Filho de Girolomo Vandelli e Francesca Stringa, Domenico Vandelli nasceu em Pádua em 1735, cidade onde igualmente concluiu a sua formação universitária nos domínios da medicina e da história natural. Através dos seus primeiros escritos sobre temas de história natural, através das notícias que mais tarde deu das coleções de objetos e espécies destinados ao seu museu privado e, sobretudo, através da correspondência que manteve com Carl Lineu, revela-se e confirma-se a sua vocação de naturalista atento ao desenvolvimento científico em curso na Europa ilustrada de meados do século XVIII. A boa fama que granjeou no início da sua carreira terá estado na origem do convite que lhe foi feito pelo Marquês de Pombal para que se estabelecesse em Portugal. Assim aconteceu, no ano de 1764, integrando uma comitiva de outros professores italianos contratados para lecionar matérias científicas (matemática, química, física e história natural) no Real Colégio dos Nobres. Esta experiência pedagógica fracassou, dada a baixa apetência da aristocracia portuguesa em proporcionar formação científica adequada aos seus descendentes. Todavia, Vandelli (que passou a ser designado com o primeiro nome de Domingos) e os restantes professores italianos acabariam por se fixar na cidade de Coimbra a partir de 1772, preparando e dando execução à reforma iluminista dos Estatutos desta Universidade.
Vandelli lecionou em Coimbra as disciplinas de Química e de História Natural, fundou os respetivos Laboratório e Museu e colaborou na criação do Jardim Botânico da Universidade. Em 1779 e anos precedentes participou ativamente na criação da Academia Real das Ciências de Lisboa, podendo considerar-se como um dos principais mentores da ação da Academia no domínio económico. A correspondência que manteve com o 6º Visconde de Barbacena (Luís António Furtado de Castro Mendonça e Faro) – que fora o primeiro aluno a obter o grau de doutor na Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra e que viria a ser o 1º Secretário da Academia – publicada por Cristóvão Ayres em 1927 (
Vandelli foi um dos mais ativos membros nas primeiras três décadas da vida institucional da Academia, sendo um dos mais prolíficos colaboradores da série de
A sua preocupação básica foi a de incentivar a elaboração – a que também ele próprio se dedicou – de um inventário rigoroso dos recursos naturais existentes e potencialmente utilizáveis para fins produtivos e comerciais, quer na metrópole, quer nos domínios ultramarinos. As propostas de realização de viagens filosóficas ou os incentivos que através da Academia procurou estabelecer para a elaboração de memórias descritivas locais e regionais, foram instrumentos concebidos com essa finalidade de criar elementos de diagnóstico que permitissem o delinear de uma estratégia de afetação ótima dos recursos disponíveis.
Por vezes, a sua abordagem reveste um caráter meramente descritivo e naturalista, limitando-se a anotações de classificação segundo o sistema de Lineu (de quem foi fiel seguidor e divulgador); outras vezes, Vandelli ultrapassa essa simples descrição naturalista e centra a sua análise nos obstáculos físicos ou morais (isto é, naturais ou sociais) do desenvolvimento do sector agrícola, ou ainda nas condições que tornariam possível uma utilização eficiente e sem desperdício dos recursos naturais, humanos e técnicos, tanto na produção como na circulação de produtos e matérias-primas. Esta componente de diagnóstico é coerentemente acompanhada de propostas de reforma e melhoramento que configuram uma opção estratégica de desenvolvimento económico do país tendo por base a agricultura.
Tal estratégia é delineada numa das suas mais célebres memórias, com o sugestivo título de “Memória sobre a preferência que em Portugal se deve dar à agricultura sobre as fábricas”. Vandelli procede neste texto a uma crítica ao sistema de protecionismo manufatureiro seguido em França por Colbert, crítica esta que também deverá ser lida como uma avaliação negativa da congénere política económica pombalina. Apresenta ainda os seus argumentos a favor de uma maior liberdade de comércio interno e externo como meio de garantir a redução do preço dos bens agrícolas. Porém, o que melhor carateriza o seu texto é a aposta inequívoca numa orientação agrarista da política económica, à qual se subjugaria o processo de desenvolvimento fabril.
O agrarismo vandelliano apresenta algumas semelhanças com o discurso económico produzido pelos fisiocratas franceses. Nalguns momentos, Vandelli chega mesmo a advogar uma conceção da produtividade exclusiva da agricultura, Mas ficam por aí as suas incursões no terreno teórico cultivado pelos discípulos do autor do
A importância deste texto emblemático de Vandelli não decorre apenas da clareza expositiva com que o autor apresenta as suas orientações em matéria de doutrina e política económicas. Vale também pela forma como reflete o objeto de inquérito e o programa de reformas subjacentes ao conjunto de textos publicados na série de
A partir do ano de 1791, e após a sua jubilação da Universidade de Coimbra, Domingos Vandelli pôde acompanhar mais de perto os trabalhos da Academia. Mas a sua atenção voltou-se também para outros horizontes. Em Lisboa passou a exercer os cargos de Diretor do Jardim Botânico da Ajuda (que aliás havia fundado e no qual trabalhara antes de se instalar em Coimbra em 1772) e de deputado da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação (para a qual fora nomeado em 1788). A sua proximidade da corte vai proporcionar a oportunidade de afirmar os seus méritos como observador e analista de assuntos de âmbito político, diplomático e financeiro, ao mesmo tempo que contribui para empalidecer a sua já então contestada fama de botânico e naturalista. Esta nova etapa da sua vida revela, por conseguinte, uma mudança no objeto fundamental dos seus estudos: ao ciclo de escritos de caráter descritivo e de análise dos problemas estruturais com que se deparava a economia portuguesa, sucede-se um novo ciclo de escritos em que Vandelli surge a discutir temas de acesso reservado a um público mais vasto, com destinatários restritos, opinando sobre a condução da diplomacia externa portuguesa e esboçando propostas de reorganização financeira.
Num conjunto vastíssimo de memórias e pareceres que redigiu nos anos de 1796 e 1797 – os quais se mantiveram inéditos até 1994 – Vandelli dá conta da sua preocupação perante o envolvimento português nos confrontos de guerra e de resistência às pretensões hegemónicas francesas. A participação de tropas portuguesas nas campanhas do Roussillon e Catalunha e os riscos de um alastramento dos conflitos e palcos de guerra, justificavam a antecipação de reformas que viabilizassem o financiamento dos gastos militares adicionais. Tal era o pretexto para as sugestões de Vandelli sobre contenção de despesas supérfluas, sobre a racionalização da administração financeira, a elaboração de orçamentos e a melhoria dos sistemas de arrecadação fiscal, e ainda sobre o lançamento de novos impostos e a ampliação das fontes de rendimento da coroa através da alienação de uma parte dos seus próprios bens.
As reformas propostas por Domingos Vandelli denotam alguma sintonia com o programa de saneamento fiscal e financeiro delineado e executado por D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Uma diferença, porém, viria a revelar-se dramática para Vandelli: a sua mal disfarçada simpatia pró-francesa que lhe custou a expatriação e o exílio em 1810, após a expulsão dos franceses do nosso país. Regressaria ainda a Portugal em 1815 para morrer neste seu país de adoção no ano seguinte, mais de cinquenta anos volvidos desde a sua primeira entrada.
A desgraça a que o velho Vandelli foi votado no final da sua vida não fez esquecer a obra pioneira que desenvolveu na Academia em prol do conhecimento das características e potencialidades económicas do país. Talvez por isso, a Academia atribuiu-lhe em 1 de dezembro de 1814 o título de académico veterano.