Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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Vilas BoasCustódio Gomes deAlvelos (Barcelos)Militar, matemático e astrónomo. Sócio efetivo e diretor da classe de Ciências Exatas.A2-Ass-Custodio-Gomes-Vilas-Boas.png

Custódio Gomes de Vilas Boas nasceu em Alvelos, no concelho de Barcelos. Era filho de Manuel Gomes de Pinheiro e de Maria de Vilas Boas. Casou com Maria da Purificação Veloso Vilas Boas, com descendência. Era tio paterno e padrinho de batismo de Custódio José Gomes de Vilas Boas, engenheiro militar e membro da Academia das Ciências de Lisboa, de quem foi tutor e responsável pela sua educação e formação académica. Por serem homónimos, militares, e membros das mesmas sociedades e academias científicas, as suas biobibliografias são, frequentemente, confundidas.

Os mais importantes dados biográficos deste autor foram escritos pelo próprio num requerimento pedindo mercê à secretaria de Estado dos Negócios do Reino, para se tornar proprietário do antigo alvéolo do rio Cávado - cujo canal havia sido regularizado por um conjunto de obras dirigidas pelo seu sobrinho homónimo -, para aí construir e explorar fábricas e moinhos relacionados com a produção têxtil (linho).

A sua carreira militar iniciou-se em janeiro de 1762, momento em que assentou praça, como soldado, no Regimento de Infantaria de Viana, pouco tempo antes do início da Guerra Fantástica. Aqui terá assistido às preparações e movimentações militares que, no entanto, não chegaram a materializar-se em confrontos com o Exército espanhol. A sua permanência em Viana poderá ter permitido a frequência da Academia Militar de Viana (antiga Aula de Fortificação criada aquando a Guerra da Restauração) e, tendo revelado especiais aptidões, foi promovido na hierarquia militar, alcançando um posto de oficial inferior.

De seguida, passou a servir na Arma de Artilharia e, já na patente de 1º tenente, foi colocado no Regimento do Algarve (Faro), onde serviu entre 1774 e 1779. Assim, a sua formação terá sido assegurada pela frequência das Aulas Regimentais, estabelecidas no decurso da reorganização militar promovida pelo Conde de Lippe. Nesta circunstância, pediu uma licença para se formar em bacharel de matemática na Universidade de Coimbra, onde recebeu dois prémios e um louvor. Dada a sua formação distinta, a 23 de dezembro de 1782 foi nomeado lente substituto da Real Academia da Marinha, passando a efetivo a partir de 1791. Aqui lecionou durante um pouco mais de 16 anos as cadeiras de Aritmética, Geometria e Trigonometria Plana e Princípios Elementares de Álgebra lamentando-se, mais tarde, que este serviço fora contabilizado como se tivesse sido prestado no seu regimento, apenas recebendo o soldo militar.

No desempenho deste cargo, Vilas Boas assistiu ao exame dos alunos da Academia e dos pilotos da Marinha Mercante e procedeu à tradução da obra do matemático francês Étienne Bézout Curso de Mathematicas para uso do Corpo Real de Artilharia e Marinha, impresso em dois volumes na Regia Officina Typografica, em 1786. Quando esta obra foi editada, Custódio Vilas Boas já era capitão de mineiros no Regimento de Artilharia do Porto, para onde se havia transferido a 14 de março de 1785, ainda no posto de primeiro tenente. Em 1793, já se apresentava como sargento-mor do Regimento de Artilharia do Porto e, em 1799, alcançou o posto de coronel, com que se reformou.

Em 1805 foi nomeado governador da Praça de Valença com o posto de brigadeiro, cargo que desempenhou até à sua morte ocorrida três anos depois.

A par da vida militar, Custódio Gomes Vilas Boas também desenvolveu uma intensa atividade académica, mercê da sua participação nas duas mais importantes instituições académicas e científicas portuguesas do último quartel do século XVIII: primeiro, na Academia de Ciências de Lisboa e, depois, na Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica para o Desenho, Gravura e Impressão das Cartas Hidrográficas, Geográficas e Militares (S.R.M.M.G.), criada em 1798, sob a iniciativa de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, secretário de estado dos Negócios Ultramarinos e da Marinha. Esta Sociedade foi fundada com o intuito de centralizar a produção cartográfica nacional, tanto a cartografia hidrográfica, como a cartografia terrestre, em particular, promovendo o levantamento da Carta Geral do Reino.

Mercê do seu cargo de professor da Academia da Marinha, foi um dos sócios fundadores desta instituição onde, no decorrer dos anos seguintes, apresentou vários trabalhos no âmbito da primeira classe, a qual estava incumbida da publicação das Cartas Marítimas ou Hidrográficas, Gerais e Particulares para o serviço da Marinha Real e Mercante, bem como do exame e censura das cartas hidrográficas já em uso - como foi o caso da Carta das ilhas de Cabo Verde, publicada em 1790 por Francisco António Cabral e que o autor realizou em conjunto com Manuel do Espírito Santo Limpo.

Entre a cerca de centena e meia de obras que foram apresentadas nas várias sessões desta Sociedade, entre 1799 e 1805, apenas se identificam de forma inequívoca um pouco menos de uma centena. Entre estas, 13 são da autoria de Custódio Gomes Vilas Boas, de resto um dos autores mais ativos, sendo a maior parte dos trabalhos dedicados a observações astronómicas e a cálculos de coordenadas geográficas (A institucionalização do ensino da náutica., “Anexos”, pp. 67,68).

De forma a dar cumprimento ao artigo VIII, do Título II do Alvará que instituiu a S.R. M.M.G., que previa que os membros da classe das Cartas Hidrográficas deveriam preparar e publicar cartas celestes e tábuas astronómicas, destinadas ao uso da navegação e à astronomia, Vilas Boas, colaborando com Francisco António Ciera, preparou a versão portuguesa do Atlas Celeste de Flamsteed, a partir da edição francesa de coordenada por Lalande e Mechain em 1795, editado na Impressão Régia, em 1804.

A sua colaboração com a Academia das Ciências de Lisboa iniciou-se a partir de 31 de agosto de 1785, dia em que foi eleito sócio efetivo da classe de Ciências Exatas, desempenhando várias funções, entre as quais, astrónomo da Academia e diretor da Classe de Ciências Exatas, eleito a 13 de janeiro de 1798. Como académico notabilizou-se na coordenação e direção de vários trabalhos e publicações. Entre 1787 e 1795, foi o responsável pela proposta, organização e edição das Efemérides Náuticas, obra de referência nos estudos astronómicos em Portugal, em particular na sua aplicação aos cálculos das coordenadas geográficas, latitude e longitude, de grande utilidade à navegação marítima. Paralelamente a esta iniciativa, em 1789, o autor foi solicitado pelo então secretário da Academia das Ciências de Lisboa, o abade Correia da Serra, para dar um parecer sobre o melhor método para o levantamento de uma “Carta Geográfica do Reino”.

Inspirado no modelo francês desenvolvido ao longo de várias décadas, por diferentes membros da família Cassini, Custódio Vilas Boas propunha dois métodos complementares: um, passava pela determinação astronómica das principais posições geográficas e posterior descrição do território levada a cabo por equipas constituídas por astrónomos e naturalistas; o segundo, talvez o preferido, o levantamento cartográfico seria realizado à escala das comarcas, sendo assegurado por engenheiros militares. Posteriormente, pela redução de escala de cada uma destas imagens regionais, seria possível obter um mapa do conjunto do Reino. Foi este o método que se procurou seguir quando a Academia das Ciências abraçou a tarefa de proceder ao levantamento da Carta da Comarca de Setúbal, que deveria servir de modelo para a composição da dita “Carta Geográfica do Reino”. Contudo, os resultados obtidos não foram animadores e cedo se percebeu que a Academia não dispunha dos meios técnicos, humanos e financeiros para levar a cabo uma tarefa desta dimensão.

A partir de 1790, por indicação do Governo, os trabalhos de levantamento cartográficos foram retomados sob coordenação geral do astrónomo Francisco António Ciera e, no final dessa década, enquadrados nas atividades da Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica.

Curso de Mathematicas para uso do Corpo Real de Artilharia e Marinha, Lisboa, Regia Officina Typografica, 1786; Ephemerides Nauticas ou Diario Astronomico calculado para o Meridiano de Lisboa e publicado por Ordem da Academia Real das Sciencias (1789-1795), Lisboa, Na Officina da mesma Academia; Extracto, ou resumo das observações Astronomicas que tenho feito desde o principio do anno de 1790 ate Janr.o do presente anno, Lisboa, BACL, Série Azul, ms. 23, 1796, fls. 211-215; Annuncio de hum eclipse de Saturno para 2ª feira 6 do corrente mes, que hade começar hum 4º de hora depois do meio dia, Lisboa, BACL, Série Azul, ms. 26, 1797, fls. 248-249; “Memória acerca da latitude e longitude de Lisboa e exposição das observações astronómicas por onde elas se determinaram”, Memórias de Matemática e Física da Academia Real das Ciências de Lisboa, 1ª série, tomo I, 1797, p. 305-324; “Comparação das fases observadas em S. Paulo, com as que foram observadas em Lisboa no Observatório da Academia”, Memórias de Matemática e Física da Academia Real das Ciências de Lisboa, 1ª série, tomo II, 1799, p. 43 ; “Notícia das observações astronómicas feitas no ano de 1790", Memórias de Matemática e Física da Academia Real das Ciências de Lisboa, 1ª série, tomo II, 1799, p. 517; Atlas celeste arranjado por Flamsteed, publicado por J. Fortin, correcto, e augmentado por Lalande, e Mechain, trasladado em lingoagem de Ordem de Sua Alteza Real, o Principe Regente N.S. para instrucção da Mocidade, Lisboa, na Impressão Regia, 1809. “Observações do eclipse da estrela do Leão, da terceira grandeza, acontecido a 28 de março de 1798”, Memórias de Matemática e Física da Academia Real das Ciências, 1ª série, parte I, tomo III, 1812, pp. 168-172.; “Exposição das observações astronómicas feitas no ano passado de 1799, e comparação da passagem de Mercúrio com as tábuas mais acreditadas do mesmo planeta, pelo mesmo”, Memórias de Matemática e Física da Academia Real das Ciências, 1ª série, parte I, tomo III, 1814, p. 96-118.; Processo Académico, AH-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1785-08-13/CGVB; Amândio, Bernardino, O Engenheiro Custódio José Gomes de Villasboas e os Portos de Mar de Esposende em 1795 e Viana em 1805, Viana do Castelo, Amigos do Mar, 1994; Cruz, António, Geografia e Economia da província do Minho nos fins do século XVIII, Porto, Centro de Estudos Humanísticos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1970; Ferreira, Nuno Alexandre Martins, A Institucionalização do Ensino da Náutica em Portugal (1779-1807), Tese de Doutoramento, Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2013; Guerreiro, Inácio (1985). “A Sociedade Real Marítima e o exame das cartas hidrográficas. Censura da Carta de Cabo Verde, de Francisco António Cabral”, Separata do Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Vol. XXXIX, Coimbra, Instituto de Investigação Científica Tropical, 1790; Lopes, Ana Isabel Alves, “Governar a Natureza”: o assoreamento da foz do rio Cávado, em Fão- causas, impactos e respostas sociais (1750-1870), Tese de Mestrado, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2019; Moreira, Luís Miguel, O Alto Minho na Obra do Engenheiro Militar Custódio José Gomes de Villasboas, Lisboa: Centro de Estudos Geográficos, 2011; Mota, Avelino Teixeira da (1972), “Acerca de recente devolução a Portugal, pelo Brasil, de manuscritos da Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica (1793-1807)”, Separata das Memórias da Academia das Ciências de Lisboa - Classe de Ciências, tomo XVI, 1972, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1972; “Requerimento de Custódio Gomes de Vilas Boas, Brigadeiro dos Exércitos, solicitando a propriedade do álveo devoluto do rio Cávado em o rio Tinto, para o tornar útil com azenhas, salinas e moinhos de maré”, ANTT, Ministério do Reino, mç. 709, proc. 26. (PT/TT/MR/EXP/051/0066/00026).Luís MoreiraPortuguesaSócio efetivo.Ciências ExatasSócio efetivo: 31.8.1785; diretor da classe de ciências Exatas: 13.1.1798