Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

DHB

LoureiroJoão deLisboaPadre jesuíta, missionário e naturalista. Sócio efetivo na classe de Ciências Naturais.

Nascido em Lisboa, Loureiro fez a sua formação no Colégio de Santo Antão, tendo entrado na Companhia de Jesus em 1732. Cerca de três anos depois parte em missionação para o Oriente. Em 1735 está em Goa, onde permaneceu durante três anos; em 1738 deslocou-se para Macau e, em 1742, partiu para uma missão na Cochinchina (região do mundo que englobava o que é hoje o Vietname do Sul e parte oriental do Camboja) onde os Jesuítas Bucconi e Carvalho tinham instalado a 1ª missão em 1615.

Cultivando o estudo das humanidades e, em particular das línguas, João de Loureiro falava e escrevia em latim, português, inglês, chinês e anamita. Enquanto em Goa e Macau adquiriu conhecimentos vários incluindo sobre as drogas da Índia. Loureiro, ao chegar à Cochinchina soube integrar-se na comunidade local, passando a dominar a língua anamita e o cochinchinês, tendo elaborado um Dicionário Anamita -Português.

O país era hostil aos europeus e à evangelização, mas as suas capacidades intelectuais e a maneira de se integrar naquela região fizeram com que viesse a gozar de grande aceitação na corte onde veio a ser matemático e naturalista do Rei e diretor dos Estudos Físicos e Matemáticos do Reino, sendo-lhe, no entanto, vedada a prática de evangelização em espaços públicos. Nesta condição, João de Loureiro, familiar com obras de astronomia, com o tratado de Newton e outras obras sobre matéria de ciência do seu tempo, determinou astronomicamente a posição geográfica de Hue, capital da Cochinchina, e de outras cidades. Calculou os eclipses que deviam ser vistos entre 1752 e 1774.

Gozou da simpatia dos populares que evangelizou através da medicina e interveio como mediador de negociações comerciais e outras. Conhecedor das drogas da Índia e, tendo consigo alguns materiais daí provenientes e terminados os materiais/remédios que trouxera, João de Loureiro recolheu informações junto das populações locais sobre as plantas utilizadas em medicina tradicional e testou a sua aplicação em doentes, tendo-se feito passar por médico para mais facilmente poder atingir os seus objetivos como missionário.

Desde então começou a herborizar, a recolher e identificar as plantas cujo interesse medicinal era conhecido e de outras que ia coletando. Para concretizar a sua intensão de busca de conhecimento botânico daquelas paragens, João de Loureiro contou com a amizade do capitão escocês Thomas Riddel que lhe levava da Europa livros de botânica e em particular o importantíssimo tratado Species Plantarum (1753) do reputado naturalista botânico, zoólogo e médico sueco Lineu (Carl von Linné), a quem se deve a criação da nomenclatura binomial e os princípios de classificação científica, fundamentais para a classificação das diferentes plantas.

Possuidor de informação sobre os usos das plantas da região, munindo-se de bibliografia botânica de excelência como o atrás referido Species Plantarum de Lineu, dotado de particular capacidade de observação, João de Loureiro, enquanto na Cochinchina, revelou-se um verdadeiro sistemata ao descrever e classificar, com rigor, 185 novos géneros (englobando 1500 espécies das quais 564 provenientes da China e 697 do atual Vietname e sudoeste asiático). Outras provêm do Zanzibar, Filipinas e Samatra ou de Moçambique.

Como resultado da sua passagem e estadia em Moçambique durante três meses, João de Loureiro aproveitou para herborizar nessas paragens estabelecendo comparações entre a flora desta região e a conhecida da Cochinchina, o que resultou na descrição de diferentes espécies da flora local. Manteve relações privilegiadas com, Joseph Banks, presidente da Royal Society–Londres, também botânico, com quem mantinha estreitas relações científicas e a quem enviava material e com quem discutia opiniões. Numa carta para Joseph Banks, João de Loureiro dá conta do envio de um texto e transmite o desejo e pedido de publicação da nota sobre Nova Genera Plantarum. A relação especial que tinha com Sir Joseph Banks, permitia-lhe esclarecer dúvidas e enviar espécimes de herbário sobre os quais trocava impressões. Do conjunto de materiais colecionados, João de Loureiro terá enviado para Inglaterra e Suécia cerca de 60 folhas de herbário de espécies até então desconhecidas e depois mais uma nova coleção contendo 230 novas plantas. Tal procedimento fez com que grande parte dos espécimes de herbário da coleção de João de Loureiro se encontrem em importantes herbários nomeadamente de Inglaterra e Suécia. Uma outra parte considerável encontra-se em França (Museum National d’Histoire Naturelle de Paris) para onde foi levada por Ettienne Geoffroy Saint-Hilaire, em 1808, na sequência das invasões napoleónicas em Portugal. Da sua importante obra constam: 12 volumes de manuscritos inéditos, escritos em papel da China, contendo informações históricas; dois volumes com desenhos de minerais, plantas e animais e dois com 397 desenhos coloridos de plantas com os nomes científicos em latim e vulgares regionais em diferentes línguas; uma flora iconográfica da Cochinchina escrita em língua anamita e um dicionário anamita-português.

Em 1779, João de Loureiro sai para Cantão, regressando depois a Lisboa, onde chega, em 1782, com a sua monumental obra, a Flora Cochinchinensis: Sistens Plantas in Regno Cochinchina Nascentes. Nesta extensa obra publicada em dois volumes pela Academia Real das Ciências de Lisboa em 1790, Loureiro descreve e classifica 185 novos géneros e cerca de 1300 novas espécies e, sempre que possível, enumera as suas aplicações medicinais. Nestes novos taxa, se incluem espécimes da China, Índia, Sudeste Asiático e África Oriental, dos quais 564 pertenciam ao Património Natural da China e 697 ao Vietname e Sudeste Asiático e a outras regiões de países como Zanzibar, Filipinas, Samatra, Madagáscar e África tropical. Nela inclui, para lá da matéria botânica, importantes informações sobre a sociedade e a cultura que conheceu e frequentou durante mais de três décadas da segunda metade do século XVIII.

Com João de Loureiro a botânica europeia viu descritas, pela primeira vez, floras do oriente e dos novos mundos ocidentais e desenhadas espécies até então desconhecidas. João de Loureiro foi nomeado sócio da prestigiada Royal Society de Londres e, mais tarde, académico supranumerário da Academia Real das Ciências de Lisboa em 4 de abril de 1781 e sócio efetivo em 1787.

Graças ao seu trabalho e aos contatos que manteve com eminentes naturalistas botânicos do seu tempo foi considerado um dos maiores botânicos europeus do século XVIII e o grande especialista em flora asiática, merecendo particular apreço na Europa, em particular em Portugal, Alemanha, Inglaterra e Suécia.

Não se pense que Loureiro ignorou o estudo de espécies com aplicações outras que não a medicina. Damos como exemplo o caso da descrição de uma espécie de petrificação animal (Loureiro, 1799) que terá sido a primeira descrição de um fóssil, ou do algodoeiro sobre as quais apresentou comunicações à Academia Real das Ciências de Lisboa, dando nota, no caso do algodoeiro, do interesse da sua produção em Portugal justificando e tecendo pormenores sobre a sua cultura.

A sua atividade científica estendeu-se à matemática, astronomia e à medicina. São disto testemunho as muitas comunicações que apresentou à Real Academia das Ciências de Lisboa, e à Real Society de Londres da qual também era membro. Pelo que atrás ficou dito, não nos parece demais assinalar que João de Loureiro para lá do seu mister de missionário deixou uma marca importante para a ciência botânica em Portugal e no Mundo. A Flora Cochinchinensis constitui uma referência na história da botânica, da etnobotânica e da farmacopeia mundial. Por outro lado, é hoje um repositório de conhecimento botânico do passado com particular importância para a avaliação das potencialidades da biodiversidade o do estado de conservação das espécies de floras tropicais. O trabalho de João de Loureiro, dando a conhecer espécies da Cochinchina, China e Moçambique, para lá de constituir uma obra particularmente importante do ponto de vista do conhecimento botânico, etnográfico e medicinal, levou a um aumento considerável do número de espécies descritas de novo e conhecidas, permitindo, à data, a difusão do conhecimento local / regional asiático e africano a uma escala global.

Flora Cochinchinensis, sistens Plantas in reyno Cochinchinæ nascentes. Quibus accedunt aliæ observatæ in Sinensi imperio, Africæ orientalis Indiæque locis variis, omnes dispositae secundum systema linneanum: Jussu Acad. R. Scient. in lucem edita, Ulyssip., 1790; Idem, cum notis C. L. Wildonaw, Berolini, 1793; “Memória sobre o algodão, sua cultura e fábrica”, Memórias Economicas da Real Academia das Sciencias, Lisboa, Na Officina da Academia Real das Sciencias, 1789, pp. 32 – 40; “Memória sobre a transplantação das árvores mais úteis dos países remotos”, Idem, pp. 152 – 163; “Da Incerteza Que Ha Acerca da Origem da Gomma Myrrha. Dá-se noticia de hum arbusto, que tem as mesmas qualidades, e virtudes”, Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo I, Lisboa, Na Typografia da Academia, 1797, pp. 379 – 387; “Memoria sobre a natureza e verdadeira origem do Páo de Aguila”, Idem, pp. 402 – 415; “Memoria sobre uma espécie de petrificação animal”, Memórias de mathematica e phisica da Academia R. das Sciencias de Lisboa, Tomo II, Lisboa na Typographia da Academia, 1799, pp. 47 - 55; “Exame Phisico, e Historico. Se ha, ou tem havido diversas especies de homens”, Idem, pp. 56 – 81; “Descripção Botanica Das Cúbebas Medicinaes”, Idem, pp. 82 – 87; “Consideração phisica e botanica da planta Aerides, que nasce e se alimenta no ar”, Idem, pp. 88 – 98; “Observationes Astronomicae in regno Cochinchinae habiae”, Memorias de Mathematica e Physica, tomo III, parte 2, Lisboa, Na Typografia da mesma Academia, 1814, pp. 1 – 6. Processo Académico, AH-ACl,PT/ACL/ACL/C/001/1781-04-04/JL; Franco, J. A., “Datas de nascimento e óbito do Pe. João de Loureiro”, Sep. de Anuário da Sociedade Broteriana, ano 34 (Dez. 1968), p. 11-17; Banks, J. , “Exemplar epistolar a Josepho Banks ad P.J. Loureiro missam anno 1780”, Brotéria, vol.5, 1906, pp. 112-113; Hooker, J. D. and Thomson, T., Flora Indica: Being a Systematic Account of the Plants of British India, Together with Observations on the Structure and Affinities of their Natural order ang genera, London, W. Pamplin, 1855; Merrill, E. D., “A Commentary on Loureiro's "Flora Cochinchinensis"”, Transactions of the American Philosophical Society, New Series, Vol. 24, No. 2, 1935, pp. 23-28; “Exemplar literarum Danielis Solander ad P.J. Loureiro anno 1780 datarum”, Brotéria, vol.5; 1906, p.113; Gomes, B. A., “Elogio histórico do Padre João de Loureiro”, Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, Nova Série, tomo 4, parte 1, Lisboa, 1872, pp. 1-31; “João de Loureiro, Portuguese botanist (p.177) to Joseph Banks” in Lysaght, A. M. (ed.), Joseph Banks in Newfoundland and Labrador, 1766. His Diary, Manuscripts and Collections, Berkley and Los Angeles, University California Press, 1971, p. 270.Maria Salomé PaisPortuguesaSócio efetivoCiências NaturaisSócio supranumerário (4.4.1781); sócio efetivo (1787).