Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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PaivaManuel Joaquim Henriques deCastelo BrancoSão Salvador, BrasilMédico, divulgador da ciência, químico e professor. Sócio supranumerário.1.Paiva_ManoelJoaquimHenriquesde.pngManuel Joaquim Henriques de Paiva (1752-1829). Gravura da autoria de Joaquim Carneiro da Silva, 1790. Biblioteca Nacional de Portugal.A2-Ass--Manuel-Joaquim-Henriques-de-Paiva.png

Manoel Joaquim nasceu no seio de uma família de cristãos-novos com tradição no exercício de profissões relacionadas com a saúde pública. Filho do boticário António Ribeiro de Paiva e de Isabel Aires Henriques, era sobrinho do famoso médico António Nunes Ribeiro Sanches, pelo lado paterno, e do boticário João Henriques de Paiva, pelo lado materno.

Em 1763, o irmão, José Henriques Ferreira, foi para o Brasil como médico do 2º marquês do Lavradio, Luís de Almada Portugal, então nomeado governador da Baía. Seis anos mais tarde, o marquês foi designado vice-rei do Estado do Brasil e foi residir para o Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano de 1769, a família Paiva embarcou para o Brasil e, no ano seguinte, o jovem Manoel Joaquim obteve a carta de boticário no Rio de Janeiro. Ao aproximarem-se os vinte anos, a família e o marquês, seu protetor, manifestaram o desejo de ele vir frequentar uma universidade europeia. Acabaram por optar pela Universidade de Coimbra para se formar em medicina. Chegou a Coimbra em setembro de 1772, uma data memorável para a universidade, para a ciência portuguesa e para a química: a 29 desse mês, o marquês de Pombal entregava à Universidade os novos Estatutos perante o claustro pleno reunido em sessão solene, enquanto, por esta altura, Lavoisier realizava em Paris o estudo da combustão do fósforo, dando início à revolução da química. Inscreveu-se na recém-criada Faculdade de Filosofia para se instruir em física e matemática como exigiam os Estatutos para depois poder ser admitido à matrícula em medicina. Obteve o grau de bacharel em filosofia, em 19.6.1775, e fez ato de formatura em medicina, em 14.7.1781.

Iniciou funções docentes quando era aluno do segundo ano, ao ser proposto pela congregação da Faculdade de Filosofia para exercer as funções de operário químico, que cumpriu com competência e zelo. O que lhe vinha sendo pago era uma quantia muito inferior ao que lhe fora prometido. Desgostoso pela falta de consideração pelo seu trabalho, em 1777 expôs a situação à rainha — requerimento que fez acompanhar por uma informação do reitor sobre os seus méritos, tendo-lhe sido atribuído por esta um ordenado aproximado ao dos escalões mais baixos do professorado. Mesmo depois desta decisão, o ordenado era-lhe pago com atraso. Infelizmente, o Laboratório Químico dessa altura manifestava pouco interesse em cativar os bons estudantes.

Comunicativo, de obediência maçónica, ainda estudante de medicina reunia em casa ao serão um grupo de colegas para falarem sobre ciência, liberdade, política social, discutirem obras literárias proibidas e apresentarem trabalhos da sua autoria. A sociedade era conhecida no bairro onde residia por Sociedade de Celas e eles chamavam-lhe Sociedade dos Mancebos Patriotas. Solicitaram à Faculdade de Filosofia o patrocínio para a sociedade, que lhe foi negado na reunião do conselho de 4 de março de 1766: “nega a approvação de uma dissertação sobre a utilidade da chimica, feita por uma sociedade literária”. Não desistem do projeto e pensam submeter os estatutos ao príncipe regente, mas, entretanto, a Inquisição de Coimbra instaurou um processo sumário a Henriques de Paiva — “hum dos maiores libertinos de que presentemente se trata”. O Santo Ofício de Lisboa não deu andamento ao processo por não ter “o costumado credito” por “descuido dos mesmos secretários da Inquisição de Coimbra”. Para a Inquisição, uma denúncia grave era o grupo de “confrades” comer presunto na quaresma. Os confrades que não conseguiram fugir foram obrigados a comparecer no auto de fé de 26.8.1781 na igreja de Santa Cruz.

Deixou Coimbra definitivamente e foi exercer medicina para Lisboa, tornando-se a sua vida numa catadupa de sucessos que o conduziram aos píncaros da fama: como médico, divulgador da ciência ou no desempenho de cargos públicos. Acreditava que a ciência era o meio de retirar o homem do atraso para o mundo da ciência, qual evangelizador que pauta toda a sua atividade pela construção de uma visão holística do novo mundo. Era imperioso acabar com os grupos de curandeiros e charlatães iletrados e com as mezinhas populares, que tantos danos causavam aos pacientes das classes sociais mais desfavorecidas, e introduzir remédios de eficácia cientificamente comprovada.

Na época, a divulgação da ciência era o caminho do progresso e indicá-lo e percorrê-lo eram deveres dos ilustrados. A saída de Coimbra, retirou-lhe o contato com juventude universitária que é, sem dúvida, um dos mais poderosos meios de divulgação científica e procurou colmatar esta falta pondo, na Gazeta de Lisboa, um anúncio de um curso ministrado por ele cuja organização inclui nessa mesma notícia.

Em Lisboa, além do exercício da medicina, publicou com prodigioso afã obras de divulgação científica originais, particularmente sobre medicina, farmácia, agricultura, traduções de autores de primeiro plano mundial e diversos pareceres relacionados com os cargos que exercia cumulativamente. A sua primeira publicação — Elementos de Chimica e Farmácia — é o primeiro livro de química escrito em português, mas não passa praticamente de uma cópia do compêndio de ensino Fundamenta Chemiae de G. A. Scopoli, que ele tanto admirava. A fama da sua intensa atividade de divulgador de ciência e o sucesso da sua prática clínica fizeram com que fosse convidado para ocupar prestigiados cargos públicos e para que lhe fossem atribuídas diversas honrarias e distinções no relativamente curto intervalo de tempo de 1780 a 1807: sócio da Academia Real das Sciências, fidalgo da Casa Real, médico da Real Câmara e da Real Guarda, cavaleiro da Ordem de Cristo, deputado da Real Junta do Protomedicato, e censor régio da Mesa do Desembargo do Paço são algumas delas.

Foi eleito sócio correspondente da Academia Real das Ciências em 12.05.1780 e foi promovido a sócio supranumerário em 1787. Descontente por se sentir desconsiderado pela instituição, retirou-se de sócio neste mesmo ano. Foi um dos vencedores do concurso científico lançado pela Academia em 23 de julho de 1783, apresentando o trabalho com quarenta e sete páginas, “Memorias chimico-agronomicas sobre quaes são os meios mais convenientes de supprir a falta de estrumes animaes…”, publicada pela Academia como memória de agricultura premiada. Leu na Academia várias memórias de história natural, de química, de agricultura, artes e medicina.

Foi sócio da Academia das Ciências de Estocolmo, da Academia da Medicina de Madrid, da Sociedade Económica de Haarlem e da Academia das Ciências de Upsala — para esta última, proposto por Karl von Linnée.

Em 1794, regressou ao ensino, abandonou a teoria do flogisto e aderiu à química do oxigénio. Pina Manique instituiu em Lisboa um curso de química e farmácia cuja regência lhe foi entregue — mais tarde, substituída por outra de igual nome, pertencendo ao laboratório químico da Casa da Moeda. Quando este laboratório ficou sob a supervisão da Faculdade de Filosofia de Coimbra, Henriques de Paiva foi lente de farmácia: 7º lente de 1804-1808; e 6º lente de 1818-1822.

Acusado de jacobinismo e de apoiar os invasores franceses, foi preso em 16.12.1808 pela Junta da Inconfidência e encarcerado na cadeia da Corte. Julgado, foi condenado a dez anos de degredo em Moçambique e à perda de todos os seus cargos e honrarias. O navio que o transportava aportou na Baía em 6.6.1810 e o condenado foi levado para o forte do Barbalho. Adoeceu e ficou ao cuidado dos médicos do hospital militar e lá foi urdido um plano de comutação do local do cumprimento da pena, que passou a ser a Baía. Afinal, a sua estrelinha da sorte — o amor à ciência — brilhou novamente. Em 1816, com a entronização de D. João VI, foram-lhe restituídas todos os cargos e honras que lhe haviam sido retirados. Por carta régia de 29 de novembro de 1819, o capitão geral da capitania da Baía autorizou-o a criar uma cadeira de Farmácia à qual seriam admitidos os alunos do Curso Médico-Cirúrgico da Academia Médico-Cirurgica da Baía. Em 1824, esta cadeira foi integrada nas matérias de medicina e farmácia deste curso. Naturalizado cidadão brasileiro em 1820, tomou posse da cadeira em 28 de maio de 1824 e continuou a sua edificante carreira intelectual e profissional até ao fim da vida.

Elementos de Chimica, e Farmacia, Tomo I, Lisboa, Impressão da Academia das Sciencias, 1783; Pharmacopea Lisbonense, ou collecção dos simplices, preparações, e composições mais eficazes e de maior uso, Lisboa, Officina de Filipe da Silva Azevedo,1785; Aviso ao povo acerca de sua saúde [por Monsieur Tissot] - tradução para o português e acrescentado com notas, ilustrações e um tratado das enfermidades mais frequentes, Lisboa, Officina de Filipe da Silva Azevedo, 1786; Aviso ao povo sobre as asphyxias ou mortes aparentes e sobre os socorros ..., Lisboa, Officina de Filipe da Silva Azevedo, 1786; Aviso ao povo, ou Summario de signaes e symptomas das pessoas envenenadas ..., Lisboa, Officina Morazziana, 1787; “Memoria Quimico-Agronomica ...”, Memórias de Agricultura premiadas, tomo I, Lisboa, Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1788 pp. 103 - 152; Memorias de historia natural, de química, de agricultura, artes e medicina, lidas na Academia Real das Sciencias de Lisboa, Lisboa, Typografia Nunesiana, 1790; Preservativo das bexigas e de seus terríveis estragos ou historia da origem e descobrimento da vacina, dos seus efeitos ou synthomas, e do methodo de fazer a vacinação, Lisboa, Officina Patriarcal de João Procopio Correa da Silva, 1801; Philosofia Chimica ou verdades fundamentaes da chimica moderna, dispostas em ordem por Antoine-François Fourcroy, tiradas do francez em linguagem e acrescentadas de notas e de axiomas apanhados dos últimos descobrimentos, Lisboa, Officina Patriarcal de João Procopio Correa da Silva, 1801; Memoria sobre a excellencia, virtudes, e uso medicinal da verdadeira agua de Inglaterra de invenção de Jacob de Castro Sarmento actualmente preparada na sua real fabrica, Bahia, Bahia: Typographia de Manuel Antonio da Silva Serva, 1815. Processo Académico, AH-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1780-05-12/MJHP; ALMEIDA, A. Gomes de, A Introdução da teoria de Lavoisier em Portugal, separata da Revista de Chimica Pura e Aplicada (III série, II ano, 1925), Porto, Typographia a vapor da “Enciclopédia Portuguesa” L.ª, 1926; FILGUEIRAS, Carlos A. L., “As vicissitudes da ciência periférica: a vida e a obra de Manoel Joaquim Henriques de Paiva”, Química Nova, vol. 14, n.º 2, 1991, p. 133-140; FILGUEIRAS, Carlos A. L., “The mishaps of peripheral science: the life and work of Manoel Joaquim Henriques de Paiva, luso-brazilian chemist and physician of the late Eighteenth Century”, Ambix, vol. 2, n.º 39, 1992, p. 75-90; RODRIGUES, Manuel Augusto (coord.), Memória Professorum Universitatis Conimbrigensis 1772-1937, vol. II, Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, 1992, p. 285; PITA, J. Rui, “Manuel Joaquim Henriques de Paiva: um brasileiro divulgador da ciência. O caso particular da vacina contra a varíola”, Mneme - Revista de Humanidades, 10 (26), 2009, p. 91-102; PERUCHI, Amanda, “Da bexiga à vacina: a obra pedagógica de Manoel Joaquim Henriques de Paiva”, Kronos, Revista de Historia da Ciência, Centro Interunidades da História da Ciência - USP, n.º 12, dez. 2021, p. 106-135; REDINHA, J. Simões, A Química: o primeiro século na universidade de Coimbra e o progresso desta ciência, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020, pp. 81-126; PAIVA, Manuel Joaquim Henriques de, Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930), disponível em https://tinyurl.com/4nh5jkpj (14.10.2023).José Simões RedinhaPortuguesaSócio supranumerário: 1787.Sócio correspondente: 22.5.1780; sócio supranumerário: 1787. Omitido de Académico: 10.10.1787.