Manuel Arruda da Câmara nasceu na povoação de Piancó, na capitania da Paraíba, provavelmente em 1766. Em 1772, Piancó tornou-se Vila Nova de Pombal. Apesar de ter nascido na Paraíba, Câmara se autoproclamava pernambucano, o que contribuiu para criar dúvidas em torno de seu local de nascimento. Seu pai, Francisco de Arruda Câmara, foi o primeiro capitão-mor de Pombal e sua mãe foi Maria Saraiva da Silva. A família era proprietária de terras no nordeste brasileiro, na Paraíba, em Pernambuco, no Ceará, no Rio Grande do Norte e no Piauí.
Em 1783, Arruda da Câmara ingressou na ordem dos Carmelitas, com o nome de Frei Manuel do Coração de Jesus. É possível que a família fosse cristã-nova, o que pode explicar terem destinado Manuel a seguir a carreira eclesiástica, mesmo sem vocação, como meio para evitar problemas com a Inquisição.
Em 1786, Manuel Arruda da Câmara e seu irmão primogénito Francisco de Arruda Câmara Júnior foram para a Europa. Manuel matriculou-se em Filosofia e Matemática na Universidade de Coimbra e seu irmão seguiu para a faculdade de Medicina de Montpellier. Depois de estudar três anos de Filosofia e um ano de Matemática em Coimbra, Manuel Arruda da Câmara transferiu-se para Montpellier, para o curso de Medicina, em agosto de 1790. Seu diploma data de setembro de 1791. Sua tese intitula-se
Arruda da Câmara, em 1792, passou novamente por Portugal, antes de retornar ao Brasil, provavelmente no ano seguinte. Ainda em 1792 publicou o opúsculo “Aviso aos lavradores, sobre a inutilidade da suposta fermentação de qualquer qualidade de grão ou pevidez...”, que lhe garantiu o acesso à Academia das Ciências de Lisboa, como sócio correspondente, eleito em 15 de abril de 1793. Não se tem informações sobre o contexto de sua eleição nem de seus apoiadores. Possivelmente seu principal protetor tenha sido Domingos Vandelli, já que ambos se corresponderam quando do regresso de Câmara ao Brasil. É provável que tenha tido também o apoio de Frei Mariano da Conceição Veloso.
Realizou uma longa viagem de um ano e meio pelo interior do “bispado de Pernambuco” (área mais extensa que a capitania) até ao Piauí, provavelmente a partir de março de 1794. A partir de 1797, com a chegada, em 1796, de D. Rodrigo de Sousa Coutinho à Secretaria de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, Arruda da Câmara passa a desempenhar missões como naturalista a serviço da Coroa, com ordenado anual de 400$, sobretudo para descobrir depósitos de salitre, mas também dedicando-se à botânica. O incentivo do ministro em relação ao papel dos naturalistas na prospecção e produção de produtos úteis no Brasil se integra ao projeto político e econômico detalhado na
Em dezembro de 1797, Câmara iniciou suas prospecções de salitre pela Paraíba. Antes de partir, porém, enviou para Portugal dois exemplares manuscritos de Memória sobre a cultura dos algodoeiros, que pode ser considerado um texto paradigmático das Luzes brasileiras. Pela primeira vez, na página de rosto do artigo, aparecem como credenciais o pertencimento à Academia das Ciências de Montpellier e à Sociedade de Agricultura de Paris, como correspondente. Nessa memória, o naturalista relata observações, experimentos e inovações técnicas no plantio e beneficiamento do algodão, fruto de sua experiência como plantador em Pirauá, na divisa entre Pernambuco e Paraíba, às margens do rio Paraíba do Norte. Em sua fazenda, a base do trabalho era escrava. Do ponto de vista filosófico, a memória retoma ideias já desenvolvidas em sua tese de Medicina, sobre o fato de que os primeiros “homens” só poderiam ter nascido em climas quentes, pois não conheciam ainda a cultura e a tecelagem e morreriam de frio antes de poder caçar para usar as peles como proteção. Um dos desdobramentos de seu argumento sobre os homens em estado de “natureza” é uma relativização do pudor. Segundo ele, essas pessoas andariam nuas, sem ter vergonha da nudez, como os indígenas brasileiros, muitos deles ainda em situação próxima dos primeiros habitantes da Terra. A primeira publicação do texto data de 1799, pela Oficina Literária do Arco do Cego.
Os documentos permitem acompanhar as buscas de Arruda da Câmara por salitre, bem como alguns avisos de envio de amostras e quantidades maiores de salitre. Para além das nitreiras e das minas, suas missões se estenderam para outros objetos de história natural. Foi incumbido, por exemplo, de investigar as plantas que poderiam ser usadas para fabricar papel (1799), além de procurar por quina e plantas úteis em geral.
Em 1810, Câmara publicou pela Impressão Régia do Rio de Janeiro o
Parte dos manuscritos científicos de Arruda da Câmara está perdida ou destruída. A partir de material sem comprovação e de depoimentos de terceiros, especula-se imensamente a seu respeito, afirmando-se, inclusive, que teria pertencido à maçonaria e influenciado grandemente a Revolução Pernambucana de 1817. Embora já fosse falecido na ocasião, um seu colaborador, João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro, foi um dos líderes dos eventos de Pernambuco. Outras pessoas próximas a ele, inclusive seu irmão Francisco, teriam participaram da agitação política, a partir da vila de Goiana, onde atuava como médico. Não há como comprovar as filiações político-ideológicas de Câmara, mas seus escritos científicos demonstram, de todo modo, familiaridade com temas filosóficos das Luzes.
Sabe-se que o trabalho de história natural de Arruda da Câmara contou com a cooperação de religiosos do Seminário de Olinda. Criado no edifício do antigo colégio dos jesuítas, o Seminário foi idealizado e dirigido pelo bispo Azeredo Coutinho, que estabeleceu um tipo de ensino com ênfase nos saberes práticos e científicos. O Museu Nacional do Rio de Janeiro possui um códice ilustrado atribuído a Arruda da Câmara e a seus colaboradores. Parte dos desenhos botânicos do códice são de autoria do Padre João Ribeiro de Montenegro. Esse manuscrito em particular é, portanto, uma obra coletiva, realizada por Câmara e por professores do Seminário de Olinda.