Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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BezerraManuel Gomes de LimaSanta Marinha de Arcozelo, Ponte de LimaMédico, historiador e economista. Sócio correspondente.A2.-ASS-Mauel-Lima-Bezerra.png

Natural de Santa Marinha de Arcozelo (Ponte de Lima) filho de João Gomes de Lima e Rosa da Silva Bezerra. Aprendeu Latim, Gramática e Filosofia com o Padre Simão de Magalhães na terra natal. Iniciou os estudos de cirurgia em Viana do Castelo tendo como mestres Manuel de Amorim Dantas e José Custódio e Costa que prosseguiu no Porto, no Hospital Inglês, a partir de 1743, com Werton e Nichols onde começou a exercer a profissão. Depois de uma curta passagem, ao que parece, pelo Hospital de Todos-os-Santos, em Lisboa, foi nomeado delegado do Cirurgião Mor do Reino, no Porto. Dinamizou, ainda muito jovem, a criação da Real Academia Cirúrgica Prototypo –Lusitanica Portuense que, todavia, não vingou. Mas logo em 1749 organizou, com João de Carvalho Salazar, a Academia Médico-Portopolitana sob a proteção do Arcebispo de Braga, D. José de Bragança, irmão de D. João V, que veio a falecer em 1756 inviabilizando, uma vez mais, o projeto académico que só logrará efetiva concretização, em 1759, sob a designação de Real Academia de Cirurgia Portuense. Em 1749 contava-se entre os colegiais do Real Colégio de S. Fernando de Madrid.

Embora haja significativa troca de correspondência fica em aberto a sua participação presencial na Sociedade Real das Ciências de Sevilha. Em 1764 matriculou-se na Universidade de Coimbra. Recebeu o grau de bacharel em 1765 e concluiu a formatura em 1767. Regressou, definitivamente, ao Porto continuando as funções de Cirurgião da Saúde para que fora nomeado em Julho de 1763, atividade que só abandona, em 1778. Neste cargo devia zelar pelo cumprimento da higiene pública e pela qualidade dos alimentos vendidos e exercer vigilância portuária no que respeita a eventuais surtos epidémicos.

Em 1780 foi eleito sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa o que agradeceu por carta onde expende algumas considerações sobre o papel das Academias. Por essa altura era sócio honorário da Sociedade Económica de Ponte de Lima a qual enviou à Academia das Ciências uma memória cuja autoria seria depois atribuída, por Moses B. Amzalak (1892-1978), a Lima Bezerra, Memória pela qual se dá conta à Academia das Ciências de Lisboa das Tranzações da Sociedade Económica da Vª de Ponte de Lima no ano de 1780, primeiro e depois da sua instituição. Em 1790 foi nomeado médico da Casa da Relação do Porto. Pela mesma altura foi secretário da Junta da Administração das Vinhas do Alto Douro. Adquiriu, entretanto, a Quinta do Outeiro, em Fornelos, perto de Ponte de Lima onde passava muito do seu tempo, mas sem abandonar a atividade profissional e o relacionamento social no Porto. Na casa limiana escreve uma continuação dos Estrangeiros no Lima que esperava viesse a ser constituído por 12 volumes. Exerceu clínica até 1797.

Lima Bezerra foi, essencialmente, um autodidata. Teve larga atividade no campo médico-cirúrgico no Porto e publicou obras renovadoras no âmbito da sua especialidade e também da história da ciência. O entusiasmo que demonstrou para que os saberes cirúrgicos e médicos se pautassem por métodos mais modernos correspondia ao que se estava a desenvolver na Europa, afim de igual dinamismo protagonizado em Portugal por João Mendes Saqueti Barbosa (1714-1774), médico que viria a ter um papel determinante na reforma dos estudos médicos pombalinos.

Lima Bezerra elogiou Luís António Vernei (1711-1792) e Frei Benito Jerónimo Feijoo (1676-1764) manifestando um claro alinhamento reformista ilustrado e apreciou a crítica voltairiana embora fosse, declaradamente, anti filosofista. Considerando-se newtoniano, divulgou Hermann Boerhaave (1668-1738) e Gerard Van Swieten (1700-1772). Exaltou as reformas pombalinas tendo dedicado uma Oração ao conde de Oeiras proferida em 1765. Ao longo da sua vida profissional participou em várias polémicas que foram objeto de inúmeras publicações. Na sua obra, em dois volumes, em forma de diálogo, Os Estrangeiros no Lima (1785 e 1791), que foi objeto de alguns reparos e supressão da censura em aspetos de natureza económica, deu corpo a uma miscelânea de história civil e eclesiástica, de geografia, agricultura, comércio, artes, ciências e genealogia. Nesta obra o autor reuniu em animado colóquio diferentes personagens, de algum modo heterónimos do cirurgião ponte-limense. No entrecho do convívio que se passa na Ribeira Lima emergem entre matéria vária, considerações de carácter económico que estão especialmente concentradas no Dialogo II do primeiro volume intitulado Generalidades do Comércio. Da discussão colhe-se uma significativa informação mercantilista pondo frente a frente, de um modo paradigmático, um “francês”, “um italiano”, um “inglês” e um “espanhol” moderados por um conviva de nome Lami (obvio anagrama do autor). Através do confronto do “comerciante inglês Clarke” com o “genealogista espanhol D. Hugo” assiste-se à valorização nobilitante do comércio, propiciador de estatuto social qualificado versus prosápia nobiliárquica improdutiva personificada no conviva espanhol. Os temas e os problemas mercantilistas da população, a apologia do trabalho como fonte e valor de riqueza, a crítica à ociosidade e a denúncia do luxo são notas caracterizadoras da abordagem empreendida onde se denota a leitura da Noblesse Commercante do Abade Coyer (1707-1782).

A obra de Gomes Bezerra é contemporânea da publicação das Memórias Económicas da Academia das Ciências não tendo o autor colaborado nelas. Cumpre notar que o académico além do comércio valorizou, por igual, a agricultura considerando-a uma das colunas da República. Sublinhou, também, a importância da indústria na transformação das matérias-primas. Não obstante as persistências mercantilistas muitas dos temas e preocupações relativos ao levantamento de recursos, ao equilíbrio do sector agrícola, comercial e industrial e especialmente o teor de entusiasmo agrarista a que não é estranha a criação da Sociedade dos Bons Compatriotas Amigos do Bem Público (mais conhecida por Sociedade Económica de Ponte de Lima), para que o médico foi convidado, aproximam o autor de interesses comuns de natureza económica, na época, em Portugal ao mesmo tempo que demonstram um significativo conhecimento da literatura especializada disponível sobre a matéria abordada.

Faleceu em 6 de Março de 1806 tendo sido sepultado na capela de Nossa Senhora da Luz junto á casa onde nasceu.

Receituário Lusitano Químico Farmacêutico, Medico cirúrgico. Formulário de ensinar a receitar em todas as enfermidades que assaltam o corpo humano, Porto, na Oficina Prototypa Episcopal,1749; Zodíaco Lusitano Délfico/Anatómico. Botânico, Cirúrgico, Químico, Dendrológico, Ictiológico, Litológico, Meteorológico, Ótico, Ornitológico, farmacêutico e Zoológico, Obra da Academia dos Escondidos, Porto, 1749; Reflexões críticas sobre os escritores cirúrgicos em Portugal, Salamanca, En la Oficina de Eugenio Garcia Honorato y S. / Miguel Impressor de la Universidad,1752; O praticante do hospital convencido ou diálogo cirúrgico sobre a inflamação fundado nas doutrinas do incomparável Boerhave, e adornado de algumas Observações Cirúrgicas, Porto, na Oficina Episcopal do Capitão Manuel Pedroso Coimbra, 1756; Memórias cronológicas e críticas para história da cirurgia moderna ou notícia dos principais progressos, revoluções e descobrimentos, seitas privilégios academias, obras impressas e varões famosos da Cirurgia, desde a conquista de Constantinopla pelos turcos, até o tempo presente, Coimbra, Na oficina do Capitão Manuel Pedroso, 1762; Diário universal da medicina, cirurgia, farmácia que contém os trabalhos dos académicos das duas academias, Médica e Cirúrgica do Porto, Lisboa, na Oficina Patriarcal de Francisco Luís Ameno,1764; Memórias Cronológicas e críticas para a história da cirurgia moderna ou Notícia da origem dos, principais progressos, revoluções, descobrimentos, seitas, privilégios, academia, obras impressas e varões famosos da cirurgia desde o principio do mundo até ao presente, Lisboa, na Oficina de António Rodrigues Galhardo, 1779; Os Estrangeiros no Lima ou conversações eruditas sobre vários pontos de Historia Eclesiástica, Civil, Literária, Natural, Genealógica, Antiguidades, Geografia, Agricultura, Comercio, Artes, e Ciências. Com uma Descrição de todas, as Vilas Freguesias e Lugares notáveis da / Ribeira Lima suas produções, industria, fabricas, edifícios, famílias nobres, filhos ilustres em virtudes, arenas ou letras etc., Coimbra, Na Real Oficina da Universidade, 1785, 1791 (Reedição fac-similada. dos dois volumes, Viana do Castelo, Câmara Municipal, 1992); Destacamento dos Estrangeiros no Lima ou Conferências Históricas sobre o estado da cirurgia em França desde o ano de 1260 até ao presente, ACL,série Azul, ms.1005, 1802. Processo Académico, AH-ACl, PT/ACL/ACL/C/001/1780-05-22/MGLB; AMZALAK, Moses Bensabat, "Os estudos económicos de Manuel Gomes de Lima Bezerra", Anais do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, 28 (1959), 49-50; BARRAS DE ARAGÓN, Francisco de las, Noticias de vários documentos referentes a las relaciones cientificas sostenidas entre las academias de Oporto y Sevilla en el siglo XVIII, t. VI, Associacion Española para el Progresso de las Ciencia, Madrid,1921; CARDOSO, José Luís, O pensamento económico em Portugal, nos finais do século XVIII(1780-1808), Lisboa, Editorial Estampa; LEMOS, Júlio de, "O Limianista Doutor Lima Bezerra. Esboço biobibliográfico", sep.de O Instituto, Vol. 111º, Coimbra, Coimbra Editora, 1948; LEMOS, Maximiliano de, História da Medicina em Portugal,-Doutrinas e Instituições, II volume, Lisboa, Publicações Dom Quixote/Ordem dos Médicos, Lisboa, 1991; LUDOVINO, Maria da Conceição Espinha, Manuel Gomes de Lima Bezerra e o espírito académico–científico em Portugal no século XVIII, Dissertação de Mestrado, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, FCSH, 1996; MONTEIRO, Hernâni, Origens da Cirurgia Portuense, Porto, Araújo e Sobrinho Suc.res,1926; PEREIRA, José Esteves, “O pensamento económico de Manuel Gomes de Lima Bezerra”, Cadernos Vianenses,18,1995, pp.193-203; TAVARES, Pedro Vilas Boas, “O autor de Os Estrangeiros no Lima: vida e obra de um homem de ciência”, in Manuel Gomes de Lima Bezerra, Os Estrangeiros no Lima - Estudos sobre o autor e a obra, vol. III, Viana do Castelo, Câmara Municipal, 1992, pp.13-21.José Esteves PereiraPortuguesaSócio correspondente.