Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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GalvãoJoaquim (Fr.) de Santo Agostinho de Brito FrançaFr. Joaquim de Santo AgostinhoTaviraLustosaAbade de Lustosa, historiador e polemista. Sócio efetivo.Fr. Joaquim de Santo Agostinho.pngFr. Joaquim de Santo Agostinho de Brito França Galvão (1767 – 1845). Retrato a óleo. Autor desconhecido. Paróquia de Lustosa.ass_Fr.-Joaquim-de-St.-Agostinho.png

Entre os primeiros colaboradores da Academia Real das Ciências de Lisboa salientou-se Fr. Joaquim de Santo Agostinho de Brito França Galvão, igualmente conhecido como Fr. Joaquim de Santo Agostinho, o qual desempenhou um papel relevante como historiador, tradutor, polemista e enquanto prelado. Era filho de José Xavier de Brito e de D. Ana Escolástica Gertrudes França, os quais, embora não sendo abastados, lhe providenciaram a melhor educação, granjeando fama como aluno exemplar desde cedo.

Abraçando a sua vocação eclesiástica tornou-se eremita de Santo Agostinho, cuja regra professou em junho de 1783, no Convento da Graça, em Lisboa. Em outubro desse ano começou a estudar filosofia e sagrou-se frade eremita calçado no Colégio de Santo Agostinho em Coimbra, onde lecionou Poética e Retórica durante alguns anos. De seguida, e após destacar-se como aluno premiado, licenciou-se em Teologia pela Universidade de Coimbra (1793). Três anos depois, por nomeação do cardeal-patriarca de Lisboa, foi nomeado professor de Ética e Direito Natural no Seminário de Santarém. Em 1798, requereu a transição para freire conventual da Ordem de São Bento de Avis e, no ano seguinte, era designado abade de Santiago de Lustosa, no Arcebispado de Braga.

Integrou uma comissão de académicos, entre os quais estavam João Pedro Ribeiro, e Fr. Joaquim de Santa Rosa Viterbo, incumbidos pela Academia Real das Ciências de Lisboa, entre 1788 e 1794, sob a direção do secretário da Academia, abade José Correia da Serra, de examinar e inventariar os acervos documentais dos cartórios do reino. A Fr. Joaquim de Santo Agostinho coube a tarefa - que desempenhou parcialmente - de examinar os cartórios do Algarve, de Beja, do mosteiro de Alcobaça e de São Vicente de Fora e do senado de Lisboa. Ao Algarve deslocou-se duas vezes (1790-1791), reunindo as suas indagações num total de três volumes manuscritos, atualmente conservados na Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa (Série Azul, mss. 402, 403 e 404).

As suas contribuições académicas ser-lhe-iam reconhecidas, sendo eleito académico correspondente em 1789, seguindo-se a sua eleição como académico livre (17.03.1794), depois académico efetivo (13.01.1798) na classe de Literatura Portuguesa e, por último, retomando a académico livre (10.11.1834).

Sendo natural de Tavira, privilegiou o estudo do cartório local, embora fosse profundo conhecedor dos espólios noutras localidades. Descobriu e divulgou publicamente a Crónica da Conquista do Algarve, de autoria desconhecida, mas correntemente atribuída a Fernão Lopes. Assim, esta Crónica é uma das poucas fontes históricas sobre a tomada do Algarve (1249), sendo, inclusive, um dos melhores espécimes da antiga prosa portuguesa.

Descoberto em 1788, esse texto anónimo e sem data, relata um dos episódios mais complexos da História de Portugal. As informações contidas nesta narrativa, embora possam ser erróneas, fornecem um manancial histórico insubstituível. Nesse sentido, Fr. Joaquim de Santo Agostinho preocupou-se em divulgar uma fonte histórica aos leitores das Memorias de Litteratura Portugueza, a qual, que embora não inteiramente inédita, apresentava ligeiras variantes em comparação com outros códices originais.

No final do primeiro volume das Memorias da Litteratura Portugueza podemos encontrar um contributo de Fr. Joaquim de Santo Agostinho quanto à utilidade da numismática para o estudo da História e, fundamentalmente, na construção da memória histórica nacional e ultramarina. Deste modo, contribuiu para que a Academia Real das Ciências de Lisboa incentivasse o estudo numismático e a sua inventariação nos cartórios nacionais.

O terceiro e último apontamento académico de Fr. Joaquim de Santo Agostinho de Brito França Galvão para as Memorias de Litteratura Portugueza foi lido em sessão pública na Academia a 30.7.1794. Tratava-se, efetivamente, de uma súmula dos resultados alcançados nas suas inspeções aos arquivos e cartórios do Mosteiro de Alcobaça, discorrendo sobre os códices manuscritos do seu espólio. Recordando as polémicas que marcaram a história do cartório de Alcobaça, assinalou veemente os extravios e perdas de livros, códices e documentação ao longo dos séculos. Esta memória contém igualmente uma crítica expressa aos juízos historiográficos de Fr. Bernardo de Brito (1569-1617), o que causou alvoroço entre os monges cistercienses de Alcobaça. Em 1799, recebeu a nomeação que acolheu, de início, com alguma contrariedade, para Abade de Lustosa, tomando posse no ano seguinte e desenvolvendo depois uma intensa atividade apostólica nessa região.

Enquanto autor das Reflexões sobre o Correio Braziliense, Fr. Joaquim de Santo Agostinho moveu uma reação enérgica contra aquele periódico editado em Londres, sob a redação de Hipólito José da Costa (1774-1823), ainda que os 18 números de tais Reflexões fossem publicados anonimamente. Debruçando-se sobre um ano editorial do Correio Braziliense, sobretudo entre 1809 e 1810, refutou-o detalhadamente, artigo por artigo. Não obstante, tais manifestações só contribuíram para aumentar a popularidade daquele que é considerado atualmente o primeiro periódico brasileiro.

A proibição, pela Coroa, da entrada do Correio Braziliense em Portugal e no Brasil, tornou-o ainda mais popular e contrabandeado, de nada adiantando os editais de proibição emitidos até 1817. As Reflexões sobre o Correio Braziliense foram impressas a expensas do Governo português e, como reconhecimento deste trabalho, Fr. Joaquim de Santo Agostinho foi nomeado comendador honorário da Ordem de S. Bento de Avis por D. João VI, a 23 de setembro de 1823.

Em 1814, traduziu A Voz da Natureza sobre a Origem dos Governos, desconhecendo-se a sua autoria, confirmando, deste modo, as suas competências como tradutor. Com a Revolução Liberal de 24.8.1820, fez parte da comissão encarregue de publicar os capítulos das antigas Cortes pela Academia Real das Ciências, não logrando tal intento devido às convulsões política do Vintismo. Eleito deputado às Cortes Constituintes, foi governador e vigário apostólico de Bragança durante a prisão do respetivo prelado. Recolhido à abadia de Lustosa, prosseguiu, infatigável, as suas investigações históricas.

Com o final das lutas liberais e a consequente extinção das ordens religiosas e militares, Fr. Joaquim de Santo Agostinho viveu fortes necessidades materiais. Já com idade avançada e gravemente doente, consta-se que faleceu em virtude de uma pneumonia, a 4.7.1845, com 78 anos de idade. Em 6 de Junho, foi sepultado no altar-mor da igreja de Lustosa, onde existiu uma lápide evocativa em sua memória.

O primeiro contributo biográfico, sob a forma de elogio fúnebre, foi da autoria do académico João Baptista da Silva Lopes (1845), permanecendo ainda inédito (Baião, 1957). Paralelamente à sua intervenção política, assim como a sua colaboração periodista, os estudos históricos de Fr. Joaquim de Santo Agostinho permanecem uma prova evidente da sua enorme erudição.

“Memoria sobre huma Chronica inedita da Conquista do Algarve”, Memorias de Litteratura Portugueza, tomo I, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1792, pp. 74-97; “Memoria sobre as Moedas do Reino, e Conquistas”, Memorias de Litteratura Portugueza, tomo I, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1792, pp. 344-432; “Memoria sobre os Codices Manuscritos, e Cartorio do Real Mosteiro de Alcobaça”, Memorias de Litteratura Portugueza, tomo V, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1793, pp. 297-362; Resposta ao opusculo intitulado Exame critico sobre a Memoria academica, que o R.mo P.M. Fr. Joaquim de S. Agostinho offereceo á Real Academia das Sciencias de Lisboa em 4 de Julho de 1794, e que corre impressa no tom. V da Literatura portugueza a folhas 297... Lisboa, na Offic. da Academia Real das Sciencias, 1800; BACL, Série Azul, mss. 402, 403 e 404; Proposições d’Ethica e Direito Natural, Lisboa, Officina da Academia Real das Ciências, 1796; Reflexões sobre o Correio Braziliense, n.os 1-18, Lisboa, Impressão Régia, 1809; Apologia do Periodico, que tem por titulo, Reflexões sobre o Correio Brasiliense, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1810 (autoria provável); A Voz da Natureza sobre a Origem dos Governos, tradução de Fr. Joaquim de Santo Agostinho, vols. I-II, Lisboa, Impressão Régia, 1814 (1.ª edição: Londres, 1809).Processo académico, AH-ACl, PT/ACL/ACL/C/001/1789/JSABFG; Lopes, João Baptista da Silva, In memoriam de Joaquim de Santo Agostinho Brito frança Galvão, BACL, ms. Azul 1875; Baião, António, “O elogio académico de Fr. Joaquim de Santo Agostinho, um inédito de João Baptista da Silva Lope”, separata de Correio do Sul, Faro, (s. n.), 1957; Dias, Eurico Gomes, “Joaquim de Santo Agostinho de Brito França Galvão [1767-1845]”, Memorias de Litteratura Portugueza [1792-1814]: os Homens e as Letras na Academia Real das Ciências de Lisboa, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, pp. 499-545; Dias, Eurico Gomes, Representações da Idade Média na imprensa periódica portuguesa entre a Restauração e a Revolução Liberal, Lisboa, Caleidoscópio, 2017, pp. 326-37; Machado, Joaquim Pedro, “Crónica da Conquista do Algarve (Texto de 1792)”, in Anais do Município de Faro. Boletim Cultural, n.º 8, Faro, CMF, 1978, pp. 239-274; Magalhães, Joaquim Romero de, “Uma interpretação da Crónica da Conquista do Algarve”, in Actas das II Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval, vol. I, Porto, Instituto Nacional de Investigação Científica/Centro de História da Universidade do Porto, 1987, pp. 123-133; Nunes, Manuel e Lemos, Paulo, Lustosa: Património e Identidade, Lousada, Junta de Freguesia de Lustosa, 2013; Serrão, Joaquim Veríssimo, A Historiografia Portuguesa. Doutrina e Crítica (Século XVIII), vol. III, Lisboa, Editorial Verbo, 1974, pp. 211, 237-240.Eurico Gomes Dias (ICPOL-ISCPSI)PortuguesaSócio correspondente; livre: 17-03-1794; efetivo: 13-01-1798; livre: 10-11-1834.Literatura Portuguesa