Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

DHB

FrancoFrancisco SoaresLouresLisboaProfessor de Medicina na Universidade de Coimbra, conselheiro e médico da Real Câmara, deputado às Cortes Constituintes, fundador e 1º Presidente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa. Sócio efetivo na classe de Ciências Naturais.A2.---Ass-Francisco-Soares-Franco.png

Filho de António Soares e de Laureana Rosa Franco, nasceu em Loures, no seio de uma família humilde, como o próprio lembrava: “Eu sou, d'um país em que é o donatário a Casa de Bragança: a gente da minha família abandonou a terra em que pagava um quarto, porque o não podia pagar...” (Diário das Cortes, 1821).

A reforma pombalina do ensino na Universidade de Coimbra constituiu um veículo de promoção social através do conhecimento técnico e científico, no que se fundamentou em modelos educativos inspirados na física de Newton e na filosofia de John Locke. Com esse propósito, Pina Manique criou, em Coimbra, o Colégio de S. João de Deus, proporcionando aos tutelados da Casa Pia frequentar cursos de ciências naturais e de medicina na Universidade, do que Francisco Soares Franco pode beneficiar. Pela reforma de 1772, o curso de Medicina ministrado na Universidade de Coimbra passou a incluir uma formação obrigatória em outras áreas do conhecimento. Soares Franco, que teve matrícula prévia nas Faculdades de Filosofia (1785) e de Matemática (1787), cumpriu o ciclo de estudos com distinção e obteve licenciatura em Medicina em 1790.

O doutoramento, em 13.02.1797, abriu a Soares Franco as portas da carreira académica onde teve uma rápida ascensão: lente substituto de Anatomia, de Operações Cirúrgicas e de Arte Obstétrica em 1800, foi nomeado lente proprietário em 1806, funções que desempenhou até 1823 quando, devido às suas ideias liberais, foi jubilado compulsivamente, com direito a metade do vencimento. Tinha, entretanto, desempenhado funções relevantes na Universidade de Coimbra: secretário (1800-06), ajudante do Diretor do Hospital da Universidade (1802-18) e diretor do mesmo Hospital (1818-19), por cujo exercício granjeou prestígio nos domínios médico e assistencial.

A interrupção da docência na Universidade de Coimbra, no contexto político da época, dominado pelas invasões francesas e pela luta de poder entre miguelistas e liberais, motivam a sua deslocação para Lisboa. Proveniente do ambiente fechado e conservador da Universidade de Coimbra, abre-se, na capital, um novo ciclo na intervenção pública de Soares Franco, que inicia uma atividade política muito ativa e uma participação cívica diversificada em instituições profissionais, académicas e políticas.

Soares Franco foi eleito, em 1821, deputado pela Extremadura às Cortes Constituintes, tendo tido, como o atestam os relatos das sessões nas Cortes, uma valiosa participação na redação da Constituição de 1822, onde ficaram consagrados os princípios ligados aos ideais liberais que defendia: representação, separação de poderes, igualdade jurídica e respeito pelos direitos pessoais. Essa ativa participação parlamentar justificou, provavelmente, a sua reeleição como deputado, em 1826.

A par da notoriedade política que alcançou, as duas décadas de prestigiada atividade docente como lente de Medicina e atividade assistencial no Hospital da Universidade terão justificado a nomeação de Soares Franco para a elevada posição de Conselheiro Médico da Real Câmara, e também para Presidente do Conselho de Saúde do Exército, com a patente de tenente-coronel. Médico e, posteriormente, diretor no Hospital Militar do Castelo de S. Jorge, ocupou esse cargo até, provavelmente 1828.

A fixação de Soares Franco em Lisboa proporcionou-lhe, por certo, múltiplos contactos com personalidades dominantes na área da saúde (médicos, cirurgiões, boticários) a quem preocupava o atraso do país nas práticas médicas, na organização e na prestação assistenciais, face às novidades e inventos provenientes da Europa culta (os modelos preventivos vacinais, o mercúrio nas doenças venéreas, a cauterização na raiva, o quinino nas febres intermitentes). Para promover a divulgação e discussão desses progressos constituiu-se, como natural, um movimento associativo, sob égide real, no sentido de criar uma instituição que foi designada por Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa. Tal ocorreu em 1822, e dela Soares Franco veio a ser não só membro fundador como seu primeiro presidente. Foi, contudo, fugaz a atividade de divulgação científica da Sociedade, apesar dos seus fins terem recebido a “proteção” de D. João VI. Implantado o poder absoluto na capital em Maio de 1823, a Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa dominada pelas ideias liberais, foi considerada um foco de conspiração e protesto contra a política triunfante dos absolutistas, o que levou à cessação da sua atividade, que só foi retomada em 1835. A posição de Francisco Soares Franco foi renovada na presidência com um propósito adicional: estabelecer o diálogo e estreitar relações académicas com a Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, em processo de criação com o fim de substituir a Régia Escola de Cirurgia.

Na Academia Real das Ciências, Soares Franco foi admitido como sócio correspondente da em 14.04.1810, passando a sócio livre em 06.06.1812 e, muito pouco depois (19.06.12), a sócio substituto de efetivo, tendo tomado lugar de membro efetivo em 04.02.1835. Ocupou-se, durante esses anos, de temas vários do âmbito da saúde pública e da agricultura. Foi um membro muito ativo da Instituição Vacínica, fundada em 1812 na Academia Real das Ciências de Lisboa, pela mão de Bernardino António Gomes (1768-1823), destinada a divulgar a vacina experimental de Jenner e a promover a sua aplicação generalizada à população, como prevenção da varíola, doença infectocontagiosa grave, com elevada prevalência, grande morbilidade e mortalidade. Esse propósito levou Soares Franco a debater também o tema nas Cortes (20.03.1821), apelando ao financiamento público da intervenção, no que foi contrariado por personalidades ilustres, como o matemático Francisco Margiochi. Na sequência da argumentação de Soares Franco e de outros, as deliberações em favor da vacina viriam a ser tomadas pela grande maioria dos deputados. Passados cinco anos, já tinham sido vacinadas em Portugal cerca de 20.000 pessoas.

A construção de riqueza necessária ao desenvolvimento do país teria que, no pensamento económico de Soares Franco, buscar-se na agricultura, para o que defendia aplicar-se o modelo francês, designadamente, na diversificação das culturas e na produção dos alimentos. Conquistou apoios académicos e políticos para esta “vertente predominantemente agrarista” (Do Agrarismo, p. 23) do modelo de desenvolvimento do país, e ganharan notoriedade as suas intervenções nas Cortes, em que desenvolvia ideias reformistas para o país, as quais vinha expressando publicamente já em Coimbra, através de várias intervenções, entre 1804 e 1812, e orientadas “para e pelo económico, no propósito do revigoramento das estruturas sociais e na fidelidade à instituições políticas” (Idem, p.78).

Soares Franco cultivou a poesia quando jovem e também o jornalismo, vindo a ser diretor da Gazeta de Lisboa entre 1809 e 1813. Em 1812 acumulou estas funções com as de diretor da Gazeta de Agricultura e Commercio de Portugal, de que dirigiu os primeiros 26 números. Nestes, Soares Franco iria escrever vários artigos sobre sociedades económicas e agrícolas que considerava um instrumento fundamental para desenvolver a agricultura e difundir novas técnicas e conhecimentos.

Como atividade relevante, deve mencionar-se ainda que Soares Franco integrou a comissão nomeada em 1838 para a redação duma farmacopeia que não chegou a ser oficializada, Pharmacopea Lusitana, publicada em Lisboa, em 1841.

Por mérito da atividade académica, assistencial e política, Francisco Soares Franco recebeu as condecorações de Comendador da Ordem de Cristo e de Cavaleiro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa.

Obras poéticas, Lisboa, Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1793; Hermínia: tragédia, Lisboa, Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1793; Dicionário de Agricultura, 5 vols., trad. e adaptação de Abée Rozier, Cours Complet d´Agriculture, 12 vols., Paris, 1781/1805, Coimbra. Imprensa da Universidade 1804/1806; Reflexões sobre a conducta do principe regente de Portugal, Coimbra, Real Imprensa da universidade, 1808; Memória em que se examina qual seria o estado de Portugal se por desgraça os franceses o chegassem a dominar, Lisboa, Oficina de António Rodrigues Galhardo, 1809; Collecção de opúsculos sobre a vacina feitos pelos sócios da Academia Real das Sciencias, que compõem a Instituição Vaccinica, n.ºs 1 e 2, Lisboa, Tipografia da Academia, 1812; “Memoria Sobre a identidade do Systema muscular na Economia animal”, História e Memórias da Academia Real das Sciências de Lisboa, t. V, Lisboa, Na Typografia da mesma Academia, 1817, pp. 1-59; Elementos de Anatomia, 2 vols., Coimbra, Real Imprensa da Universiade,1818 (1ª edição) e Lisboa, Impressão Régia, 1825 (2ª edição); “Sobre o grau de certeza que há na Medicina Prática”, Jornal da Sociedade das Sciencias Médicas de Lisboa, tomo III, 1836, pp.129-153; “História abreviada dos doentes que entraram nos fins de Fevererio de 1837 com a moléstia denominada – Gripe -... nos hospitais regimentais do Castelo de São Jorge”, Jornal da Sociedade das Sciencias Médicas de Lisboa, tomo V, 1837, págs. 65- 76; “Estatísticas das moléstias que foram tratadas nos Hospitais Regimentais desde o 1º de Março até 31 de Dezembro de 1837”, Jornal da Sociedade das Sciencias Médicas de Lisboa, tomo VIII, 1838, pp. 94 – 99; Pharmacopéa Lusitana, composta pela Commissão creada por decreto da Rainha Fidelissima D. Maria II, Lisboa, na Typ. de José Baptista Morando, 1841.Processo académico, AH-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1810-04-14/FSF; Diário das Cortes Constituintes e Extraordinárias da Nação Portuguesa, 1821, nº 38, p. 304 e nº 211, p. 2820 [Consultado a 20.09.2023] Disponível em: https://tinyurl.com/2m8yxnb7; Lemos, Maximiano de, História da Medicina em Portugal. Doutrinas e Instituições, vol. 2, Lisboa, 1899, pp. 250-55; Mira, M. Ferreira de, História da Medicina Portuguesa, Lisboa, Ed. da Imprensa Nacional de Publicidade,1947; Câmara, Benedita Cardoso, Do Agrarismo ao Liberalismo. Francisco Soares Franco. Um pensamento crítico, tese doutoramento, Lisboa, Instituto Nacional Investigação Científica / Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1989; Rodrigues, Manuel Augusto (coord.), Memoria Professorum Universitatis Conimbrigensis (1772-1937), vol. II, Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, 1992, pág. 431; Pereira, A. T., Botelho, L. S., Soares J., Lisboa, A Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa e os seus Presidentes (1835-2006), Lisboa, ed. Fundação Oriente, 2006; Subtil C. L. e Vieira M., “Os primórdios da organização do Programa Nacional de Vacinação em Portugal”, Revista de Enfermagem, III, 2011, pp. 167-74 [Consultado a 20.9.2023] Disponível em: https://ciencia.ucp.pt/ws/files/37879637/54820.pdf; Rodrigues, L. A. Carvalho Teixeira, Francisco Soares Franco: a saúde pública entre o Antigo Regime e o Estado liberal, Lisboa, Dissertação de mestrado, Lisboa, FCSH/Universidade Nova de Lisboa, 2022.Jorge SoaresPortuguesaSócio efetivo: 4.2.1835.Ciências NaturaisSócio correspondente: 14.4.1810; sócio livre: 6.6.1812; substituto de efetivo: 19.6.1812; sócio efetivo: 4.2.1835.