Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

DHB

Vilas BoasCustódio José Gomes deO EngenheiroAlvelos (Barcelos)BragaEngenheiro militar, engenheiro hidráulico e cartógrafo. Sócio livre.

Custódio José Gomes de Vilas Boas, nasceu em Alvelos, no concelho de Barcelos, tendo por pais António Gomes de Vilas Boas e Ana Maria Francisca. Era afilhado e sobrinho, pelo lado paterno, de Custódio Gomes de Vilas Boas, que se notabilizou como militar e académico, e que se responsabilizou pela sua educação e formação. Pelo facto de serem homónimos, as suas obras e, também, as suas biografias são frequentemente confundidas.

A sua formação académica e militar deve ter decorrido entre a Academia Real de Marinha (fundada em 1779) e a Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho (criada em 1790), fazendo o percurso habitual de quem pretendia concluir o curso de oficial de engenharia militar. Em 1792, obteve a patente de segundo tenente, o que indicia que havia concluído a sua formação e, pouco tempo depois, fixou a sua residência em Esposende. Neste mesmo ano, no dia 8 de fevereiro de 1792, torna-se correspondente da classe de Ciências Exatas, muito provavelmente por recomendação do seu tio homónimo, ainda antes de completar 21 anos de idade.

Através da “Lei da reforma das comarcas”, promulgada em 1790, e complementada pelo “Alvará régio, de 1792”, a Coroa pretendia reformular os limites da divisão administrativa do Reino. Para isso foram nomeados os respetivos “Juízes demarcantes”, que solicitaram a nomeação de engenheiros, a fim de elaborarem um cadastro populacional e um mapa de cada província (com a respetiva divisão interna) para servirem de base às novas propostas de demarcação. Para a província do Entre Douro e Minho foi nomeado como “engenheiro demarcante” Custódio José Gomes de Vilas Boas que, entre 1794 e 1795, levantou um cadastro populacional, de acordo com as diretrizes da reforma administrativa que então se processava, assim como um mapa de grandes dimensões da divisão administrativa da província de Entre Douro e Minho, e que conheceu várias versões, tanto manuscritas como impressas, ao longo das décadas seguintes.

Em 17 de março de 1794 foi eleito sócio livre da Academia das Ciências e, pouco tempo antes da sua promoção ao posto de primeiro tenente, ocorrida em abril de 1795, foi nomeado pelo ministro e secretário de estado dos negócios do reino, José Seabra da Silva, para o cargo de engenheiro diretor do “plano do encanamento e navegação do rio Cávado”, trabalho que projetou e delineou, sendo ilustrado por várias plantas de pormenor, mas que não concluiu e motivou inúmeros ódios pessoais e várias inimizades sendo, eventualmente, um dos motivos que se podem invocar para o final trágico da sua vida.

Em maio de 1796, os seus serviços de engenheiro hidráulico foram requeridos pelas populações da veiga de Louro e Minhotães, no vale do rio Este, com o intuito de ser preparado um projeto de restauro do encanamento daquele rio, bem como a elaboração de um sistema de regadio que beneficiasse a produção agrícola local. O plano foi concretizado nos primeiros anos do século XIX e, para além dos canais de rega, Vilas Boas ainda projetou a construção de uma ponte em cantaria sobre o Este (Ponte de Coura).

Para além dos trabalhos hidráulicos, Vilas Boas manteve-se particularmente ativo em várias áreas. Assim que a diplomacia portuguesa decidiu participar na “Primeira Coligação” antifrancesa, formada na sequência do regicídio de Luís XVI, Portugal enviou um exército auxiliar que cooperou com as forças espanholas na denominada “Campanha do Rossilhão e da Catalunha” (1793-1795). Quando a Espanha assinou separadamente a paz com a França (julho de 1795) e mudou de campo político, aliando-se ao anterior inimigo, Portugal ficou isolado do ponto de vista político e diplomático e ameaçado de sofrer uma invasão do seu território. Assim, tornou-se urgente preparar um plano de defesa das fronteiras terrestres, tendo o secretário de estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Luís Pinto de Sousa Coutinho – futuro Visconde de Balsemão -, solicitado aos governadores militares um relatório detalhado e, neste sentido, em 1796, Vilas Boas preparou uma Memória sobre as forças militares da província do Minho e da Galiza, com observações sobre uma guerra ofensiva e defensiva, seguindo-se uma Análise dos postos e comunicações da Província do Minho com a Galiza que, embora não esteja datada, também deverá corresponder a esta época. Ambas foram depositadas no Arquivo Militar como obras de “Estratégia”.

Em 1798, sob a iniciativa de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, secretário de estado dos Negócios Ultramarinos e da Marinha, foi fundada a Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica para o Desenho, Gravura e Impressão das Cartas Hidrográficas, Geográficas e Militares, com o intuito de preparar o levantamento de uma Carta Geral do Reino e de centralizar a produção cartográfica nacional.

O então primeiro tenente Vilas Boas foi nomeado sócio desta Sociedade, pelo decreto de 19 de outubro de 1798. Aqui apresentou alguns trabalhos, nomeadamente uma versão especial do seu mapa da província de Entre Douro e Minho, com informação atualizada e uma notícia explicativa sobre a metodologia adotada para o levantamento do mapa; um estudo sobre o cálculo da longitude da cidade do Porto e a Descripção Topographica das Commarcas Fronteiras da Província do Minho, relativa a 1800, devidamente acompanhada de um mapa daquele território.

Este último trabalho, que permaneceu inédito até finais do século XX, poderia constituir uma amostra do seu Plano para a Descrição Geográfica e Económica da Província do Minho, aprovado por alvará régio, recomendado por José Seabra da Silva, em 1799. A concretização deste plano dependia da recolha de informação através de um inquérito – composto por 18 páginas de questões, impresso pela secretaria de estado dos Negócios do Reino na Oficina de António Rodrigues Galhardo -, o método de investigação geográfica em voga no século XVIII. Entretanto, fora promovido ao posto de capitão em fevereiro de 1799.

Em 1803, o engenheiro Vilas Boas foi incumbido de cartografar os limites internacionais no concelho de Lindoso, uma vez que eram motivo de frequente disputa entre portugueses e galegos, a propósito da posse de alguns terrenos de pastagens e de cultivo. O mapa denominado de Desenho Topographico de huma porção do Conselho de Lindoso na parte que confina com o Reino de Galiza seria, décadas mais tarde, recuperado como prova das reivindicações territoriais portuguesas naquela parte da Raia, aquando das negociações que culminaram na assinatura do Tratado de Lisboa (1864), sobre a delimitação da fronteira luso-espanhola.

Em 1805, já com a patente de major, ou de sargento-mor, sendo reconhecida toda a sua experiência em obras hidráulicas, nomeadamente no rio Cávado, foi nomeado responsável pelo projeto de encanamento do rio Lima e melhoramento do porto de Viana do Castelo, deixando, pelo menos, duas plantas que permitem imaginar o seu plano para tornar o rio navegável e o porto de mar mais aprofundado, e que, à semelhança da solução adotada no Cávado, se apoiava na construção de uma série de eclusas.

Os últimos trabalhos conhecidos são, novamente, de carácter militar: as Considerações sobre as praças e postos da Fronteira do Minho, data de 15 de junho 1805 e, no ano seguinte (1806) escreve a Resposta às instruções sobre o estabelecimento de um regimento de Cavalaria na vila de Barcelos, acompanhada por uma planta daquela vila.

A partir de 1807 toda a sociedade portuguesa se viu arrastada para os tumultos provocados pela transferência da Corte e da Administração para o Rio de Janeiro e a imediata ocupação militar franco-espanhola. Após a derrota da primeira Invasão Francesa (1808), o governador militar do Partido do Porto, o general Bernardim Freire de Andrade, foi incumbido de reorganizar um Exército capaz de assegurar a defesa da fronteira do Minho, quando já se avizinhava uma segunda invasão, a partir da Galiza, comandada pelo general Soult, em fevereiro de 1809. O major Vilas Boas (há algumas referências posteriores que o identificam, nesta época, com o posto de tenente-coronel), pelo facto de ser um profundo conhecedor da geografia da província de Entre Douro e Minho, foi escolhido para desempenhar a função de quartel-mestre general de Bernardim Freire.

Apesar de ter conseguido repelir as tentativas francesas na linha do rio Minho, a 17 de março de 1809, o estado-maior português compreendeu que seria impossível deter os franceses na nova linha de penetração que seguiam em direção a Braga e ordenou a retirada para as linhas defensivas do Porto. A população minhota vendo neste gesto um ato de cobardia e de traição, perseguiu, capturou e abateu quase todos os oficiais superiores. Custódio José Vilas Boas, que havia procurado refúgio no Mosteiro de Tibães, foi denunciado e levado preso para a cidade de Braga, onde foi assassinado e esquartejado, partilhando o mesmo fim trágico do general Bernardim Freire. Nos dias seguintes, a sua casa em Esposende foi assaltada e incendiada, tendo‑se perdido toda a documentação, bem como a biblioteca e os instrumentos científicos de seu tio e pouco depois, em agosto de 1809, uma representação da vila de Barcelos requeria à Junta Provisional do Governo Supremo, a suspensão das obras de encanamento do rio Cávado, alegando incompetência no projeto inicial e considerando as obras inúteis e dispendiosas, pretendendo-se, deste modo, apagar da memória a obra e a personalidade do engenheiro militar. Contudo, aos poucos, a sua figura foi sendo reabilitada e reconhecida. Em finais de novembro de 1809, um Conselho de Guerra ilibava de qualquer suspeita e louvava o mérito de todos os elementos que compunham o Estado Maior do Minho.

Em 1820, Cândido Xavier, referindo‑se a um resumo estatístico da província do Minho, reconheceu o valor dos trabalhos de Vilas Boas e, dois anos volvidos, também Adrien Balbi, no seu Essai Statistique sur le Royaume de Portugal et d’Algarve..., reconheceu o labor de Vilas Boas para os estudos geográfico‑estatísticos em Portugal. Na literatura, a sua memória foi reabilitada pela mão do escritor Arnaldo Gama, integrando-o no elenco de personagens do seu romance histórico O Sargento‑Mor de Vilar, apresentando uma descrição positiva da sua ação na luta contra a invasão francesa. Hoje, já plenamente reabilitado, empresta o seu nome à toponímia local nas três localidades ligadas à sua biografia: Barcelos, Esposende e Braga.

Mappa da Provincia d’Entre Douro e Minho levantado em 1794 e 1795 de par com as indagações Economico‑Politicas; [...], BNP, Iconografia, D. 94 R; Cadastro da Provincia do Minho feito pelo Tenente Coronel de Engenheiros Custodio Joze Gomes Villas Boas. [...], BNP, Manuscritos, Cod. 944 ; Mappa da Provincia do Minho, que tem por título Mappa da Provincia d’Entre Douro e Minho, com o Quadro da sua População dividida em classes, e outras particulari¬dades Economico Políticas: completado no ano de 1798 por Custódio Jozé Gomes de Villasboas [...], Direção Geral do Território, C.A. 60; Plano para a Descrição Geográfica e Económica da Província do Minh, Lisboa, Secretaria de Estado dos negócios do Reino, 1799; “Planta do projecto e estado presente das Obras de Encanamento do Rio Cávado em 1800”, BPMP, Núcleo de reservados, pasta 18 (3); Descripção Topographica da Commarcas Fronteiras da Província do Minho (1800), ms., Arquivo Histórico Militar, PT/HM/DIV/4/1/14/03 (ed., estudo e notas de Fernando Sousa e Jorge Alves, Lisboa, Editorial Presença, 1997; Mapa das Fronteiras da Provincia do Minho Offerecido à Real Sociedade Marítima de Lisboa 1800, ms., Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar-Direção de Infraestruturas do Exército (GEAEM-DIE), 3 33 45 3598; Desenho Topographico de huma porção do Conselho de Lindoso [...] Anno de 180,. ms., GEAEM-DIE 2‑ 17‑ A‑ 25 nº 2138; Planta das Obras Hydraulicas projectadas novamente no porto de Vianna para o melhoramº da Barra, desareamº do Rio, surgedouro, amarração, e abrigo das embarcações, com relação ao projecto da ponte indicada na mesma Planta, [1805], cópia manuscrita realizada por Luiz de Andrade e Souza, em 21 de Fev. de 1858, Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana (APDL)- Porto de Viana; Planta da Villa de Barcellos para intelligencia de informação sobre o aquartelamento de hum Regimento de Cavallaria na ditta Villa em 1806, GEAEM-DIE, 682-1-4-7; Análise dos postos e comunicações da Província do Minho com a Galiza, bem como das gargantas dos Montes que prendem a Ribeira do Minho com a do Lima, com uma discussão breve sobre a defesa relativa, designando as avenidas que deve seguir a tropa em caso de retirada (s/d).; Arquivo Distrital de Braga, ms. 912-4; Memoria sobre o modo mais vantajoso de remediar os inconvenientes das Prezas d’agoa para regar os campos, fazer os rios navegáveis, prevenir o seu areamento, profundar os Portos de Mar, e outros uzos, Lisboa, BACL, Série Azul, ms., 351(7), fls. 166-171.Processo Académico, AH-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1792-02-08/CJGVB; Amândio, Bernardino, O Engenheiro Custódio José Gomes de Villasboas e os Portos de Mar de Esposende em 1795 e Viana em 1805, Viana do Castelo, Amigos do Mar, 1994; Cruz, António, Geografia e Economia da província do Minho nos fins do século XVIII, Porto, Centro de Estudos Humanísticos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1970; Lopes, Ana Isabel Alves, “Governar a Natureza”: o assoreamento da foz do rio Cávado, em Fão- causas, impactos e respostas sociais (1750-1870), Tese de Mestrado, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2019; Moreira, Luís Miguel, O Alto Minho na Obra do Engenheiro Militar Custódio José Gomes de Villasboas, Lisboa: Centro de Estudos Geográficos, 2011; Silva, Maria Luzia, O Encanamento do Rio Este e o Regadio das Veigas de Nine nos séculos XVIII e XIX. Uma obra de Custódio José Gomes de Vilas Boas e dos lavradores das veigas, Tese de Mestrado, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2013.Luís MoreiraPortuguesaSócio correspondente; livre: 1794.