Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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BrandãoJoaquim (Fr.) de Santa ClaraPortoMonge beneditino, professor de teologia na Universidade de Coimbra, deputado da Junta da Diretoria Geral dos Estudos do Reino, arcebispo de Évora. Sócio honorário.Frei_Joaquim_de_Santa_Clara,_Mosteiro_de_Tibães.pngD. Frei Joaquim de Santa Clara Brandão (1740-1818). Retrato a têmpera de autor desconhecido, Mosteiro de Tibães (conc. de Braga)A2.ASS-Santa-Clara-Brandao.png

Batizado na freguesia da Sé, no Porto, como Joaquim José Lopes, era filho de um militar, o capitão Valério José Lopes e de Jacinta do Nascimento, família portuense de algumas posses. Teve como mestre de primeiras letras, numa educação de cariz doméstico, como ainda era usual na época, o padre António Vieira Transtagano, com quem se iniciou nos estudos das línguas francesa e inglesa, bem como nos primeiros rudimentos da filosofia e da matemática.

Aos 16 anos, em março de 1757, seguindo um percurso que também visava a projeção de filhos secundogénitos da sua família, recebeu o hábito de monge da prestigiada, antiga e rica ordem beneditina, no Mosteiro de Tibães. Não foi, aliás, o único membro da família a seguir a carreira religiosa. O irmão Bartolomeu Brandão integrou os eremitas de Santo Agostinho, comprovando estratégia familiar para colocar gente sua em distintas instituições.

Do cenóbio passou à Universidade de Coimbra, onde realizou a 1ª matrícula na Faculdade de Teologia a 1 de outubro de 1765, gesto que repetiu nos anos subsequentes até 1770, vindo a alcançar o grau de bacharel formado a 27 de julho de 1771. Entre 1771 e 1778 - ciclo em que a instituição universitária se confrontou com as profundas mudanças das reformas desencadeadas pelo marquês de Pombal - o jovem clérigo não se matriculou. Nestes anos, marcados pelos novos Estatutos, ditos pombalinos (1772), os atos de imposição de insígnias estiveram suspensos, pelo que Joaquim de Santa Clara, voltou à Universidade mais tarde, e nela alcançou as insígnias de doutor em Teologia, em cerimónia celebrada a 28 de dezembro de 1778.

Entretanto, a partir de abril de 1765, aproveitou os anos iniciais de estudante em Coimbra, para receber as ordens sacras maiores, das mãos do bispo da diocese conimbricense, depois de examinado pelo abade da sua Ordem, como era costumeiro. O último grau, o presbiterado, foi-lhe conferido em 1766.

Joaquim de Santa Clara distinguiu-se como professor de grego e hebraico, línguas indispensáveis para a formação de um exegeta bíblico em tempos de catolicismo ilustrado. Ensinou hebraico tanto a monges beneditinos em mosteiros da sua Ordem de S. Bento, no Colégio de S. Bento de Coimbra (desde 1769), como na Universidade de Coimbra, a partir de 1781, ano em que assumiu o encargo de lente substituto, até 1793. Foi ainda leitor de Teologia no Colégio de S. Bento desde 1774. Na Universidade, foi provido como lente da 2ª cadeira de Exegética do Novo Testamento a partir de março de 1794 e chegaria a 1º lente da Faculdade de Teologia, da qual foi diretor (1808-1813).

Alguns dos seus biógrafos assinalam a sua boa preparação enquanto exegeta bíblico e filólogo do Antigo e do Novo Testamento. Aliou o cultivo das línguas clássicas e orientais, bem como o da Teologia, ao estudo de ciências exatas e experimentais (Matemática e Física), à época denominadas filosofia natural, domínios de conhecimento que, por estes anos, alcançavam lugar de destaque na Universidade reformada, e que ele também ensinou a estudantes beneditinos e seculares, sempre no Colégio de S. Bento (a partir de 1771). Todavia, o campo em que mais se destacou foi a oratória sacra, qualidade que ditou ter sido distinguido com a função de pregador régio, a partir de 17 de novembro de 1790, já no reinado de D. Maria I.

De entre os muitos sermões que proferiu, destaca-se, até por comprovar as suas vinculações ao marquês de Pombal, o dito na vila de Pombal, perto de Coimbra, nas exéquias deste ministro de D. José I, em 1782. Teria sido indicado para assumir este empenho pelo reitor e reformador da Universidade D. Francisco de Lemos, com quem o lente manteve correspondência amistosa e laços de submissão. Naquela peça deixou inequívoco testemunho de quanto admirava o poderoso ministro de D. José que, em 1777, após a morte do rei, se retirara e fora afastado pela rainha D. Maria I. No intróito terá dito algo semelhante ao que se segue: “O Marquês de Pombal é morto. O sábio, o laborioso, o intrépido ministro; o homem extraordinário que a Providência tinha tirado dos seus tesouros para combater contra as desgraças do seu século. O Marquês de Pombal é morto. Mas a profundidade dos seus conhecimentos, a extensão da sua alma, a lembrança dos seus longos trabalhos, a imagem sempre presente dos seus grandes serviços, a utilidade e a felicidade pública, poderão fazer parar a rapidez dos seus anos, pondo-os, como em depósito, no seio dessa glória incor¬ruptível, que o fará imortal em todas as idades.”

Soube Joaquim de Santa Clara adaptar-se à nova conjuntura político-religiosa aberta pelo reinado de D. Maria I, o que foi apanágio de vários religiosos e clérigos do seu tempo, que procuraram transitar incólumes entre o serviço e subordinação a Pombal e a integração no corpo dos agraciados pela nova rainha.

Em 22 de maio de 1780 tornou-se sócio correspondente da recém-criada Academia Real das Ciências de Lisboa, supranumerário desde 2 de outubro desse ano e, por fim, honorário, de 8 de abril de 1817 até à sua morte. Em data incerta foi admitido na Academia de Lovaina.

O seu estatuto de professor universitário e académico da prestigiada Academia das Ciências, conferia-lhe distinção entre os beneditinos, ordem que marcou. Em 1786, foi eleito diretor dos estudos da sua congregação, tendo preparado um novo plano de formação para os monges. Depois foi abade reitor do Colégio de S. Bento de Coimbra (1798-1801). Nesta fase, sobretudo após a compilação do Plano e Regulamentos dos Estudos (1789), a cuja conceção Santa Clara Brandão esteve ligado, a congregação afinara esta reforma com a que Pombal preconizara para a Universidade e os claustros dos seus mosteiros receberam livros de autores iluministas, incluindo a célebre Enciclopédia. A aceitação da teologia positiva, por oposição à especulativa de matriz escolástica, e outros aspetos caros ao racionalismo iluminista noutras áreas do saber caraterizam o Plano e espelham as afeições intelectuais de Santa Clara Brandão.

Desde 1794, foi deputado da Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros, órgão que substituiu a Real Mesa Censória. Nos anos subsequentes manteve estreita ligação ao aparato censório da Coroa, nomeadamente quando, em 1799, assumiu a função de deputado na recém-criada Real Junta da Diretoria dos Estudos e Escolas do Reino, que além de funções censórias tinha incumbências de reforma e direção dos estudos menores, isto é, pré-universitários. Manteve a função, que o forçava a passar algumas temporadas em Lisboa, até assumir o lugar de arcebispo de Évora.

Entre os seus textos mais relevantes destaca-se o Conspectus Hermeneuticae Sacrae Novi Testamenti (Conspecto da Hermenêutica Sagrada do Novo Testamento), o qual serviu como espécie de compêndio do ensino da teologia na Universidade conimbricense entre 1808 e 1858.

Apesar de ter sido censor, também viu textos seus censurados, o que não era caso singular. O mais relevante foram umas teses de filosofia racional e moral que a Real Mesa Censória impediu fossem publicadas em 1783, numa fase em que algumas das ideias caras ao cartesianismo, racionalismo filosófico e ao iluminismo católico, as quais Brandão perfilhava, suscitavam oposição em círculos próximos da corte régia.

Numa fase de grande instabilidade social, económica e política provocada pelas invasões francesas e pela ida da corte régia para o Rio de Janeiro, Joaquim de Santa Clara recebeu a sua maior distinção. No dia 25 de julho de 1814 foi informado de que D. João, príncipe regente, o escolhera para arcebispo de Évora, a maior e mais rica diocese de Portugal. A nomeação régia encontrou forte oposição na Santa Sé, entre outros motivos pela pressão da Companhia de Jesus, nesta fase já reabilitada depois da sua extinção. Esta resistência romana, decorria da proximidade e afeição que, décadas antes, o agora nomeado arcebispo tivera com o Marquês de Pombal, responsável pela expulsão dos jesuítas de Portugal (1759), e forte instigador de iniciativas que acabariam por implicar a extinção papal da Companhia de Jesus (1773). Em abril de 1816, Joaquim de Santa Clara, pressionado por autoridades romanas, escreveu ao papa a retratar-se das ideias elogiosas de Pombal e das suas políticas, bem como a assegurar a sua aceitação das doutrinas e diretrizes emanadas da Santa Sé, nomeadamente condenando as teses do célebre Sínodo de Pistoia, encontro clerical que, em 1786, reunira naquela cidade italiana vários eclesiásticos adeptos do jansenismo e de políticas de cariz regalista. Sanadas as dificuldades, incluindo a que a redação desta carta causou junto do príncipe regente e até resistências entre a sua Ordem, acabaria por ser preconizado pelo papa nesse ano se 1816 e fez a sua entrada solene no arcebispado em 6 de novembro de 1816.

Teve um breve e pouco relevante episcopado. Faleceu em Évora, em 11 de janeiro de 1818, e jaz sepultado na catedral da cidade.

Conspectus Hermeneuticae Sacrae Novi Testamenti. Analysis Hermeneutica Historiae Harmonicae quatuor Evangeliorum. Analysis generalis Evangeliorum secundum Lucam et secundum Joannem. Conimbricae: ex Typographia Academico-Regia, 1827; Correspondência da Academia Real das Sciencias desde 1780 até 1790. BACL, ms. Azul 1994; Oração fúnebre pronunciada nas exequias solemnes que fez ao Excelentissimo Senhor o Senhor D. frei Manoel do Cenáculo Villas-Boas, arcebispo de Évora, Lisboa, na Regia Offcina Typografica, 1799; Oração que nas exequias do Marques de Pombal recitou o Padre Frei Joaquim de Santa Clara, monge benedictino, e lente da Universidade de Coimbra. [1782], BNP, ms., PBA, 50 (Acessível em https://purl.pt/38000 (28/12/23); a primeira versão impressa data de 1811; a segunda pode ver-se no Investigador Portuguez, LXXIII, Julho de 1817, pp. 3-15; Preleções sobre o Testamento Novo, Coimbra, 1796, BACL, ms. Azul 143.Processo Académico, AH-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1780-05-22/JSCB; Brigola, João, “D. Frei Joaquim de Santa Clara Brandão - um beneditino ao serviço de Pombal”, Actas do Congresso de História. IV Centenário do Seminário de Évora, Évora, [s. n.], 1994, vol. I, pp. 521-528; Guerreiro, J. Alcântara, Galeria dos prelados de Évora, Évora, Gráfica Eborense, 1971; Miller, Samuel J., “D. Frei Joaquim de Santa Clara (1740-1818) and later Portuguese Jansenism”, The Catholic Historical Review, 69, 1, 1983, pp. 20-40; Oliveira, Paulo João da Cunha, “As relações entre Portugal e a Santa Sé entre 1814 e 1816”, Actas do 4º Congresso Histórico de Guimarães. Do Absolutismo ao Liberalismo, Guimarães, Câmara Municipal, 2009, pp. 250-264; Ramos, Luís A. de Oliveira, “Um intelectual de Setecentos. D. Frei Joaquim de Santa Clara Brandão”, Lucerna. Homenagem a D. Domingos de Pinho Brandão, Porto, Centro de Estudos Humanísticos, 1984, pp. 523-523; Rodrigues, Manuel Augusto, “Frei Joaquim de Santa Clara Brandão, Lente da Universidade de Coimbra e arcebispo de Évora”, Theologica, 20, (1-4), 1985, pp. 239-316; Rodrigues, Manuel Augusto (dir.), Memoria Professorum Universitatis Conimbrigensis 1772-1937, Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, 1992.José Pedro PaivaSócio honorário: 8.4.1817.LetrasSócio correspondente: 22.5.1780; sócio supranumerário: 2.10.1780; sócio honorário: 8.4.1817.