Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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LoboConstantino António Botelho de LacerdaMurçaLente de Física Experimental na Universidade de Coimbra. Sócio efetivo na classe de Ciências Naturais.Ass_Constantino Lobo.png

Constantino António Botelho de Lacerda Lobo nasceu em Murça, era filho de Manuel António Botelho e Maria de Sampaio, matriculou-se no curso de Filosofia da Universidade de Coimbra em 1772, depois em Matemática em 1775 e em Leis em 1776. Relativamente ao seu percurso académico, concluiu o bacharelato em Filosofia, em 1779, a licenciatura em 9.2.1781 e o doutoramento em 6.5.1781. No curso de Leis concluiu o bacharelato, em 23.5.1780 e a formatura em 15.7.1785. Concluído o curso de Filosofia iniciou a docência na Universidade de Coimbra, primeiro como demonstrador de Química, na cadeira de Física Experimental (1781-83), passou depois a ser substituto nesta cadeira (1784- 1789) e na de Química (1789-1790). Foi depois segundo lente da Física Experimental (1791-1813) e, depois, primeiro lente (1813-1821). No seu curriculum académico consta ainda que, no tempo das invasões francesas, em 1808, integrou o Corpo de Voluntários Académicos. Na Universidade exerceu ainda os cargos de fiscal da Faculdade de Filosofia (1.2.1788) e vereador do Corpo da Universidade de Coimbra (1792-1793). Foi condecorado cavaleiro da Ordem de Cristo.

Constantino Lacerda Lobo foi eleito sócio correspondente da Academia Real das Ciências em setembro de 1788, sócio livre em 30.01.1789 e sócio efetivo em 07.07.1806. Foi autor de diversas memórias publicadas pela Academia das Ciências e outros textos publicados no Jornal de Coimbra e no Investigador Português. Foi um dos autores mais profícuos da série das Memórias Económicas da Academia, publicando nesta série 11 estudos, totalizando mais de 500 páginas.

Um dos seus primeiros textos, como académico, a “Memória sobre os meios de suprir a falta de estrumes animais”, incluída na série de memórias premiadas, é um texto essencial para nos apercebermos das suas ideias económicas. Nessa memória, Lacerda Lobo defende a nova agricultura, nomeadamente, o fim do pousio, a rotação de culturas, o uso de plantas forrageiras, para substituir a falta de estrumes, e a importância dos novos inventos para a produção e produtividade agrícola. Defende também a conjugação da teoria com a prática, ou seja, dos ensinamentos dos autores com a observação e a experiência. Por isso, para conjugar a observação e a experiência, Lacerda Lobo vai ser um dos defensores e praticante da viagem filosófica, a viagem com objetivos científicos; porque a viagem permite uma observação direta e, se for usada a linguagem dos números, fornece um quadro exato dos objetos em estudo.

O projeto pedagógico das viagens filosóficas integra-se no contexto científico do iluminismo, baseado na influência do sistema natural de Lineu e particularmente de uma economia da natureza, que assenta num princípio utilitarista. Parte-se do princípio, que compete ao homem, não só dominar a natureza, mas também aperfeiçoá-la. Por isso é imprescindível, em primeiro lugar, o conhecimento rigoroso e exato de todos os recursos naturais, que só a linguagem dos números pode fornecer e que a nomenclatura fixa de uma vez por todas.

A Academia das Ciências daria um grande impulso às viagens filosóficas, quer através dos textos de dois dos seus académicos, Domingos Vandelli e José António de Sá, quer do Abade Correia da Serra que, no discurso preliminar das Memórias Económicas da Academia, defendeu a necessidade e urgência dum conhecimento rigoroso das terras e produções do país. Lacerda Lobo foi aluno de Domingos Vandelli na universidade e teria depois o patrocínio do Abade Correia da Serra, com quem manteve longa correspondência desde 1788, ainda antes da nomeação como sócio da Academia, até ao ano de 1795. As viagens filosóficas seriam fundamentais para a redação dos seus textos, particularmente as memórias sobre as pescarias, salicultura e viticultura.

As viagens de Lacerda Lobo vão fazer-se sobretudo ao longo da costa marítima, apesar da primeira de que temos notícia datada de 1789 ter tido como objeto a agricultura da província de entre Douro e Minho e a agricultura do Minho, seguiram-se em 1790 a viagem filosófica ao Algarve e depois em 1791 e 1792 ao Minho, costa da Beira Litoral e Estremadura. De facto, Lacerda Lobo percorreu toda a costa litoral portuguesa e ainda o interior norte do país, Minho e Trás-os-Montes.

A viagem ao Algarve em 1790 é a que está mais documentada, pois Lacerda Lobo manteve correspondência com o abade Correia da Serra, desde a preparação da digressão em maio até a conclusão do périplo em dezembro desse mesmo ano. Nas cartas enviadas, descreve com pormenor as observações sobre os usos e método de pesca e sobre os produtos naturais que encontra, nomeadamente a barrilha e o esparte. Como bom naturalista e ciente da necessidade de criar um museu natural, envia amostras dos produtos naturais que vai encontrando. Desta viagem ao Algarve chegaram também até nós as anotações que Lacerda Lobo fez sobre diversas observações sobre a pesca, as espécies piscícolas e a própria topografia. São notas que nos mostram que o naturalista cumpre o estipulado na metodologia científica: observar e registar de forma meticulosa os factos e fenómenos. Nalguns casos as notas são acompanhadas de desenhos, nomeadamente, dos objetos de pesca.

Foi com base nas observações e informações recolhidas durante a viagem ao Algarve que Lacerda Lobo redigiu a “Memória sobre o estado das pescarias da costa do Algarve no ano de 1790”, num contexto marcado pelo interesse das autoridades governamentais por este ramo da economia. No centro da sua análise está a ação do Marquês de Pombal, que dera novo rumo a este setor da economia nacional, com a criação da Companhia das Pescas do Algarve e fundação de Vila Real de Santo António, onde estaria centrado o comércio. Lacerda Lobo ficou impressionado com o urbanismo e a beleza natural de Vila Real de Santo António, colocando-a no topo das povoações do Algarve. Relativamente às pescas, a sua tese é que antes da edificação de Vila Real de Santo António as pescas estavam em grande expansão, mas depois se entrou num período de decadência e grande concorrência por parte dos espanhóis.

Na obra de Lacerda Lobo está também presente a exploração do sal, produto importante para o comércio português, desde os primeiros tempos e com especial destaque a partir do século XVII. O tema insere-se no contexto cultural que referimos e está bem presente no projeto das viagens filosóficas promovidas pela Academia das Ciências, a utilização e exploração intensiva dos recursos naturais não podiam esquecer um dos produtos de primeira importância para a alimentação e conservação dos alimentos. Outros memorialistas da Academia das Ciências deixaram textos sobre o valor deste recurso natural, nomeadamente, Domingos Vandelli e Joaquim Soares de Barros. Das viagens à costa marítima, do Minho ao Algarve, Lacerda Lobo recolheu informações para redigir as duas memorias sobre a salicultura: “Memória sobre a História das Marinhas de Portugal” e a “Memória sobre as Marinhas de Portugal”. Na primeira, Lacerda Lobo dá uma notícia histórica sobre as marinhas em cada província, com menção da origem, estado e produção em 1790, na segunda faz uma descrição das marinhas, os processos que precedem a cristalização do sal, os defeitos que observou nestas explorações e os remédios para os corrigir. Refira-se que além das observações, o memorialista recorre a fontes documentais existentes, nomeadamente, alvarás, contratos de arrendamento, cartas régias e outros documentos existentes em cartórios e arquivos. Com estas duas memórias, Lacerda Lobo fez um inventário, sobre as marinhas existentes, desde o Minho ao Algarve, o seu estado, o número de marroteiros e respetiva produção de sal. É de facto um contributo relevante para a evolução da produção de sal.

A trilogia, peixe, sal e vinho, resume o essencial da obra de Lacerda Lobo e teve nas suas viagens o ponto de partida. Na “Viagem sobre a Agricultura do Minho, feita no Ano de 1789”, publicada pelo Investigador Português em 1817, redigiu 56 parágrafos, nos quais registou o fruto das observações feitas sobre as culturas agrícolas das diferentes terras, a fertilidade dos campos e os arvoredos, como também fez o diagnóstico dos abusos tradicionais, ou dos obstáculos que resultam da própria natureza, como os terrenos arenosos em virtude da proximidade do mar.

Dessa viagem e das que fez às regiões vinícolas, do Douro e Trás-os-Montes, retirou dados para uma das memórias, “Memória sobre a cultura da vinha em Portugal”, com mais sentido pedagógico e onde procura conciliar a teoria, o conhecimento científico, com a prática, neste caso o trabalho agrícola, tudo debaixo do lema de conciliar a teoria com a prática e apresentar regras simples e claras para todos os procedimentos.

A obra de Lacerda Lobo, dada a dimensão e qualidade, constitui uma referência obrigatória nas análises sobre a economia nacional e sobre a importância da Academia Real das Ciências no contexto cultural e político de transição do antigo regime para o liberalismo.

“Memória sobre os meios de suprir a falta de estrumes animais”, Memórias de Agricultura premiadas pela Academia das Sciencias de Lisboa. Em 1787 e 1788, tomo 1, Lisboa, na Officina da mesma Academia Real, 1788, pp. 239-365; “Memória sobre a cultura das vinhas em Portugal”, Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa para Adiantamento da Agricultura, das Artes e da Indústria (1789-1815). Nova edição, coordenação, de José Luís Cardoso, Lisboa, Banco de Portugal, 1990-1991, tomo II, pp. 13-161; “Memória sobre a decadência da pescaria de Monte Gordo”, Ibidem, tomo III, pp. 251-268; “Memória em que se expõe a análise do sal comum das marinhas de Portugal”, Ibidem, tomo IV, pp. 181-196; “Memória sobre a História das Marinhas de Portugal”, Memórias de Literatura Portugueza, publicadas pela Academia das Sciencias de Lisboa, tomo V, Lisboa, Officina da mesma Academia, 1792-1814, pp. 264-296; “Memória sobre o estabelecimento da cultura do chenopodio marítimo, donde se tira a barilha ou soda”, Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa para Adiantamento da Agricultura, das Artes e da Indústria (1789-1815). Nova edição, coordenação, de José Luís Cardoso, Lisboa, Banco de Portugal, 1990-1991, tomo IV, pp. 75-87; “Memória sobre algumas observações feitas no ano de 1789 relativas ao estado da pescaria da província de Entre Douro e Minho”, Ibidem, tomo IV, pp. 289-313; “Memória sobre a preparação do peixe salgado, e seco das nossas pescarias”, Ibidem, tomo IV, pp. 197-242; “Memória sobre o estado das pescarias da costa do Algarve no ano de 1790”, Ibidem, tomo V, pp. 69-101; “Viagem sobre a Agricultura do Minho, feita no Anno de 1789”, O Investigador Portuguez, outubro 1817, pp. 433-450. Processo Académico, AH-ACl, PT/ACL/ACL/C/001/1788-09/CABLL; Correspondência da Academia das Ciências, 1780-1800, BACL, série azul, ms.1945; Cardoso, José Luís, “Introdução”, Memórias Económicas da Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, Banco de Portugal, 1991, tomo I, pp.17-33; Serra, José Correia, “Discurso Preliminar”, Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, tomo I, Lisboa, Academia Real das Ciências de Lisboa, 1789, pp. 15-23. Vaz, Francisco, Instrução e Economia. As Ideias Económicas no Discurso da Ilustração Portuguesa (1746-1820), Lisboa, Colibri, 2002; Vaz, Francisco, “Economia e Natureza - Uma viagem Filosófica de Constantino Botelho Lacerda Lobo ao Algarve em 1790", in Entre a África e a Europa. Estudos Históricos em homenagem ao Professor Hélder Adegar Fonseca, Coordenação de Martins, Fernando et alli, Vila Nova de Famalicão, Edições Húmus, 2022, pp. 415-436.Francisco VazPortuguesaSócio efetivo: 7.7.1806.Ciências NaturaisSócio correspondente: 9.1780; sócio livre: 30.1.1789; sócio efetivo: 7.7.1806.