Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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José Veríssimo Alvares da Silva nasceu em Abrantes em 1744. Foi Professor régio de Latim e de Filosofia na cidade de Tomar, onde casou e viveu. Desconhecemos a data em que iniciou o seu magistério, mas deve ter sido no tempo do Marquês de Pombal e no âmbito da reforma dos estudos menores, iniciada com o Alvará de 28 de junho de 1759, com instruções para a nomeação de professores régios de Latim, Grego e Retórica e concluída com a carta de lei de 1772.

Veríssimo Alvares da Silva foi preso em 1810, acusado de jacobino, por ter aceitado um cargo de governação ao serviço dos franceses, durante o tempo que a cidade de Tomar foi ocupada pelo exército napoleónico. Foi enviado para Lisboa e depois para o presidio da Trafaria. No processo que lhe foi então instaurado, Veríssimo Alvares da Silva defendeu-se apontando como argumento que por ter exercido o cargo ao serviço dos invasores tinha evitado que a cidade tivesse sido saqueada pelos franceses, tal como tinha acontecido em outras cidades, nomeadamente em Leiria. De pouco lhe valeu essa defesa pois teve a sentença de degredo para África, pena que, contudo, não chegou a cumprir pois faleceu no presídio da Trafaria a 10 de maio de 1811 com 67 anos. O seu filho Veríssimo Alvares da Silva (1786-1865) foi marechal de campo do exército português e contribuiu para a elaboração de diversas plantas, de fortalezas, localidades, rios, num total de 15, e que se encontram na Biblioteca do Exército.

José Veríssimo Alvares da Silva foi eleito sócio correspondente da Academia Real das Ciências em 28.6.1780 e depois sócio livre em 13.1.1798. Foi um dos sócios mais laboriosos tendo escrito várias memórias, que foram publicadas na série de memórias de agricultura premiadas, memórias económicas e nas memórias de literatura. Foi vencedor de vários prémios patrocinados pela Academia das Ciências.

Nas memórias que escreveu para a Academia das Ciências, Alvares da Silva demonstra influência das ideias de António Genovesi (1712-1769), professor de Economia Civil na Universidade de Nápoles e autor das Lezioni de Comercio O sia de Economia Civile (1765), obra que teria grande influência nas ideias económicas dos ilustrados portugueses e particularmente em Veríssimo Alvares da Silva. De facto, na sua “Memória histórica sobre a agricultura portuguesa considerada desde o tempo dos romanos até ao presente”, a visão que nos dá da agricultura é tipicamente genovesiana, ou seja agrarista. Mesmo na defesa de um juro baixo para fomento agrícola podemos ver o reflexo das ideias de Genovesi que por diversas vezes defendeu a necessidade de baixar o juro para incentivar o investimento. A mesma influência de António Genovesi transparece na análise que fez às determinações sobre a agricultura no tempo de Pombal, dando a entender ter-se iniciado um novo rumo para a economia nacional, e apontou que a ignorância era efetivamente o grande obstáculo e que a instrução nas ciências exatas e nas disciplinas políticas e económicas, era a base do progresso. Com efeito, Veríssimo Alvares da Silva atribuiu o atraso e ruína da agricultura entre nós, ao desconhecimento das ciências naturais, da física, da química e da história natural, que eram segundo ele indispensáveis para o progresso da agricultura. O princípio de encarar o trabalho como a fonte da riqueza e a regra dada por Genovesi para obter a prosperidade e bem-estar surge também documentado no texto: que a classe laboriosa seja o mais numerosa possível. Desta regra deduziu o memorialista as críticas a diversos obstáculos que impediram o florescimento da agricultura em Portugal. Entre eles, o excesso das doações à igreja e de legados pios. Tomou, também, posição contra os morgados, por aumentarem as causas do ócio e a classe estéril.

O tema do luxo foi abordado por José Veríssimo Alvares da Silva, na “Memória das verdadeiras causas porque o luxo tem sido nocivo aos portugueses”, publicada na série das Memórias Económicas da Academia. O memorialista coloca o problema, distinguindo a opinião comum, que considerava o luxo prejudicial, do espírito filosófico ou esclarecido e, contrariando a opinião vulgar, distingue duas espécies de luxo: o vicioso e aquele que é fator de civilidade. O primeiro, identifica-o com a noção dos antigos, como sendo uma profusão que excede a medida, ou o pejo, e é sempre prejudicial à república e aos indivíduos. Trata-se de um luxo desmesurado, gastos acima dos haveres ou teres, ou que não se coaduna com o uso, sendo também moralmente reprovável. Pelo contrário, o luxo fator de civilidade é uma sumptuosidade extraordinária, que dá riquezas e segurança a um governo e uma consequência necessária de qualquer sociedade bem policiada. Este luxo, efeito da razão cultivada, produz a perfeição das artes, e põe fim à barbárie. É um luxo policiado, ou polido, que é fator de riqueza, porque aumenta a população, fomenta o emprego e contribui para uma distribuição equitativa de bens. Deste modo, para Veríssimo Alvares da Silva, há um luxo nocivo e corruptor dos costumes e outro útil ou interessante ao público e o exemplo nacional mostra qual é a verdadeira fronteira que separa os dois tipos de luxo. Com efeito, para explicar como é que o luxo foi prejudicial a Portugal, segundo o memorialista, a época do luxo começou no reinado de D. Sebastião e as leis sumptuárias que a partir daí se publicaram demonstram que se confundiu os dois tipos de luxo, o nocivo com o que era útil. Veríssimo Alvares da Silva inscreve-se assim na lógica de cariz mercantilista: o luxo só é prejudicial se baseado em artigos importados ou alimentado por eles, ou quando seguindo os vícios e por ignorância os governantes promovem uma mentalidade nobiliárquica avessa ao trabalho industrial agrícola.

Outro aspeto que transparece nos textos de Veríssimo Alvares da Silva é a defesa da secularização do ensino, e por isso elogia a reforma pombalina dos estudos e mesmo o Colégio dos Nobres, um estabelecimento cujos resultados não eram os mais desejados.

A obra de Veríssimo Alvares da Silva revela também que era leitor atento dos clássicos e com conhecimentos da física, da moral, da política e das ciências jurídicas, conjugando esses conhecimentos teóricos com a observação e a experiência. Essa conjugação sobressai numa das suas memórias, publicada na série das Memórias Económicas: “Observações botânicas e meteorológicas”, em que descreve com pormenor o efeito da meteorologia nas culturas agrícolas do ano e salienta a importância dessas observações, para a economia do Estado, nomeadamente, para as atividades do comércio e da agricultura. Partindo do pressuposto que esses fenómenos se inscrevem nas leis da Física, inventaria os efeitos das chuvas torrenciais, das trovoadas, do calor excessivo nas culturas dos cereais, o milho e o trigo, nos fenos, hortaliças e nas árvores de fruta. Na sua análise ao clima até a ideia de previsão da esterilidade está documentada, ainda que num sentido de prognósticos, indicados nos autores clássicos e modernos, como seja a morte de colmeias e as amendoeiras muito frondosas e com pouco fruto. A estas explicações baseadas na autoridade dos clássicos, acrescenta o memorialista a explicação dos fenómenos pela física, considerando que faltou o eletricismo necessário para a bom desenvolvimento das plantas. Deste modo, estas observações meteorológicas constituem um bom exemplo da conjugação do saber acumulado neste domínio com os conhecimentos científicos mais recentes, baseados na observação e na experiência.

Introdução ao Novo Código ou dissertação critica, Lisboa, Régia Oficina Tipográfica, 1780; “Memoria que concorre no assunto extraordinário de agricultura proposto pela Academia Real das Ciências para o anno de 1788”, Memorias de agricultura premiadas pela Academia Real das Sciências de Lisboa, vol I, Lisboa, Academia das Ciências, 1788-1791, pp. 159-237; “Memória das verdadeiras causas por que o luxo tem sido nocivo aos portugueses”, Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa para Adiantamento da Agricultura, das Artes e da Indústria (1789-1815). Nova edição, coordenação de José Luís Cardoso, Lisboa, Banco de Portugal, 1990-1991, tomo 1, pp. 157-167; “Memória histórica sobre a agricultura portuguesa considerada desde o tempo dos romanos”, Ibidem, tomo 5, pp. 149-196; “Observações botânico meteorológicas do ano de 1800 feitas em Tomar”, Ibidem, tomo V pp. 104-107. Processo Académico, AHA-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1780-06-28/JVAC; Cardoso, José Luís, “Genovesi e a economia política ilustrada em Portugal”, Cultura. Revista de História e Teoria das Ideias, vol. 36, 2017, p. 205-216; Silva, Inocêncio Francisco da, Diccionário bibliographico portuguez, Lisboa, Imprensa Nacional, t. 5, 1860, p.151-152; Vaz, Francisco, Instrução e Economia. As Ideias Económicas no Discurso da Ilustração Portuguesa (1746-1820), Lisboa, Colibri, 2002; Vaz, Francisco, “A difusão das ideias económicas de António Genovesi em Portugal”, Cultura. Revista de História e Teoria das Ideias, Vol. XI, 1999, p. 553-576.Francisco VazPortuguesaSócio livre: 13.1.1798.Sócio correspondente: 28.6.1780; sócio livre: 13.1.1798.