Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

DHB

VasconcelosJosé Joaquim Soares de Barros eSetúbalLisboaAstrónomo, diplomata, polímato. Sócio efetivo na classe de Ciências de Cálculo.

José Joaquim Soares de Barros e Vasconcelos nasceu em Setúbal a 19 de Março de 1721, filho de João Soares de Brito, administrador do morgado dos Soares, de Setúbal, e de Isabel Apolónia. Casou com a sua sobrinha Maria Isabel Libânia de Barros e Vasconcelos. Segundo o biógrafo António Ferrão, Soares de Barros começou por seguir, por determinação dos pais, a vida militar e dedicou-se inicialmente ao estudo da história profana e da língua francesa. Traduziu do francês os seguintes livros: Conjuração de Portugal (Amesterdão, 1682), Vida de Augusto Rei da Polónia (Londres, 1739) e a Vida de Henrique IV de França.

Em 1748, por intervenção e influência de Giovanni Battista Carbone, foi enviado por D. João V para Inglaterra, para onde partiu na companhia de António Freire de Andrade Encerrabodes, enviado à corte de Londres, para se aperfeiçoar nos estudos matemáticos e astronómicos. Tendo conhecimento da abertura de uma escola militar na Holanda, e ao pretender estudar ciências militares, pediu autorização para se mudar para aquele país. Entretanto, terá sido informado que a qualidade da escola não era a melhor e pediu nova autorização ao governo português para se transferir para Paris, onde se fixou em 1750. Na capital francesa, ingressou na casa de Joseph-Nicolas de l‘Isle, com quem estudou matemáticas, astronomia e geografia. De l‘Isle havia regressado recentemente de São Petersburgo onde dirigiu, a convite da Imperatriz Catarina I, o Observatório Astronómico da Academia Imperial da Ciências.

Segundo Jaime Cortesão, a verdadeira razão para enviar Soares de Barros para o estrangeiro prendeu-se com a necessidade de treinar especialistas aptos nas técnicas cartográficas, particularmente na determinação das longitudes. Cortesão argumentava que em 1748 já se desenhava a possibilidade de chegar a um acordo com a Espanha sobre os limites entre as duas coroas na América do Sul. Citava também uma missiva da correspondência diplomática com Paris, datada de 11 de Abril de 1750, onde eram dadas ordens para o regresso de Soares de Barros, logo que ele fosse capaz de “formar as cartas geográficas que se querem tirar do Brasil”.

Ao estudar com de l‘Isle, Soares de Barros passou a frequentar o Observatório da Marinha, instalado pelo astrónomo e geógrafo francês na torre do palácio de Clugny. Aí aprendeu a operar com instrumentos astronómicos, realizou observações com regularidade e foi companheiro de Charles Messier – mais tarde celebrizado como caçador de cometas, mas, sobretudo, como o grande obreiro do primeiro catálogo de nebulosas.

Em 1755 mostrou interesse em regressar a Portugal, mas ficou em Paris, encarregado por D. José de procurar e adquirir livros. Em 1759 já teria comprado mais de dois mil.

Em 1760 veio a Lisboa, para logo regressar a França, agora incumbido de missões secretas. O futuro marquês de Pombal, então ainda conde de Oeiras, utilizou-o como espião na corte francesa para obter informações sobre a Guerra dos Sete Anos; sobre possíveis negociações de paz; sobre as forças navais; o estado do comércio; as colónias da América, entre outros assuntos – Carvalho e Melo deveria conhecer bem algumas das contribuições de Soares de Barros, que foram publicadas no Journal des Sçavans, de que o futuro marquês era um leitor atento. A carta que Pombal escreveu a Soares de Barros, em 22 de Outubro de 1760, referia-se ainda detalhadamente à influência que este deveria exercer junto da corte de Paris de modo a enfraquecer a posição dos jesuítas e a “desconcertar as intrigas” do conde de Merle, defensor da Companhia de Jesus.

Soares de Barros foi nomeado secretário da Embaixada, em Outubro de 1760. Regressaria a Portugal no ano seguinte, sem autorização, e depois de uma relação conflituosa com o representante português em França, Pedro da Costa de Almeida Salema, que lhe valeria a hostilidade de Pombal e o fim da sua curta carreira política. Jérôme de La Lande na Bibliographie Astronomique, publicada em 1803, refere-se ao envolvimento de Soares de Barros num “affaire de Carvalho – Pombal”, em 3 de Setembro de 1758, tendo sido o “gentilhomme pórtugais” reabilitado a 3 de Setembro de 1781, fazendo pensar num processo judicial instaurado em França.

Pelos seus trabalhos astronómicos, foi eleito sócio correspondente da Academia Real das Ciências e Belas Letras de Berlim (em Janeiro de 1755) e da Academia das Ciências de Paris (em Setembro de 1757). O seu mentor, de l‘Isle, também terá ficado bem impressionado com as experiências de Soares de Barros com filtros coloridos. No artigo que o sábio francês publicou no Journal de Sçavans, em Julho de 1760, apresentando o seu Mapa-mundo relativo ao trânsito de Vénus de 1761, é defendida a combinação de filtros de Soares de Barros para obter uma imagem atenuada e branca do Sol. De l‘Isle sustentava que a utilização destes filtros era uma solução mais simples e fácil que a de Robert Hooke, proposta em 1676, que utilizava múltiplas reflexões em espelhos escuros.

Soares de Barros participou na primeira sessão pública da Academia das Ciências de Lisboa, realizada a 4 de Julho de 1780, na Casa das Necessidades. Na sessão preparatória de 16 de Janeiro fora eleito académico efetivo da classe de Ciências de Cálculo. Em 21 de Junho de 1789 passou a académico supranumerário. Apresentou a comunicação, que não chegou a ser impressa, Huas novas reflexões sobre o movimento progressivo da Luz pelos espaços celestes, na primeira sessão pública da Academia, onde alegava ter obtido um valor mais exato para a velocidade da luz no espaço sideral, a partir de observações dos satélites de Júpiter.

Realizou igualmente trabalhos demográficos sobre a população portuguesa, publicados nas Memórias Económicas (1789) e nas Memórias de Mathematica e Physica (1799) da Academia e que Albert Silbert destacaria pela sua originalidade. Em 1755, num texto escrito em Paris, insistia no carácter sistemático que estes estudos deviam assumir. Segundo Stockler, aplicou o cálculo de probabilidades às questões económicas e políticas relacionadas com a duração da vida humana.

Ao regressar a Portugal retirou-se para Sesimbra e, tanto quanto se sabe, abandonou os estudos astronómicos embora tenha continuado a atividade de filósofo natural, de naturalista e de erudito, estudando, entre outros problemas, as pescas e o sal de Setúbal, nomeadamente o modo de salgar o peixe e de extrair o óleo das sardinhas (Memórias económicas, tomo I). Realizou ainda estudos sobre os vestígios gregos e romanos na península de Tróia. Morreu em Lisboa, a 3 de Novembro de 1793.

“Observations et explications de quelques Phénomenes vus dans le passage de Mercure audevant du disque du Soleil observé à l’Hotel de Clugny à Pariz le 6 de May 1753, et leur application pour la perfection de l’Astronomie. Publiées par M. de l’Isle de l’Académie Royale des Sciences &c.", Paris, Aperiunt Nova, 1753; "Nouvelles équations pour la perfection de la Theorie des Satellites de Jupiter et pour la correction des Longitudes Terrestres déterminées par les Observations des memes Satellites", Mémoires de l’Académie Royale des Sciences et Belles-Lettres, Berlin, Academia Real das Ciências e Belas-Letras, 1755; "Lettre aus Auteurs des ces Mémoires sur des nouvelles découvertes en Physique", Mémoires Pour L’Histoire des Sciences et Beaux-Arts, Paris, Chez Chaubert/Herissant, 1757; "Lettre a Messieurs les Auteurs du Journal des Sçavans sur la navigation des Portugais aux Indes Orientales", Journal des Sçavans, Paris, Chez Michel Lambert, 1758; "Lettre a Messieurs les Auteurs du Journal des Sçavans avec l’extrait d’un Livre tres intéressant sur le Tramblement de terre de Lisbonne arrivé en 1755", Journal des Sçavans, Paris, Chez Michel Lambert, 1759; “Memoria sobre os grandes benefícios do Sal commum em geral, e em particular do Sal de Setúbal comparado experimentalmente com o de Cadiz, e por analogia com o de Sardenha, e o de França”, Memórias Económicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, t. I, Lisboa, Academia Real das Ciências de Lisboa, 1789, pp. 10-31; “Memoria sobre a causa da differente população de Portugal em diversos tempos da Monarquia”, Memórias Económicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, t. I, Lisboa, Academia Real das Ciências de Lisboa, 1789, pp. 123-151; “Obsequios devidos á Memoria de hum respeitavel Monarca, e aos créditos de hum Vassallo o mais benemérito”, t. V, Memórias de Literatura, Lisboa, Academia Real das Ciências de Lisboa, 1793, pp. 253-257; “Loxodromia da vida humana, ou Memoria em que se mostra qual seja a Carreira da nossa Espécie pelos espaços da nossa presente existência”, Memorias de Mathematica e Physica, t. II, Lisboa, Academia Real das Ciências de Lisboa, 1799, pp. 306-320.Processo académico, AH-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1780-01-16/JJSBV; La Lande, J. de, Bibliographie Astronomique; Avec L’Histoire de L’Astronomie Depuis 1781 Jusqu’à 1802, Paris, L‘Imprimerie de la République, 1803; Stockler, F. de B. G., Elogio de José Joaquim Soares de Barros e Vasconcellos, Leorne, Typographia de Raphael Giusti, 1897; Lynn, W. T., “Correspondence. Joseph Nicolas Delisle”, The Observatory, n. 330, 1903, 175-177; Ferrão, A., Ribeiro Sanches e Soares de Barros: Novos elementos para as biografias dêsses académicos, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1936; Carvalho, R. de, Relações Científicas do Astrónomo Francês Joseph-Nicolas de l’Isle com Portugal, Coimbra, Atlântida Editora, 1967; Silbert, A., “José Joaquim Soares de Barros e Vasconcelos”, Serrão, Joel (ed.),Dicionário de História de Portugal, vol. 1, 308, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1975; Cortesão J., Alexandre de Gusmão e o tratado de Madrid, 2 vols., Lisboa, Livros Horizonte, 1984; Carvalho, R. de, A Astronomia em Portugal no Século XVIII, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1985; Gingerich. O., “The mysterious nebulae, 1610-1924”, The Great Copernicus Chase and other adventures in astronomical history, Cambridge/Mass., Sky Publishing Corporation/Cambridge University Press, 1992, 225 - 237; Carvalho, R. de, Atividades Científicas em Portugal no Século XVIII, Évora, Universidade de Évora, 1996.Luís TirapicosPortuguesaSócio efetivo: 16.1.1780; supranumerário: 21.6.1780.Ciências de Cálculo