciências de Lisboa. Na sessão pública de 1822, o vice-presidente, marquês de Borba, leu o seu discurso de abertura e na de 1823, foi o próprio D. Miguel que o fez.

A sua educação, aliás, como a dos vários irmãos, terá sido pouco cuidada. O regresso da família a Portugal, precipitado pela revolução liberal triunfante de 1820, ocorreu em julho de 1821. Rapidamente foi visível o mal estar entre as novas autoridades lusas e os adeptos da velha ordem, agrupados em torno de D. Calota Joaquina, que se recusou a jurar a Constituição de 1822. Em maio de 1823, D. Miguel achou-se ligado ao pronunciamento da Vilafrancada que, provavelmente, foi a conjugação de dois movimentos simultâneos, o do infante e o do próprio D. João VI, que significou o fim do triénio liberal vintista. D. Miguel foi nomeado comandante-em-chefe do exército e passou a ser visto como o símbolo da contrarrevolução. Em abril de 1824, tentou novo pronunciamento, a Abrilada. Estaria em causa o afastamento de alguns ministros liberais de quem D. João VI se rodeava ou o do próprio rei? Recearia D. Miguel pela sua vida e pela do pai? Este, contudo, com o apoio dos embaixadores da Inglaterra e da França, demitiu o filho do seu cargo e autorizou-o a fazer uma viagem pela Europa. D. Miguel viveu em Paris cerca de quatro meses e em outubro de 1824, mudou-se para Viena, onde completou a instrução e aprimorou as maneiras. D. João VI morreu em 10 de março de 1826. O documento então surgido, em que o rei nomeava regente uma das suas filhas, D. Isabel Maria, que deveria assegurar o poder até à chegada a Portugal do legítimo herdeiro, pode ser autêntico ou tratar-se de uma falsificação, feita dias depois da morte do rei, destinada a evitar que D. Carlota Joaquina reivindicasse a regência. D. Isabel Maria reconheceu como novo rei de Portugal o irmão mais velho, com o nome de D. Pedro IV. Este, recorde-se, aceitara, em setembro de 1822, ser imperador do Brasil, situação que Portugal só reconheceu em agosto de 1825. O novo monarca confirmou a regência da irmã (26 de abril), outorgou aos seus súbditos lusos uma Carta Constitucional (28 de abril) e abdicou da Coroa numa das suas filhas, então com sete anos de idade, que se tornou rainha com o nome de D. Maria II (2 de maio). Esta deveria desposar D. Miguel, que asseguraria a regência durante a menoridade da soberana. Houve quem, entretanto, considerasse que, ao aceitar ser imperador do Brasil, D. Pedro atraiçoara ao mesmo tempo Portugal e D. João VI, ou seja, perdera os seus direitos ao trono, não os podendo transmitir. O rei deveria, assim, ser D. Miguel e não causa estranheza que se tenham registado levantamentos militares e populares a seu favor, alguns com o apoio de Espanha. D. Isabel Maria viu-se mesmo obrigada a pedir auxílio militar a Inglaterra. Nos bastidores, D. Carlota Joaquina e duas das suas outras filhas, D. Maria Teresa e D. Maria Francisca de Assis, conspiravam a favor de D. Miguel. Este, ainda em Viena, jurou, em outubro, a Carta Constitucional e no final do mês celebraram-se os seus esponsais com D. Maria II. Em 3 de julho de 1827, D. Pedro nomeou-o seu lugar-tenente em Portugal. Em 22 de fevereiro de 1828, o infante desembarcou em Lisboa e quatro dias depois jurou fidelidade à Carta Constitucional, recebendo a regência das mãos de D. Isabel Maria. Em 13 de março, dissolveu a Câmara dos Deputados, sem marcar novas eleições. Em 25 de abril, foi-lhe solicitada pelo Senado da Câmara de Lisboa que se fizesse aclamar rei, seguindo-se um pedido no mesmo sentido endereçado por 84 aristocratas. Em 3 de maio, convocou os Três Estados do Reino, o que não acontecia em Portugal desde 1697. Esta assembleia cujos membros foram cuidadosamente escolhidos, proclamou-o rei, jurando-o em 7 de julho, com o nome de D. Miguel I. A pouco tempo de completar 26 anos, cingia uma Coroa que à partida não lhe estava destinada. A Carta Constitucional foi suspensa e as revoltas liberais não se fizeram esperar, seguindo-se perseguições e exílios.

O novo rei – um homem bastante devoto, apreciador de touradas, de caçadas e de fados e, ao que tudo indica, impaciente, impulsivo e dado a não desistir facilmente dos seus intentos – teve inequívoco apoio popular, sobretudo rural, sem esquecer o da maior parte da nobreza e do clero, maioritariamente o regular, assim como franjas do exército e da magistratura. Teve do seu lado homens da craveira intelectual do 2.º visconde de Santarém, de José Acúrcio das Neves e de José Agostinho de Macedo, sem esquecer o seu verdadeiro braço direito, o 6.º duque de Cadaval. Em termos externos foi reconhecido pela Espanha, pela Santa Sé e pelos Estados Unidos da América, mas não pelas grandes potências europeias (Inglaterra, Áustria e França), para quem D. Maria II era a legítima titular da Coroa portuguesa.

Em 15 de junho de 1829, D. Pedro I criou, em Angra, na ilha Terceira, nos Açores – a única parte do território português que não reconhecera D. Miguel I – um conselho de regência, dando existência legal a um governo provisório que representava a realeza de D. Maria II. Tendo abdicado, em 7 de abril de 1831, da coroa do Brasil no seu único filho varão, que então se tornou imperador com o nome de D. Pedro II, rumou à Europa com D. Maria II, parecendo decidido a solucionar pela via diplomática a questão portuguesa e chegando a ponderar recuperar para si próprio a Coroa a que renunciara em 1826. Pressionado por emigrados lusos e animado por ter conseguido obter, em setembro de 1831, um empréstimo em Londres para custear uma operação militar, o agora intitulado duque de Bragança assinou, em fevereiro de 1832, um manifesto em favor dos direitos de D. Maria II. Em julho seguinte, desembarcou à frente de um exército na Praia dos Ladrões, hoje Praia da Memória, no lugar de Arnosa de Pampelido (Perafita) – e não na do Mindelo, como erroneamente é costume referir-se – conquistando de seguida o Porto, cidade a que D. Miguel I pôs cerco. Assim começou a guerra civil. Em 24 de julho de 1833, Lisboa caiu nas mãos dos partidários de D. Maria II, comandados pelo duque da Terceira, que algumas semanas antes havia desembarcado no Algarve. A rainha e seu pai instalaram-se então na capital. Em 22 de abril de 1834, Inglaterra, França, Espanha e Portugal assinaram a Quádrupla Aliança, comprometendo-se a lutar pelos tronos de D. Maria II e de Isabel II, a nova rainha de Espanha, que também se achava a braços com sérios problemas internos. Somando derrotas militares (Almoster, fevereiro de 1834, e Asseiceira, maio do mesmo ano), D. Miguel I rendeu-se incondicionalmente a D. Pedro em 26 de maio. Nesse mesmo dia, a Convenção de Évora Monte garantiu uma amnistia geral aos partidários do rei deposto, que foi autorizado a sair de Portugal, sendo-lhe atribuída uma pensão. Nesse contexto, perdeu a presidência da Academia Real das Ciências de Lisboa, já que um decreto de 18 de março o privara de todas as honras, prerrogativas e privilégios inerentes à condição de infante de Portugal.

Em junho lavrou, em Génova, primeira etapa do seu exílio, um protesto contra a Convenção de Évora Monte e perdeu o direito à pensão, tendo sobrevivido a partir daqui com ajudas diversas, nomeadamente dos seus partidários portugueses. Nunca deixou de reivindicar direitos ao trono luso e é possível que algumas vezes tenha entrado no país, apesar de tal lhe estar vedado por determinação de 19 dezembro de 1834. Depois de uma curta estada de poucos meses em Génova, viveu em Roma (1834-1847) e em Londres (1847-1851). Em 24 de setembro de 1851 desposou uma aristocrata germânica cerca de 30 anos mais nova, Adelaide, irmã de Carlos, príncipe soberano de Löwenstein-Wertheim-Rosenberg. Instalaram-se em Kleinheubach (Baviera) e, anos volvidos, em Bronnbach (grão-ducado de Baden). O casal teve sete filhos, Maria das Neves, Miguel – que herdou os direitos dinásticos do pai, sendo conhecido entre os seus partidários como D. Miguel II – , Maria Teresa, Maria José, Aldegundes, Maria Ana e Maria Antónia.

O rei deposto morreu aos 64 anos, em 14 de novembro de 1866, num pavilhão de caça de seu cunhado Carlos, perto de Karlsruhe, tendo sido sepultado no Convento dos Franciscanos de Engelberg, em Großheubach (Baviera). Durante o Estado Novo, foi revogada a determinação que impedia a entrada em Portugal dos seus descendentes (1950) e, graças sobretudo ao empenho de uma sua neta, a infanta D. Filipa, os seus restos mortais, assim como os de D. Adelaide, foram trazidos para Portugal, sendo depositados no panteão da casa de Bragança, na igreja de São Vicente de Fora (1967). Dos sete filhos de D. Miguel I, nascidos, criados e mortos fora de Portugal, descendem três atuais soberanos reinantes, o rei dos belgas, o príncipe do Liechenstein e o grão duque do Luxemburgo, assim como os pretendentes aos tronos desaparecidos da Áustria, da Baviera, da Itália e de Portugal e muitos elementos de várias famílias da grande aristocracia europeia.

Processo académico, AH-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1812-10-01/DMI; Beirão, Caetano, El-Rei Dom Miguel I e a sua descendência, Lisboa, Portugália, 1943; Pedreira, Jorge, Costa, Fernando Dores, D. João VI, o Clemente, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006; Lousada, Maria Alexandre, Ferreira, Maria de Fátima Sá e Melo, D. Miguel, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006; Braga, Paulo Drumond, D. Filipa de Bragança. Lutar pela restauração da monarquia no Portugal de Salazar, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2019; Braga, Paulo Drumond, D. Maria II. Uma mulher entre a família e a política / D. Maria II. A woman between family and politics, Lisboa, Clube do Colecionador do Correio, 2019; Lousada, Maria Alexandre, “1823. D. Miguel e o miguelismo”, História Global de Portugal, direção de Carlos Fiolhais, José Eduardo Franco e José Pedro Paiva, Lisboa, Circulo de Leitores, 2020, pp. 511-517.Paulo Drumond BragaPortuguesaPresidente da Academia.