Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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Saraiva Francisco (D. Fr.) de São Luís Cardeal Saraiva, D. Francisco II, Bispo Conde Fr. Francisco Ponte de Lima Lisboa Erudito beneditino, político, bispo de Coimbra, 8º cardeal-patriarca de Lisboa. Sócio efetivo na classe de Literatura Portuguesa. Cardeal-Saraiva.png D. Fr. Francisco de São Luís Saraiva (1766-1845). Litografia da autoria de João Anastácio Rocha e impressa por Manuel Luís da Costa, c. 1840. Biblioteca Nacional de Portugal. Ass_Cardeal-Saraiva.png

Francisco Justiniano Saraiva nasceu em Ponte de Lima a 26 de janeiro de 1766. Filho de Manuel José Saraiva, um tabelião, e de Leonor Maria Teodora Correia, Saraiva entrou para a vida religiosa como monge beneditino. A 27 de janeiro de 1782, professou a regra beneditina no Mosteiro de Santa Maria de Tibães, adotando o nome de Frei Francisco de S. Luís. Frequentou o curso teológico na Universidade de Coimbra, tendo obtido o grau de doutor em Teologia em 1791. Foi professor de Filosofia Racional no Real Colégio das Artes.

Durante a sua vida, Frei Francisco de S. Luís destacou-se pela afinidade com ideias liberais e iluministas, o que o levou a envolver-se ativamente na política e na sociedade do seu tempo. Essa inclinação liberal trouxe-lhe desafios na carreira religiosa e académica, resultando em várias dificuldades e perseguições, havendo indícios de uma possível ligação à maçonaria, sob o nome simbólico de Condorcet.

No campo político, Frei Francisco teve um papel relevante em vários momentos cruciais da história de Portugal. Em 1808, integrou a Junta do Minho, organizada em Viana do Castelo. Em 1820, foi membro da Junta Provisória do Supremo Governo do Reino, sediada no Porto, e eleito deputado às Cortes, onde chegou a ocupar o cargo de presidente em 1823. Após a queda da Constituição de 1822, retirou-se para o Mosteiro da Batalha, mas regressou à política ativa em 1826. Com a ascensão de D. Miguel ao poder, afastou-se novamente, retirando-se para o Mosteiro da Serra de Ossa. Depois da vitória liberal em 1834, foi deputado mais três vezes e exerceu funções como ministro dos Negócios do Reino e guarda-mor do Real Arquivo da Torre do Tombo de 1834 a 1836. Também serviu como conselheiro de Estado e par do Reino.

No âmbito eclesiástico, Frei Francisco ocupou diversos cargos de destaque. Após ser ordenado, foi transferido para o Mosteiro de Rendufe e, mais tarde, para o Colégio de Nossa Senhora da Estrela, em Lisboa. Em 1785, mudou-se para Coimbra para os estudos superiores, onde serviu como abade do Colégio de Coimbra (1804-1807), visitador-geral (1804-1810) e cronista-mor da ordem beneditina. Em 1821, foi nomeado bispo coadjutor de Coimbra e assumiu o bispado em 1822. Recebeu o título de conde de Arganil e senhor de Côja, mas, devido à instabilidade política, renunciou ao bispado em 1823 e retirou-se para o Mosteiro da Batalha. Em 1840, foi nomeado patriarca de Lisboa por D. Maria II e elevado a cardeal-presbítero pela Santa Sé, em 1843.

Académico dedicado, Frei Francisco doutorou-se em Teologia pela Universidade de Coimbra, em 1791, e lecionou disciplinas como Matemática e Filosofia. Foi nomeado reitor e reformador da Universidade de Coimbra em 1821, mas renunciou ao cargo em 1823, juntamente com o bispado de Coimbra.

O cardeal Saraiva teve um envolvimento profundo com a Academia das Ciências de Lisboa, onde desempenhou um papel fundamental na promoção do conhecimento intelectual e científico em Portugal nos séculos XVIII e XIX. Em 1794, foi eleito sócio correspondente da Academia Real das Ciências e promovido a sócio livre a 30 de novembro de 1809, passando a sócio efetivo na classe de Literatura Portuguesa a 6 de maio de 1820. Em 1838, foi eleito vice-presidente; foi também membro honorário da Academia de Belas Artes. Era altamente respeitado pelo seu trabalho em história, literatura e linguística. Os seus esforços académicos foram reconhecidos logo no início, quando foi agraciado com uma medalha de ouro pela Academia pelo seu primeiro estudo histórico, Comparação da história de D. João de Castro por Jacinto Freire de Andrade e da vida de D. Paulo de Lima por Diogo do Couto. Este reconhecimento marcou o início da sua duradoura relação com a academia. Contribuiu significativamente para a missão da Academia de preservar e estudar a história e cultura portuguesas. Foi também graças à sua intervenção enquanto ministro dos Negócios do Reino (1834) que a Academia obteve o reconhecimento legal da administração, direção, uso e guarda da Livraria do extinto convento de Jesus e também do Museu Maynense, bem como da concessão do extinto Convento de Nossa Senhora de Jesus para seu estabelecimento definitivo.

O trabalho de Saraiva destacou-se pelo seu profundo empenho na preservação de documentos históricos e na organização de arquivos, com especial dedicação aos registos relacionados com a Ordem de São Bento. Organizou de forma sistemática diversos índices dos arquivos em que trabalhou, o que facilitou significativamente o acesso a esses documentos. Além disso, complementou essa organização com uma criteriosa categorização e arrumação dos documentos, agrupando-os por temas. Os seus textos históricos abrangem largos períodos da história de Portugal, incluindo estudos sobre os povos que habitaram a Península Ibérica antes da formação do reino português. Em muitos dos seus escritos, Frei Francisco procurou demonstrar que as raízes da língua e cultura portuguesas remontam aos povos que ocuparam o território antes da sua incorporação no Império Romano. Os seus estudos históricos baseavam-se em obras de autores clássicos e em textos de diversos escritores portugueses. Para ele, a história era um ramo da literatura, com uma função essencialmente moralizadora. Outro tema que despertou o interesse de Frei Francisco foi a história dos descobrimentos e da expansão portuguesa. Defensor da primazia de Portugal nos descobrimentos, investigou a possibilidade de uma descoberta prévia do Brasil antes da expedição de Pedro Álvares Cabral. Realizou estudos aprofundados com base em documentação original, elaborou uma cronologia dos feitos portugueses e publicou fontes primárias, como o roteiro da viagem de Fernão de Magalhães. As suas contribuições intelectuais foram posteriormente reunidas e publicadas numa coleção de dez volumes intitulada Obras completas, em 1872.

Frei Francisco de S. Luís faleceu a 7 de maio de 1845 e foi sepultado no Panteão dos Cardeais, no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa. O seu legado perdura na toponímia de Ponte de Lima e na estátua erguida em sua homenagem em 2008.

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