Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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VerneyLuís AntónioPedagogo e intelectual iluminista. Membro da Congregação do Oratório. Sócio correspondente.Luís António Verney.pngLuís António Verney (1713-1792). BNP,Retratos de cardeaes, bispos, e varoens portuguezes illustres em nobreza, armas, letras, e santidade(1791)Ass_Luis-Antonio-Verney.png

Filho de pai francês e mãe portuguesa, Luís António Verney foi um dos nomes mais significativos que, no século XVIII, em Portugal, deram conta dos ventos de mudança que sopravam já por toda a Europa. A sua formação intelectual começa no Colégio de Santo Antão dos Jesuítas, onde terá cursado, entre 1720 e 1727, o plano consistindo em Gramática Latina, Latinidade e Retórica. Subsequentemente, frequenta o curso de Filosofia na Congregação do Oratório, ministrado pelo padre Estácio de Almeida, em que se debruçou sobre Lógica, Física e Metafísica.

Em 1729, depois de uma inesperada e fugaz passagem, enquanto militar, por Salvador da Baía, no Brasil, numa nau cujo primeiro destino era Goa, regressa a Portugal, prosseguindo os seus estudos de filosofia e de teologia na Universidade de Évora, junto dos Jesuítas. Esta formação virá a contribuir para algumas das suas ideias posteriores sobre educação, tal como as podemos conhecer através do Verdadeiro Método de Estudar. Em 1736, abandona o curso de Teologia em Évora e parte para Roma, possivelmente por razões que se prendem, por um lado, com a insatisfação com o ensino ministrado no Colégio dos Jesuítas e, por outro, com uma putativa orientação para contactar, em Roma, com correntes pedagógicas mais abertas e um ensino mais conforme aos novos tempos. Os biógrafos de Verney não coincidem, no entanto, quanto ao mandato de que teria sido incumbido, por Dom João V, para contactar com e analisar essas novas correntes. Quanto ao seu percurso eclesiástico, recebeu ordens menores, sendo nessa qualidade que vem a ser nomeado arcediago de Oriola da Sé de Évora, cargo que mantém ao longo de toda a vida. Veio ainda a desempenhar, ao longo da vida, outras funções públicas, como deputado honorário da Mesa da Consciência e Ordens ou membro do Conselho de Sua Majestade. Em Roma, insere-se no meio letrado e torna-se sócio da Arcádia Romana, desempenhando ainda o cargo de secretário e conselheiro da Legação de Portugal na Corte de Roma para extinção dos Jesuítas.

É em Roma que o contacto com o novo ideário iluminista marca profundamente Verney. Devem mencionar-se em especial as suas relações com dois intelectuais italianos, Muratori e António Genovesi, o primeiro pela sua influência decisiva sobre as ideias de Verney, o segundo pelas semelhanças e pelas contradições relativamente às suas próprias ideias. E devem ainda mencionar-se as inúmeras leituras que faz, nomeadamente de Locke e dos empiristas ingleses, bem como em diversas áreas de pensamento (Newton, Descartes, Bacon), que o expõem às mudanças ideológicas que por toda a Europa se fazem sentir.

É neste quadro que Verney concebe aquela que viria a ser a sua obra principal, o Verdadeiro Método de Estudar, obra em que ele vê a possibilidade de difundir as novas ideias pedagógicas num Portugal até então a elas avesso. É uma obra que não se limita a ser um manifesto para uma nova pedagogia, mais conforme aos princípios iluministas: ela mesma faz parte do que Verney concebia como uma efectiva reforma pedagógica adequada às novas gerações em Portugal. Esta obra, como se disse, a mais importante publicada pelo autor, é preparada ao longo de 10 anos de estadia em Roma, desde a sua ida para lá em 1736 até à publicação, em 1746. Com uma história editorial complexa e com inúmeros pontos por esclarecer, desde a sua autoria (atribuída supostamente a um “frade barbadinho”, de um dos ramos da Ordem Franciscana, atribuição que no entanto não chegou a esconder o seu verdadeiro autor) até ao cabal esclarecimento da edição princeps (se em Nápoles, se em Valença), passando pelo conhecimento das razões pelas quais Verney ao longo de toda a vida foi manifestando algum distanciamento (ficcional?) relativamente ao Verdadeiro Método, esta obra representa, todavia, uma “pedrada no charco” dentro da história da cultura portuguesa, revelando um dos momentos mais claros de revisão crítica do ensino em Portugal, e abrindo caminho a uma pedagogia mais independente dos caminhos até então trilhados pelo ensino escolástico.

Constituído por dezasseis cartas, cada uma delas correspondendo a uma área do saber à época, da Gramática e ortografia da língua portuguesa ( Carta I) até à Carta XVI, versando observações várias em torno da organização prática dos estudos e da educação das mulheres, que considera como possuindo iguais capacidades intelectuais aos homens, passando pela Retórica (V e VI), Poética (VII), Metafísica (IX), Física (X), Medicina (XII) ou Direito Canónico (XV), o Verdadeiro Método propõe-se como um verdadeiro plano de estudos que devia acompanhar o estudantes até à finalização da universidade. Verney é, todavia, no que respeita à Retórica e à Poética, um crítico dogmático e insensível, nomeadamente no seu não-reconhecimento dos méritos literários de duas grandes figuras, que critica impiedosamente, como Pe António Vieira e, mormente, Luís de Camões, tanto o épico como o lírico. Como bem viu Maria Lucília Pires, a sua conflação entre poética e oratória, e a menorização da primeira face à segunda, faz com que o tribunal da razão o impeça de apreciar criticamente a literatura, naquilo que ela tem de mais particular.

Esta obra de Verney conheceu uma acesa polémica, que em Portugal se prolonga até 1759, e em Espanha até meados da década seguinte. As razões para ela são de natureza e alcance muito diverso, como os vários biógrafos de Verney puderam analisar. Mas a questão mais importante, no tocante à poética e retórica, acaba por se poder resumir ao contraste entre o ideário ainda de figuração barroca (as “agudezas”) e aqueloutro que Verney gostaria de ver implantado no ensino em Portugal, devedor de um pensamento neoclássico e, por isso, iluminista. Tanto a obra como a polémica a que deu origem foram, no entanto, decisivas para o agitar das águas no que respeita à reforma do ensino em Portugal, permitindo que se sedimentassem as ideias em torno do alargamento do pensamento crítico e do ideário iluminista. Verney, que lutou para que a reforma do ensino, protagonizada pelo Marquês de Pombal, se fizesse eco das suas ideias, publicou, “para uso dos adolescentes lusitanos”, como diz, vários compêndios, dos quais apenas um, sobre ortografia latina, foi adotado. No entanto, a existência de tais compêndios demonstra o plano mais lato que Verney tinha ideado para a transformação do ensino em Portugal, com o desenvolvimento de uma visão da ciência assente na observação e na experiência e de um plano de instrução mais aberto (uma escola em cada grande rua).

Luís António Verney foi eleito sócio correspondente da ARSL em 22.05.1780, honra que agradece em carta publicada por António Alberto de Andrade, em que manifesta, entretanto, a sua desilusão com o estado geral da sua vida.

Verdadeiro Método de Estudar para ser útil à República e à Igreja, proporcionado ao estilo e necessidade de Portugal. Exposto em várias cartas, escritas pelo R. P. *** Barbadinho da Congregação de Itália, ao R. P. *** Doutor da Universidade de Coimbra, 2 vols., Nápoles, 1746; Carta de um filólogo de Espanha a outro de Lisboa acerca de certos elogios lapidares, s. l. n. d.; Parecer do Doutor Apolonio Philomuso Lisbonense (...) acerca de um papel intitulado Retrato de Mortecor (...), s. l. n. d.; Resposta às reflexões que o R. P. M. Arsémio da Piedade Capucho fez ao livro intitulado Verdadeiro Método de Estudar, Valença, na oficina de António Balle, 1748; Última Resposta, Sevilha, s/d [1752]; Verdadeiro método de estudar, ed. António Salgado Júnior, Lisboa, 1952; Cartas Italianas, edição e tradução pra português de Ana Lúcia Curado e Manuel Curado, Lisboa, Ed. Sílabo, 2008.Processo académico, AHA-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1780-05-22/LAV; Moncada, Luís Cabral de, Um Iluminista português do século XVIII: Luís António Verney: com um apêndice de novas cartas e documentos inéditos, Coimbra, Arménio Amado, 1941; Pina Martins, José V. de, “Temas Verneianos”, in Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, Lisboa, 1960, pp. 118-51; Andrade, António Alberto de, Verney e a cultura do seu tempo, Coimbra, Acta Universitatis Conibrigensis, 1965; Silva, Inocêncio Francisco da, e Aranha, Brito, Dicionário Bibliográfico Português, Lisboa, IN-CM, 1973, vol. V, 221-6; Pina Martins, José V. de, “Luís António Verney contra a Escolástica entre 1745 e 1750”, in Arquivos do Centro Cultural Português, vol. XV, Paris, F. C. G., 1980, pp. 609-622; Piwnik, Marie-Hélène, Échanges érudites dans la Péninsule Ibérique (1750-1767), Lisboa e Paris, C. C. P., F. C. G., 1987; Pires, Maria Lucília, “Introdução”, in Luís António Verney, Verdadeiro Método de Estudar. Cartas sobre retórica e poética, Lisboa, Ed. Presença, 1991, pp. 7-41; Colóquio “Verney e a cultura do seu tempo”, Centro de Estudos Humanísticos, Braga, 1995; Borralho, Maria Luísa Malato, Luís António Verney: percursos para um verdadeiro método de estudar, Évora, Universidade de Évora, 2005.Helena BuescuPortuguesaSócio correspondente.