Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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CenáculoManuel (D. Fr.) doManuel do Cenáculo de Vilas-Boas Anes de CarvalhoLisboaÉvoraReligioso franciscano, bispo de Beja e Arcebispo de Évora. Sócio honorário.Frei-Manuel-do-Cenaculo.pngD. Frei Manuel do Cenáculo (1724-1814). Retrato de autor desconhecido, Academia das Ciências de Lisboa.

Filho de José Martins e Antónia Maria, natural de Lisboa. Cenáculo professou na Ordem Terceira de S. Francisco, a 25 de março de 1740, no Convento de Nossa Senhora de Jesus, em Lisboa. Cursou Humanidades e Teologia na Universidade de Coimbra, onde se doutorou a 26 do maio de 1749. Lecionou, durante três anos, no Colégio das Artes em Coimbra e, depois de ter participado em Roma, no ano de 1750, no capitulo geral da sua ordem, voltou a lecionar Teologia (de 1751 a 1755).

Ao longo da sua vida, Cenáculo desempenhou variados cargos. Provincial da Ordem Terceira em Portugal, e deputado da Mesa Censória a partir de 21 de abril de 1768, foi depois nomeado confessor do príncipe D. José, em 16 de março de 1769, e seu preceptor, em 1970. Em março desse ano, foi nomeado bispo de Beja (bispado que acabava de ser criado). Foi ainda presidente da Junta da Providencia Literária e, a partir de 10 de novembro de 1772, presidente da Junta do Subsídio Literário. Tornou-se Arcebispo de Évora a 3 de março de 1802.

Cenáculo foi eleito membro correspondente, em 28 de Junho de 1780 e depois membro honorário, em 6 de Junho de 1812. Alguns meses após o seu falecimento, Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato, vice-secretário da Academia, proferiu o seu elogio histórico, lido na assembleia de 24 de Junho de 1814 (História e Memorias, 1815). Aí se dá exaustiva conta do quanto D. Frei Manuel do Cenáculo deu de si à Ciência e à História, nunca descurando, porém, o seu múnus pastoral. É, de resto, também por esse respeito pelas Sagradas Escrituras que se envolveu no estudo das línguas orientais, merecendo, por isso, lugar no Dicionário de Orientalistas.

De particular interesse se reveste o facto de – jamais descurando a sua missão sacerdotal e dela tendo frequente testemunho em discursos que foram publicados – muito ter diligenciado pela criação de bibliotecas, tanto em Beja (cerca de 9000 volumes) como em Évora, não sendo despiciendo, antes pelo contrário, saber que na origem da Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa está justamente a biblioteca do Convento de Jesus que Frei Manuel do Cenáculo criou.

Em segundo lugar, a sua grande preocupação pela preservação e divulgação do património cultural. Atribui-se-lhe, com inteira razão, o título de criador do primeiro museu português e é nesse domínio da salvaguarda e reabilitação dos vestígios do passado que mais tem merecido a atenção dos historiadores, dos arqueólogos e dos epigrafistas. Na pág. 5 do livro Noticias Archeologicas de Portugal, publicado em 1871, «por ordem da Academia Real das Ciências de Lisboa», o epigrafista alemão Emílio Hübner não hesita em considerá-lo «o restaurador dos estudos de humanidades em Portugal» e qualifica-o de ‘diligente indagador’.

Criou, em Beja, o Museu Sisenando Pacense, sem dúvida, a menina dos seus olhos, com as antiguidades que acuradamente foi diligenciando recolher. Para seu prefeito nomeou, a 10 de Janeiro de 1791, Frei Lourenço do Valle, que, na oração de inauguração do museu (gizada em parte ou no todo, supõe-se, com a superintendência do prelado), o apresentou «como microcosmos do Mundo e da História, isto é, como reflexo de toda a criação divina e das ações humanas, devendo assim abranger a memória das civilizações através dos seus objetos e da sua arte, e a memória da criação divina, através da apresentação e catalogação da natureza».

Frei Manuel do Cenáculo teve, por outro lado, o cuidado de mandar desenhar ou ele próprio desenhou inúmeras peças, nomeadamente epigráficas, das quais, por vezes, é esse, agora, o único testemunho da sua existência. Na verdade, se, ao sair de Beja para Évora, muito logrou levar consigo - e o Museu de Évora, a que ora se deu o seu nome, é disso bem credor - parte da sua coleção terá levado descaminho. Um dos seus mais preciosos legados é o Álbum de Antiguidades Lusitanas e Luso-romanas e Lapides do Museu Sesinando Cenáculo Pacense. Nele se encontra o desenho bastante rigoroso de cada uma das peças da sua coleção e anotado o respetivo local de achado. Várias das peças que desenhou se perderam, o que torna estes desenhos de muito maior valia.

Em síntese de apresentação do livro em que reuniu instruções pastorais, projectos de bibliotecas e diário do prelado, Francisco António Lourenço Vaz, um dos mais diligentes estudiosos da obra do prelado, refere o seu “papel determinante na reforma da Universidade de Coimbra, na direção da Real Mesa Censória e nos projetos delineados com impacto na difusão da ciência, tenho reunido, ao longo da vida, uma vastíssima coleção de livros, moedas, produtos naturais, obras de arte e antiguidades, tendo em vista a criação de bibliotecas e museus abertos ao público”.

“Construtor de bibliotecas” (Lourenço Vaz, 2006), “um dos fundadores da museologia” (Pedro de Andrade, 2007), humanista, arqueólogo e bibliófilo, são alguns dos muito epítetos que encontramos na já extensa bibliografia sobre Manuel do Cenáculo, utilizados para caracterizar esta personalidade ímpar, de facto, na história da Academia das Ciências de Lisboa e da cultura portuguesa.

Cenáculo deixou muitas obras e manuscritos, que vêm mencionados em Silva, Inocêncio F., Dicionário Bibliográfico Português, tomos V e XVI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1860, 1893, pp. 389-395 e pp. 151 – 153, das quais se destacam: Memórias históricas do ministério do púlpito (em que se identifica como «um religioso da Ordem Terceira de S. Francisco»), Lisboa, Regia Officina Typografica. 1776; Cuidados literarios do prelado de Beja em graça do seu Bispado, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1791, [Resenha em HISTEDBR – Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educaçõa no Brasil”, http://tinyurl.com/49j7d2a5 (Acesso:4/2/2024)]; Provisão de D. Fr. Manuel do Cenáculo Vilas Boas, arcebispo de Évora, instituindo e fundando uma biblioteca pública e um museu junto ao paço arquiepiscopal de Évora. https://purl.pt/26369/service/media/pdfProcesso Académico, AH-ACl, PT/ACL/ACL/C/001/1780-06-28/MCVB; Morato, Francisco Trigoso de Aragão, “Elogio histórico do Excelentíssimo Reverendíssimo D. fr. Manuel do cenáculo”, História e Memórias da Academia Real das Ciências, tomo IV, parte I, 1815, pp. LXIII – CVIII; CAEIRO, Francisco da Gama, Frei Manuel do Cenáculo, aspectos da sua actuação filosófica, Lisboa, 1959; CAEIRO, Francisco da Gama, Concepções Historiográficas Setecentistas na Obra de Frei Manuel do Cenáculo, Lisboa, 1978; CAETANO, Joaquim Oliveira, «Os projectos do arquitecto Joaquim de Oliveira para as Bibliotecas-Museu de Frei Manuel do Cenáculo», Revista de História da Arte, 8, 2011 48-69. Disponível em http://iha.fcsh.unl.pt/uploads/RHA_8_2.pdf; ENCARNAÇÃO, José d’ e GAIDÃO, Ricardo, «As informações epigráficas de Frei Lourenço do Valle», in MIRA, Madalena Romão [coord.], Homenagem a Justino Mendes de Almeida, Lisboa, ACDR Editores, 2015, p. 27-41. http://hdl.handle.net/10316/30910; MARCADÉ, Jacques, «D. Frei Manuel do Cenáculo, Provincial du Tiers Ordre Franciscain de la Province du Portugal. 1768-1777», in Arquivos do Centro Cultural Português, vol. III, Paris, 1971, pp. 431-458; MARCADÉ, Jacques, Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, Évêque de Beja, Archevêque d'Évora, Paris, 1978; MORAIS, Rui, «Um caso exemplar: Cenáculo e o coleccionismo no Portugal de Setecentos», Cadmo, 19, 2009, pp. 209-228; SIMÕES, A. Filippe, «O Museu do Bispo de Beja», Archivo Pittoresco, tomo XI, 1868: fascículo 10, p. 76-78; fascículo 14, p. 108 e 109; fascículo 21, p. 168; fascículo 30, p. 238; fascículo 51, p. 404; VAZ, Francisco António Lourenço, «As Ideias Pedagógicas na obra de Frei Manuel do Cenáculo», Cultura – Revista de História e Teoria das Ideias, 36, 2017, p. 185-203. Acessível em https://doi.org/10.4000/cultura.3712; VAZ, Francisco António Lourenço, OLIVEIRA, Márcia Ferreira e MONTEIRO, Patrícia, Os livros e as bibliotecas no espólio de D. Frei Manuel do Cenáculo: repertório de correspondência, róis de livros e doações a bibliotecas, Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, 2009.José d´EncarnaçãoPortuguesaSócio correspondente; honorário: 6.6.1812.