Filho do médico José Manoel Gomes e de Josefa Maria Clara de Sousa, naturais de Coimbra. Matriculou-se na Universidade de Coimbra a 13.10.1784, concluindo o curso de medicina a 21.5.1793 (diploma de 18.6.1793).
Três meses após a obtenção do diploma de curso, Bernardino Gomes foi recrutado pela câmara municipal de Aveiro, em 11 de setembro de 1793, como médico do partido. Em 2 de fevereiro de 1795, a Chancelaria de D. Maria I registava a carta patente do referido cargo, e a 26 de fevereiro de 1798, novo registo da mesma chancelaria indicava que a câmara municipal de Sintra o havia “convocado” de Aveiro para exercer medicina, remunerando-o com 200 000 réis anuais. Para além das responsabilidades terapêuticas, incumbia-lhe apresentar um relatório anual acerca da qualidade das águas e das doenças que grassassem no distrito, assim como medidas preventivas, uma tarefa que se tornaria obrigatória para os médicos em 1812, mas que já estava a ser promovida pela Intendência-Geral da Polícia. Dado o habitual atraso das chancelarias em relação ao efetivo início da atividade, é plausível que Bernardino Gomes tenha mudado para Sintra entre finais de 1795 e inícios de 1796. No entanto, a sua permanência na localidade terá sido breve, pois, a 9 de janeiro de 1797, foi nomeado médico da Armada Real, com a posição de capitão de fragata.
Na qualidade de médico da armada, Bernardino Gomes desempenhou duas missões marítimas. A primeira, na esquadra que partiu para o Brasil em 16 de janeiro de 1797, regressando a Portugal em 1800. A segunda, entre 10 de abril de 1802 e 31 de março de 1803, na Esquadra do Estreito (de Gibraltar), com a incumbência de debelar a epidemia de tifo a bordo. Após controlar a epidemia, procurou incessantemente autorização para voltar a Lisboa o que ocorreria em 3 de março de 1803. A 20 de agosto, temendo o regresso ao mar, solicitou licença para continuar a trabalhar no Hospital Real da Marinha, ou, em alternativa, a sua demissão, alegando motivos de saúde e outros “muito ponderosos”, insinuando problemas conjugais (casara-se em 15 de outubro de 1801), problemas que se tornariam públicos a partir de 1805. Em abril de 1804, foi libertado “do serviço do mar emquanto a sua habitual moléstia o permitir”.
Em outubro de 1805, Bernardino Gomes deixava o hospital da Marinha e assumia, interinamente, por ordem do príncipe regente, o cargo de primeiro médico do hospital militar da corte, já em Xabregas, auferindo um vencimento de 500 mil réis. Em julho do ano seguinte, via confirmada a sua permanência no mesmo hospital, já sem a categoria de primeiro médico, mas mantendo o mesmo ordenado. As dificuldades de integração no meio castrense, a que não terão sido alheias as críticas constantes que fazia à formação dos seus cirurgiões, refletem-se novamente numa missiva (não assinada) datada de 13 de setembro de 1806, em resposta ao visconde da Anadia, na qual o remetente esclarece que Bernardino Gomes, embora estivesse a trabalhar no Hospital Militar, não pertencia aos seus quadros: era médico de esquadra, estando obrigado a embarcar sempre “que for necessário e se lhe ordenar”. No mesmo ano em que ingressa na Academia das Ciências (1810), recebe ordem (em julho) para tratar 445 doentes com tifo, em quarentena no lazareto da Trafaria. Considerando-a uma tarefa desrespeitosa do seu percurso, apresenta a sua demissão em 22 de setembro de 1810, após a conclusão do tratamento. Passou então a exercer medicina privada. Contrariado, regressou ao mar em 1817 e 1818 para acompanhar a princesa real na viagem desde Livorno até à corte do Rio de Janeiro e, posteriormente, a comitiva austríaca ao seu país, mas agora na condição de médico da Câmara Real.
Quando se demitiu da armada, Bernardino Gomes já havia elaborado quatro obras científicas – três médico-botânicas (
A interação dinâmica da teoria com situações clínicas da vida real acompanhará todo o seu percurso profissional. A literatura fornece-lhe o contexto para o estudo, seguido pela recolha controlada de dados (por exemplo, referentes a seis pacientes dos mais de 200 infetados com tifo ou os 14 casos analisados na
O surgimento de novos dados entre a primeira versão de um artigo e a sua publicação leva-o a assinalar emendas ou a juntar apêndices ao texto original, como aconteceu no seu estudo sobre a canela, apresentado em 1798 e publicado em 1809. No caso mais conhecido, relacionado com as ipecacuanhas, solicitou o apoio de Félix de Avelar Brotero, o qual efetuou algumas correções e traduziu a informação essencial para latim, originando um equívoco sobre a autoria do estudo por parte dos professores franceses Julien-Joseph Virey e François-Pierre Chaumeton. Bernardino Gomes apressou-se a esclarecer as imprecisões notadas, sendo por eles prontamente corrigidas no
Uma parte da comunidade científica nacional, representada por José Feliciano de Castilho e demais médicos redatores do
O ingresso de Bernardino Gomes na Academia das Ciências (7.1.1810) ocorreu num contexto de fortalecimento da presença médica nas classes das ciências. Em 6 de junho de 1812, ascendeu à categoria de sócio livre (ou supranumerário) e, a 19 do mesmo mês, a sócio substituto de efetivo. Em 23 de dezembro, foi eleito diretor da classe de Ciências Naturais. Conquistou a condição de sócio efetivo a 1 de dezembro de 1814, sendo posteriormente reeleito diretor da classe de Ciências Naturais em 1821.
Dos diversos trabalhos desenvolvidos no âmbito da Academia, ou sob o seu enquadramento institucional, evidenciam-se dois, por razões diferentes: o referente às quinas e a Instituição Vacínica. Como mencionado, o primeiro texto abordou os estudos sobre as quinas, iniciados por ordem governamental no hospital militar em 1804. Estes estudos prosseguiam as investigações que estavam em curso em Portugal desde a década de 1780 (e também em França), com o intuito de acabar com a dependência da quina peruviana, monopólio espanhol. Bernardino Gomes afirmava ter isolado a cinchonina nas cascas das quinas de Minas Gerais e de Camamu, reconhecendo-lhes propriedades terapêuticas febrífugas; acrescentava não a ter encontrado nas quinas do Rio de Janeiro.
Por duvidar da conclusão ou almejar um consenso abrangente sobre o tema, o Governo, em 22 de maio de 1811, solicitou à Academia a realização de novas análises, estabelecendo-se para tal uma comissão da qual Bernardino Gomes faria parte. Apesar de não ter participado nos trabalhos, conforme esclarece no
Sorte distinta teve a Instituição Vacínica, erigida por proposta de Bernardino Gomes em 1812, da qual foi o seu primeiro diretor e também o arquiteto do seu enquadramento normativo.
A 8 de abril de 1812, a Academia assume o desígnio da vacinação gratuita, entregando-o aos seus membros médicos, que, mensalmente, analisam os resultados, propõem adaptações e melhoram os processos, apresentando-os publicamente a cada três meses. Ao contrário do que acontecera nos finais do século XVIII, procura-se agora mobilizar a sociedade, através da figura de “correspondentes”, que incluem agentes de saúde e autoridades locais e centrais, membros da Igreja e grupos mais proeminentes, onde sobressaem as mulheres, como era comum à época. Registos de tudo isto foram sendo publicados pela Academia, salientando-se, da autoria de Bernardino Gomes, a
Durante a sua vida, Bernardino Gomes, para além dos vários cargos que ocupou obteve ainda algumas mercês como reconhecimento dos seus serviços: médico honorário da Câmara Real, a 8.7.1813 (Rio de Janeiro), cavaleiro fidalgo em 7.3.1815, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, a 19.6.1815 e fidalgo Cavaleiro a 18.4.1818.