Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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GamaManuel Jacinto Nogueira daMarquês de BaependiSão João d'El-Rei, BrasilRio de Janeiro, BrasilProfessor de Matemática da Academia Real da Marinha, escrivão da Mesa do Real Erário, senador, secretário de estado da Fazenda e presidente do Tesouro Público do Brasil. Sócio correspondente.A2.-Marques-de-Baependi.pngManuel Jacinto Nogueira da Gama (1765-1847). Litografia de Sebastien Auguste Sisson, 1858, Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.A2.-Ass--Manuel-Jacinto-Nogueira-da-Gama.png

Filho de Nicolau António Nogueira e de Ana Joaquina de Almeida e Gama, Manuel Jacinto deixou a sua terra natal brasileira para cursar matemática e filosofia natural na Universidade de Coimbra, concluindo a sua formação em 1790. Iniciou funções públicas em 1791, como lente substituto de matemática da Academia Real da Marinha de Lisboa; e terá sido certamente nesse estatuto que conheceu D. Rodrigo de Sousa Coutinho quando este assumiu o cargo de ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos em 1796. A ligação pessoal que manteve com este estadista ilustrado, bem documentada nas referências abonatórias que dele fez D. Gabriela Sousa Coutinho, mulher de D. Rodrigo, na sua correspondência privada, revelar-se-ia crucial para o desenvolvimento da sua carreira pública. O ingresso de Nogueira da Gama na Sociedade Marítima, Militar e Geográfica, instituição concebida e controlada pela visão estratégica de Sousa Coutinho, foi complemento natural dessa convergência de pontos de vista. Além das atividades de ensino de matemática, que manteve até 1801, prosseguiu carreira militar ao serviço da marinha.

Em 1798, publicou uma pequena Memória sobre a caneleira de Ceilão, destinada a acompanhar remessa de exemplares de tal planta para o Brasil. Esta ação editorial também se insere no projeto imperial de Sousa Coutinho e no programa de envolvimento de naturalistas e cientistas brasileiros na reconfiguração económica e política do império. As traduções que preparou para a Casa Literária do Arco do Cego e outras casas impressoras com ela relacionadas, entre 1798 e 1800, são reveladoras do seu interesse e conhecimento nos domínios da matemática teórica e aplicada, designadamente sobre cálculo diferencial (tradução de Lagrange), cálculo infinitesimal (tradução de Carnot) e engenharia hidráulica (tradução de obras de Fabre, Belidor e Bossut).

É digno de destaque o modo como no “discurso do tradutor” que antecede o texto das Reflexões sobre a Metafísica do Cálculo Infinitesimal, Nogueira da Gama discorre sobre a importância das traduções no vulgar de cada língua, contrariando a antiga prática de edição em língua latina, que permitiam a abertura “das portas das ciências a todos os indivíduos”, “com vantagem para os livres progressos do espírito humano” (p. v). Depois de 1801, exerceu funções esporádicas como assistente no laboratório da Casa da Moeda e na nitreira de Braço de Prata, testemunhando os resultados dos seus conhecimentos e experiência profissional numa memória sobre a importância estratégica das nitreiras.

No seu conjunto, estas incursões no domínio da tradução e divulgação de obras científicas, fariam antever uma promissora atividade na Academia das Ciências de Lisboa. Porém, quando ocorre a sua eleição como sócio correspondente, em 22 de maio de 1805, Nogueira da Gama já estava definitivamente radicado no Brasil (desde março de 1804), ficando dispensado das funções para que havia sido anteriormente nomeado (inspetor geral das nitreiras e da fábrica de pólvora e secretário do Governo da Capitania de Minas Gerais) e fixando-se no cargo de escrivão da Junta Real da Fazenda em Minas Gerais. Com a instalação da corte no Rio de Janeiro em 1808, Manuel Jacinto Nogueira da Gama foi investido nas funções de escrivão da Mesa do Real Erário, beneficiando uma vez mais da proximidade política com D. Rodrigo de Sousa Coutinho, figura-chave do gabinete do Príncipe Regente D. João.

Foi nesse período que Nogueira da Gama elaborou um documento em que procede a uma Exposição do estado atual das rendas e despesas públicas do Real Erário do Rio de Janeiro, destinado a encontrar uma solução para os pagamentos em atraso aos funcionários da administração pública no Brasil, uma vez que existia um desfasamento temporal entre a realização de pagamentos e a arrecadação de receitas. Tal solução passaria por uma participação ativa do Banco de Brasil no financiamento antecipado da despesa, evitando a emissão de papel-moeda, reencontrando-se Nogueira da Gama com o tipo de propostas da predileção do seu mentor Sousa Coutinho. Apesar de ter tido circulação restrita, a Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa conserva um exemplar manuscrito deste texto, testemunhando a ligação do autor, ainda que ténue, com a instituição que o acolheu como sócio correspondente.

Após a independência do Brasil em setembro de 1822, Manuel Jacinto viria a ocupar importantes funções como deputado à Assembleia Constituinte, Conselheiro de Estado e, por diversas vezes, como secretário de estado Fazenda e presidente do Tesouro Público, no 1º e 2º impérios. Foi uma sombra tutelar na organização financeira do Estado brasileiro, culminando uma carreira inesperada para quem se iniciou na vida pública como professor e tradutor de obras de matemática.

Memória sobre o loureiro cinamomo vulgo caneleira de Ceilão, para acompanhar a remessa das plantas, que pelas reais ordens vão ser transportadas ao Brasil, Lisboa, Oficina Patriarcal, 1797; Memória sobre a absoluta necessidade, que há de nitreiras nacionais para a independência e defesa dos Estados, com descrição da origem, actual estado, e vantagens da Real nitreira artificial de Braço de Prata, lida na Secção pública da Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica de 19 de Janeiro de 1802, Lisboa, Impressão Regia, 1803; Carnot, Lazare Nicolas, Reflexões sobre a metafísica do cálculo infinitesimal, publicadas em Paris no ano de 1797 (tradução), Lisboa, Off. de João Procopio Correa da Silva, 1798; Lagrange, Joseph-Louis, Teórica das funções analíticas, que contém os princípios do cálculo diferencial, (tradução), Lisboa, Off. de João Procopio Correa da Silva, 1798; Fabre, Jean-Antoine, Belidor, M., e Bossut, Charles, Ensaio sobre a teoria das torrentes, e rios: que contém os meios mais simples de obstar aos seus encargos, de estreitar o seu leito, e facilitar a sua navegação, sirga e navegação (…) (tradução), Lisboa, Off. de João Procopio Correa da Silva, 1800; Exposição do estado actual das rendas e despesas públicas do Real Erário do Rio de Janeiro, e do método, que se deve seguir para que todos os pagamentos se possam fazer em moeda corrente nos precisos dias dos seus vencimentos (1812), in Rocha, Justiniano José da, Biografia de Manuel Jacinto Nogueira da Gama, Rio de Janeiro, Typographia Universal de Laemmert, 1851; Plano para o efetivo melhoramento das finanças portuguesas no Rio de Janeiro 1812, BACL, Série Azul, ms. 648, nº 34.Processo académico, AH-ACl, PT/ACL/ACL/C/001/1805-05-22/MJNG; Cardoso, José Luís, “Novos elementos para a história do Banco do Brasil (1808-1829): crónica de um fracasso anunciado”, Revista Brasileira de História, 2010, V. 30, nº 59, 167-192; Cunha, Alexandre Mendes, Minas Gerais, da capitania à província: elites políticas e a administração da fazenda em um espaço em transformação (dissertação mimeo), Niterói, Universidade Federal Fluminense, 2007, 275-289; Rocha, Justiniano José da, Biografia de Manuel Jacinto Nogueira da Gama, Rio de Janeiro, Typographia de Laemmert, 1851.José Luís CardosoBrasileiraSócio correspondente.