Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

DHB

PereiraJosé Maria DantasJosé Maria Dantas Pereira de Andrade. Justícola. Lusitano FilantropoAlenquerMontpellier, FrançaOficial general da armada, lente de matemática, polímata, académico e político. Sócio efetivo na classe de Ciências Exatas.A2-Dantas-Pereira.pngJosé Maria Dantas Pereira (1772-1836). Litografia inserida na sua obraModelo de hum diccionario de algibeira polyglotto e passigraphico(Paris, 1835).A2-Ass-Dantas-Pereira.png

Filho de Vitorino António Dantas Pereira, porta bandeira graduado do Corpo de Engenheiros, e de Quitéria Margarida de Andrade, recebeu esmerada educação em Alenquer, pela mão dos melhores professores e do pároco, que o iniciou no conhecimento do latim. Em 1786, passou a frequentar, em Lisboa, a Academia Real de Marinha completando os cursos de Navegação e de Matemática com as mais elevadas classificações. Apresentou praça de aspirante a guarda-marinha na Companhia dos Guardas-Marinhas, por aviso de 10.9.1788, sendo que no final do primeiro ano, por ter sido o melhor aluno e pela excelência dos conhecimentos revelados nas provas finais, foi-lhe atribuído um prémio pecuniário de 96 mil réis, altura em que o soldo mensal de um aspirante rondava os mil réis. Promovido a guarda-marinha em 18.1.1789 e a primeiro-tenente do mar em 17.12.1789, foi nomeado chefe da 3.ª brigada em 11.1.1790 e lente de Matemática dos guardas-marinhas em 16.10.1790, quando havia quinze dias que perfizera 18 anos de idade. Iniciou uma carreira docente cuja carta de lente de Matemática na futura Academia Real dos Guardas-Marinhas o equiparava a lente da Universidade de Coimbra, por força do decreto de 18.10.1795, com a competente retribuição de 400 mil réis anuais. Dantas Pereira, apenas com 23 anos de idade, passou a vencer o mesmo que um chefe-de-divisão, primeiro posto de um oficial general da armada, não se estranhando, por isso, as muitas invejas ao longo da carreira. Em 20.10.1796, seria promovido a capitão-tenente, e a 11.5.1797, a capitão-de-fragata, conservando o exercício de lente de Matemática. Neste mesmo ano foi nomeado preceptor e encarregado da educação do infante D. Pedro Carlos de Bourbon e Bragança, neto de D. Maria I, estreitando as relações com a família real.

Entretanto, no seguimento de uma memória que sujeitara à apreciação da Academia, concorrendo a um prémio, Dantas Pereira viria a ser eleito em 1791, com apenas 19 anos de idade, sócio correspondente do número e, sucessivamente, sócio livre em 17.3.1794 e sócio efetivo em 13.1.1798, altura em que passou a integrar o conselho académico. Foi depois eleito secretário da Academia em 12.6.1823, confirmado em 25.11.1824. Em 27.11.1827, foi eleito diretor da Classe de Ciências Exactas e em 15.1.1831, voltou a ser eleito secretário, cargo que ocuparia até 1833, sendo que suspendeu o mandato no período em que, no ano de 1828, tomou assento nas Cortes. Na sessão de 18.4.1792 leu, pela primeira vez, uma sua contribuição, no âmbito da física, Memoria Sobre os instrumentos de Reflexão, oportunamente publicada, tal como uma outra, no âmbito da matemática, lida na sessão de 8.1.1794, Reflexões Sobre certas sommações successivas dos termos das Series arithmeticas, applicadas ás soluções de diversas questões algebricas.

Por alvará de 30.6.1798, foi fundada a Sociedade Real Marítima, sendo Dantas Pereira admitido como membro fundador e encarregue, na sessão de abertura, em 22.12.1798, do discurso introdutório dos primeiros trabalhos da Sociedade. O discurso de Dantas Pereira encontra-se publicado na coletânea Escritos Maritimos e Academicos, de 1828, sabendo-se como foi um dos colaboradores mais ativos, apresentando 16 memórias conhecidas. Foi o primeiro historiador da efémera instituição, ao dedicar algumas páginas àquela, e enumerando, ano por ano, entre 1799 e 1805, os títulos dos principais trabalhos apresentados e a lista dos sócios fundadores, na Memoria para a Historia do Grande Marquez de Pombal, no concernente á Marinha, publicada em 1832. Em 21.6.1800, Dantas Pereira foi nomeado comandante da Companhia dos Guardas-Marinhas e não tardou que, a 28 de Outubro, terminasse a redação de um projeto de reorganização daquela, apresentado ao Conselho do Almirantado. Enviado ao ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho a 12 de Dezembro seguinte, o projeto tornou-se protagonista da reflexão sobre o caminho que o ensino náutico levaria em Portugal, se bem que com forte oposição por parte dos docentes da Academia Real de Marinha e dos conselheiros do almirantado.

Em 12.1.1801, foi promovido a capitão-de-mar-e-guerra, mantendo o exercício de lente. Nomeado inspetor do Depósito de Escritos Marítimos, conhecido, mais tarde, por "Biblioteca para uso dos guardas-marinhas", em 1.4.1802, foi depois nomeado fiscal da academia em 18.9.1805, e seu diretor em 24.07.1807. Embarca com a dita companhia na nau Conde D. Henrique em 27.10.1807, acompanhando a esquadra em que a corte partiu para o Brasil, em 29.11.1807, sendo que a poucos dias da partida relembrara ao Conselho do Almirantado o considerável depósito de cartas marítimas e outras em geral, em particular as relativas à "nossa América", existentes na Sociedade Real Marítima, cuja transferência se concretizaria, a par da biblioteca da Companhia dos Guardas-Marinhas, com cerca de 900 obras. Foi promovido a chefe de divisão por decreto de 8.3.1808, um dia após a chegada do príncipe regente ao Rio de Janeiro, tornando-se oficial general aos 35 anos de idade, conservando todos os cargos que ocupava em Lisboa, a que seria acrescentado, em junho seguinte, o de diretor da Secretaria do Sereníssimo Infante Almirante General da Marinha Portuguesa, D. Pedro Carlos de Bourbon e Bragança. Uma vez instalado no Rio de Janeiro, Dantas Pereira procurou adequar a Academia Real dos Guardas-Marinhas por forma a que reunisse as valências educativas das duas academias de Lisboa e da Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra, tornando-se a primeira instituição de ensino superior que funcionou no território e proporcionando a criação da futura escola naval brasileira de que é considerado o fundador.

Com a morte prematura do infante, aos 25 anos de idade, em 4.7.1812, de quem havia sido preceptor durante onze anos, e o seu mais próximo conselheiro, sofreu um duro golpe, dedicando-lhe um extenso Elogio Historico, publicado no Rio de Janeiro em 1813, no qual refere que D. Pedro Carlos sucedera ao 2.º duque de Lafões na presidência da Academia Real das Ciências de Lisboa, após a morte deste em 1806. Por proposta de Dantas Pereira, a biblioteca transferida, instalada no mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, tornou-se a primeira biblioteca pública do Brasil, em 1810. Seria nomeado membro da "Comissão encarregada da Redacção e Composição das Ordenanças da Marinha" em 27.8.1817, passando a chefe de esquadra graduado em 15.11.1817, altura em que se lhe aceitou o pedido de demissão de diretor da academia e comandante da companhia dos guardas-marinhas, jubilando-se de lente de Matemática em 3.4.1818. Ainda no Brasil, em 13.5.1819, foi promovido a chefe-de-esquadra efetivo, posto equivalente, à época, a contra-almirante, data em que também foi nomeado para o Conselho do Almirantado.

Regressou a Lisboa a bordo da charrua Magnanimo, desembarcando em 28.8.1820. Cavaleiro da Ordem Militar de Cristo desde 1803, elevado a comendador por decreto de 28.8.1819, com a dotação de 20 mil réis anuais, Dantas Pereira fora agraciado com o grau de cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada por decreto de 21.5.1808. Em Lisboa, exerceu o cargo de conselheiro do Almirantado e do Real Conselho de Marinha até ter sido nomeado para o Conselho de Sua Majestade por decreto de 19.10.1821 e, em 1823, foi nomeado membro da chamada Junta da Carta, altura em que redige um Testamento Político no qual manifesta as suas ideias políticas, tendo sido agraciado com a Medalha da Vilafrancada. Como cavaleiro fidalgo da casa real foi representante da nobreza nas Cortes de 1828. Dantas Pereira, um miguelista convicto, seria demitido da armada por decreto de 10.6.1834. Passou à qualidade de sócio livre da Academia em 10.11.1834, e partiu para o exílio em Inglaterra, passando depois a França, onde viria a falecer, aos 64 anos, em Montpellier, a 23.10.1836.

Em 1827, fora eleito sócio da Sociedade Filosófica Americana de Filadélfia, premiando os seus trabalhos no campo da matemática, da física e das ciências da navegação. Sobre a vida pessoal do biografado sabemos que casou em 1803 com D. Maria Eugénia da Cunha Pessoa, filha única do médico da Câmara Real, o doutor José Martins da Cunha Pessoa, também sócio da Academia, de quem teve 14 filhos, dos quais sete estavam vivos à data da sua morte, conforme se pode ler na autobiografia Notice sur la Vie et les Oeuvres de Joseph-Marie Dantas Pereira de Andrade, terminada em 21.12.1833, publicada em Paris escassos meses antes de falecer. No catálogo das obras encontram-se referenciadas 11 sobre matemática, 31 sobre o título genérico de marinha, 15 sobre literatura, bem como cinco manuscritas, entre muitas outras que não menciona. Foi possível inventariar, contudo, 82 textos publicados, entre os quais vários pela Academia Real das Ciências, em tomos das Memorias de Mathematica e Phisica, da Historia e Memorias, das Ephemerides Nauticas ou em monografias, a que acrescem cerca de 30 manuscritos. A epistolografia conhecida é extensa, tanto as cartas particulares como as oficiais, nomeadamente, a correspondência ativa e passiva durante o período em que Dantas Pereira ocupou o cargo de secretário da Academia.

Ephemerides Nauticas, ou Diario Astronomico para o anno de [1796, 1797, 1798]. Calculado para o Meridiano de Lisboa, Lisboa, Oficina da Academia Real das Sciencias, [1795, 1796, 1797]; “Memória sobre os instrumentos de reflexão”, Memórias de Matemática e Física da Academia Real das Ciências de Lisboa, 1 ª Série, tomo II, pp. 159-167; “Sobre todas somações sucessivas dos termos das Séries ariméticas aplicadas às soluções de diversas questões algébricas”, Memórias de Matemática e Física da Academia Real das Ciências de Lisboa, 1 ª Série, tomo II, pp. 168-186; Elogio Historico do Senhor D. Pedro Carlos de Bourbon e Bragança, Infante de Hespanha, e Portugal, Almirante General da Marinha Portugueza, Rio de Janeiro, Impressão Regia, 1813; Bosquejo de um quadro synoptico civil, mediante o qual poderemos conhecer e avaliar os homens, e as nações com acerto e facilidade, Rio de Janeiro, Impressão Regia, 1814; Escritos de José Maria Dantas Pereira. Parte I [“Memórias sobre a Tactica e hum systema de signaes”], Rio de Janeiro, Impressão Regia, 1816; Esboço da organisação e regime da Marinha, conforme convém aos ditames da razão, e ás nossas actuais circunstâncias, por Justicola, Lisboa, Imprensa Nacional, 1821; Fantasias constitucionaes, seguidas por algumas reflexões da razão e da experiência, por Lusitano Filantropo, Lisboa, Imprensa Nacional, 1821; Memorias para a Historia da Regeneração Portugueza em 1820, por Lusitano Filantropo, Lisboa, Impressão Regia, 1823; Memoria sobre o problema das Longitudes, Lisboa, Impressão Imperial e Real, 1826; “Memoria com quatro apensos em dois volumes: tendo por objecto principal a Hydrographia do Brazil, e o conceito que corresponde aos trabalhos respectivos de Mr. Roussin”, Historia e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo X, Parte II, Lisboa, 1830, pp. 229-242; “Memoria sobre a nomenclatura, ou lingoagem mathematica, menos bem tratada pelo habilíssimo auctor do Ensaio de Psychologia impresso em Paris no ano de 1826”, Historia e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo X, Parte II, 1830, pp. 197-207; “Memoria sobre a precisão de reformar o Roteiro de Pimentel”, Historia e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo X, Parte II, 1830, pp. 221-228; “Elogio do Padre Theodoro de Almeida", Historia e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo XI, Parte I, 1831, pp. XIII-XXIV; Memoria para a Historia do Grande Marquez de Pombal, no concernente á Marinha: Sendo a de guerra o principal objecto considerado, Lisboa, Typografia da Academia Real das Sciencias, 1832; Modelo de hum diccionario de algibeira polyglotto e passigraphico. Modèle d'un dictionnaire de poche polyglotte et passigraphique, Paris, [s.n.], 1835.Processo Académico, AHA-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1791/JMDP; Agudo, Fernando Dias, “Contribuição da Academia das Ciências de Lisboa para o desenvolvimento da Ciência em Portugal”, História e Desenvolvimento da Ciência em Portugal, vol. II, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1986, pp. 1301-1349; Almeida, Tiago Manuel de, Biografia de José Maria Dantas Pereira, Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Ciências Militares Navais, na especialidade de Marinha, Alfeite, Escola Naval, 2018 (http://hdl.handle.net/10400.26/25054; 28/12/23); Ferreira, Nuno Martins, A institucionalização do Ensino da Náutica em Portugal (1779-1807), Lisboa, Academia de Marinha, 2017; Fonseca, João Abel da, “José Maria Dantas Pereira, oficial da Armada Real e sócio da Academia Real das Sciencias de Lisboa. Fundador da primeira biblioteca pública do Brasil”, in Manuela Mendonça e Maria de Fátima Reis (coord.), Raízes Medievais do Brasil Moderno. Do Reino de Portugal ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, Lisboa, APH/ACL/AM/SGL/CPHM, 2016, pp. 387-409; Guedes, Max Justo, Bicentenário do Chefe-de-Esquadra José Maria Dantas Pereira (separata), Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1974; Mota, A. Teixeira da, Acerca da recente devolução a Portugal, pelo Brasil, de manuscritos da Sociedade Real marítima, Militar e Geográfica (1798-1807) (separata),Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1972.João Abel da FonsecaPortuguesaSócio efetivo: 13.1.1798Ciências ExatasSócio correspondente, 1791; sócio livre: 17.3.1794; sócio efetivo: 13.1.1798; secretário da Academia: 12.6.1823; sócio livre: 10.11.1834.