Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

DHB

AzevedoAntónio Pereira Pinto de Araújo deConde da BarcaPonte de LimaRio de JaneiroDiplomata, Secretário de Estado, Presidente da Sociedade Económica dos Bons Compatriotas, Amigos do Bem Público, de Ponte de Lima. Sócio honorário.Retrato_do_Conde_da_Barca_(atrib._Domenico_Pellegrini)_-_Casa_de_Sá.pngAntónio Pereira Pinto de Araújo de Azevedo (1754-1817). Retrato a óleo da autoria de Domenico Pellegrini. Casa de Sá.Ass_Conde-da-Barca.png

Filho primogénito e sucessor de António de Araújo de Azevedo Fagundes (1710-1783), fidalgo cavaleiro da Casa Real, administrador do vínculo da Casa de Sá, em Ponte de Lima, e do vínculo do Outeiro, em Arcos de Valdevez, e de sua mulher e prima em terceiro grau Marquesa Francisca de Araújo e Azevedo (1737-1811), administradora do morgadio do Sobreiro, em Aboim das Choças, e da quinta da Prova, em Ponte da Barca.

António de Araújo foi um personagem central da reta final do Antigo Regime português em virtude dos seus desempenhos como diplomata, secretário de Estado e homem de letras. Humanista, cosmopolita e empreendedor, foi um iluminista da segunda geração portuguesa, defensor do status quo imposto pelo Absolutismo Reformista que, distante de análises dicotómicas redutoras, advogava a adequação da vaga racionalista e individualista europeia a partir da cúpula do estado.

Aprendeu as primeiras letras em Ponte de Lima e, aos onze anos, passou ao Porto onde se manteve alguns anos sob a tutoria de seu tio o Brigadeiro António Luís Pereira Pinto. Ali, estudou sob a orientação do professor régio Tomás Delany, do Colégio de São Lourenço. Dedicou-se ao latim e ao grego, mas também ao francês, inglês e italiano “que veio a falar fluentemente”. Mais tarde, debruçou-se sobre a Filosofia Racional e Moral.

Movido pelo interesse nas ciências naturais seguiu, depois, para Universidade de Coimbra, onde frequentou como voluntário o primeiro ano do curso Filosófico, logo após a reforma pombalina de 1772. Contudo, este “projecto não foi avante por motivos que hoje se ignorão”. Regressou ao Porto para se dedicar à matemática e à história – “na qual alcançou huma vastíssima erudição”. No entanto, o seu autodidatismo permanente é salientado por vários biógrafos.

Por volta de 1778, regressa a Ponte de Lima onde desempenhará as suas primeiras atividades sociais. Logo em 1779, foi nomeado para vice-presidente (presidente efetivo) da Sociedade Económica dos Bons Compatriotas, Amigos do Bem Público de Ponte de Lima – fundada em 8.5.1779 e com estatutos aprovados por alvará de 5.1.1780 – que, envolvida no ideal iluminista do progresso, pretendia dinamizar a agricultura, a indústria e o comércio locais. É nessa qualidade que se corresponde com o duque de Lafões e com o abade Correia da Serra, respetivamente fundador e presidente e secretário da recém-fundada Academia Real das Ciências, e com os quais manterá uma relação de amizade. O princípio dessa correspondência é marcado pelo envio da “Memória pela qual se dá conta à Academia das Sciências de Lisboa das tranzaçoens da Sociedade Económica da Vila de Ponte do Lima, no ano de 1780, primeiro depois da sua instituição”, escrita por Manuel Gomes Lima Bezerra, a qual recebeu o melhor acolhimento do duque de Lafões pelos valorosos serviços prestados e pelos que então se anunciavam.

Logo em 1781, é eleito sócio correspondente da Academia Real das Ciências, ano em que também recebe o foro de fidalgo cavaleiro da Casa Real (9.1.1781).

Em 1787, entrou para a carreira diplomática sendo sucessivamente enviado extraordinário na Haia (1787-1802), enviado extraordinário e ministro plenipotenciário em Paris (1796-1798; 1801) e enviado extraordinário e ministro plenipotenciário em São Petersburgo (1801-1803).

Com partida de Lisboa, no ano da Revolução Francesa, António de Araújo fez o seu “Grand Tour” por toda a Europa, durante os quinze anos seguintes, absorvendo os ditames dos diferentes iluminismos, construindo uma rede de correspondentes, enriquecendo a sua biblioteca e adquirindo maquinaria e moldes que remetia para os seus familiares em Ponte de Lima.

Depois de passar por Londres, de onde se carteia com Correia da Serra (1789), e Paris, chega a Haia no mês de Agosto de 1790. Nas Províncias Unidas permaneceu até 1797, tendo por companheiros Francisco José Maria de Brito, secretário da legação e que o acompanhava desde Lisboa, e Filinto Elísio, a quem amparou entre 1792 e 1797. Em 1796 foi nomeado para se deslocar a Paris em missão especial para negociar a paz com o Directório. A sua missão em França culminaria com a assinatura do célebre tratado de paz de 10 de agosto de 1797 e com a sua detenção na Torre do Templo, ao arrepio do Direito das Gentes, em virtude da tardia ratificação do diploma pela corte de Lisboa. Regressou, depois, às Províncias Unidas, mais precisamente a Bosbeek, nos arredores de Haarlem. Consigo seguiu viagem Silvestre Pinheiro Ferreira, professor da Universidade de Coimbra, que aparecera em Paris fugido das malhas da Inquisição, e que o acompanharia até ao seu regresso a Portugal em 1801. Na Haia e na Torre do Templo dedicou-se à tradução das “Odes” de Horácio, um projeto que jamais seria terminado.

Em dezembro de 1798, partiu para Hamburgo onde veio a encontrar o morgado de Mateus e com quem animou um cenáculo literário. Aliás, foi D. José Maria de Sousa que, em 30.05.1799, fez publicar anonimamente a Ode de Dryden para o dia de Santa Cecília, e outras três de Gray, que tinham sido vertidas para o português em igual número de versos por António de Araújo. Por essa mesma altura, seria publicada a sua Tradução da Elegia de Gray, composta no Cemitério de uma igreja d’aldea.

Solicitou, depois, uma licença de serviço para empreender uma viagem de instrução pela Alemanha para onde partiu com Silvestre Pinheiro Ferreira com destino a Brünswick, passando por Göttingen, onde frequentou as aulas de Blumenbach, Cassel e o ducado de Saxe-Coburgo-Gotha, onde desenvolveu uma amizade com o barão de Zach, director do observatório astronómico local. Conheceu Wieland e Herder em Weimar e a 30 de Setembro encontrou-se em Iena com Goethe. Passou depois a Dresden, para visitar a fábrica de porcelana de Meissen e as célebres coleções de arte. Ali, examinou a coleção mineralógica do Eleitor do Saxe, gerida por Charles Titius que, anos mais tarde, oferecer-lhe-ia a oportunidade de adquirir uma coleção idêntica. Passou a Freyberg para visitar as minas sob os ensinamentos de Werner e Charpentier, tendo chegado a Berlim no Inverno de 1799. Na capital da Prússia, estudou botânica com Wildenow e química nos gabinetes de Scherer e Klaproth.

Em 1801, foi incumbido de passar a Paris para negociar a paz diretamente com o Primeiro Cônsul, mas foi impedido de desembarcar em Port Lorient. Regressava ao seu posto na Haia, quando recebeu a credencial nomeando-o para São Petersburgo, onde chegou a 3.12.1802.

Chamado ao Reino em 1804, foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (1804-1808), secretário de Estado dos Negócios do Reino (1807-1808), Conselheiro de Estado (1807-1817) e, ainda, presidente da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação (1807-1808).

Durante os três anos que medeiam a sua chegada ao ministério e a partida da Corte para o Brasil, António de Araújo criou a fábrica de fiação de linho, algodão e lã na sua quinta da Prova, para a qual obteve o alvará de 18.9.1805 e constituiu sociedade com Jácome Ratton e Filhos em 15.9.1806. Por esse tempo, assumiu-se também como o protetor de artistas como Francesco Bartolozzi, Henry l’Évêque – que lhe dedicou a edição dos “Portuguese Costumes” – e Gregório Francisco de Queirós, entre outros.

Em 1805, foi eleito sócio honorário da Academia das Ciências, ex-officio de secretário de Estado, tendo apresentado nessa condição duas memórias em diferentes sessões: a primeira, a “Memoria em defeza de Camoens contra Monsieur de la Harpe”, na qual defendia o poeta português da imperfeita tradução d’Os Lusíadas que tinha sido empreendida por aquele poeta francês em 1776; a segunda, lida na sessão pública de 22.1.1806, intitulava-se “Memória em defesa de alguns Authores Portuguezes, que escreverão sobre a Ethiopia” na qual atribuía a descoberta da nascente do Nilo aos jesuítas portugueses, conforme comprovava “hüa collecção de manuscritos relativos à Abixinia de que me fez prezente o Cavalheiro [Sir Joseph] Banks” e que era composta pela História da Etiópia do Padre Pêro Paes, por diversos opúsculos do patriarca Afonso Mendes, dos padres Manuel de Almeida, Manuel Barradas e Tomás de Barros, assim como, pelas cartas “annuaes de vários outros jezuítas, que rezidirão na Ethiopia desde o principio até o meio do decimo septimo século”.

Mas o triénio decorrido até à partida da corte para o Brasil foi dominado, essencialmente, pela intensa atividade política onde o futuro conde da Barca foi um dos protagonistas da luta pela manutenção da coroa na Casa de Bragança, deixando o seu nome registado na preparação do acontecimento mais simbólico da crise do Antigo Regime: a partida da Corte para o Brasil.

Acoimado pelo povo de ser o responsável pela tragédia que se abatia sobre o reino, Araújo teve de embarcar às escondidas na nau “Medusa”, tendo sido vilipendiado pelo povo e escrutinado na imprensa até à exaustão. A sua bagagem era composta por 34 grandes caixotes que continham os papéis da Secretaria de Estado, mas, também, a maior parte da sua livraria particular, a coleção de estampas, a coleção mineralógica, o laboratório químico e, ainda, uns prelos que começaram a imprimir logo em 1808, na sua casa na Rua do Passeio, dando corpo à Imprensa Régia do Rio de Janeiro e ao “Patriota”, periódico científico.

À chegada ao Rio de Janeiro solicitou a exoneração dos cargos de Secretário de Estado e manteve-se apenas como Conselheiro de Estado.

Nos seis anos subsequentes, António de Araújo entregou-se à leitura e às ciências, mas eram “estudos práticos […] os que lhe devião maior desvelo”: o laboratório químico, que instalou em sua casa; as actividades botânicas com a criação do “Hortus Araujensis” e a colaboração com o Real Jardim da Lagoa Rodrigo de Freitas; a criação de uma sociedade montanística com Guilherme, barão de Eschwege; a tentativa de introduzir a máquina a vapor no Brasil; os projetos de modernização agrícola e do comércio de madeiras; o desenvolvimento tecnológico com a construção de um alambique à escocesa, para posterior divulgação entre as comunidades locais. Com a sua imensa rede de contactos dispersa por toda a Europa, não cessou de promover a troca de informações científicas e dos avanços tecnológicos, bem como de diversos produtos e matérias-primas.

Em 1814, regressou ao ministério e deixou marcada a sua importância para o lançamento das bases político-administrativas do Brasil no arranque rumo à independência. Foi secretário de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos (1814-1817), secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (1814? –1817), secretário de Estado dos Negócios do Reino (1817) e presidente da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação (1817).

É na condição de secretário de Estado que nomeia a delegação portuguesa ao Congresso de Viena (1814-1815) e que acolhe a sugestão de Talleyrand, expressa nesse Congresso, para elevar o Brasil a Reino Unido ao de Portugal e Algarves (carta de lei de 16.12.1815).

Acolheu e protegeu intelectuais como a “Missão Artística Francesa”, composta por Lebreton, Debret, Taunay, Pradier, Grandjean de Montigny entre outros, que visava criar uma Academia de Belas Artes no Rio de Janeiro; o músico Sigismund von Neukomm, discípulo de Haydn, que acolheu na sua própria casa, o qual viria a compor a “Marcha fúnebre sobre o Conde da Barca” (1817); e o príncipe Maximiliano de Neuwied em viagem filosófica pelo Brasil. Reabilitou Silvestre Pinheiro Ferreira, caído em desgraça depois de uma comissão de serviço na Alemanha, em 1804, tendo criado as condições necessárias para a realização das “Prelecções Filosóficas” na corte do Rio de Janeiro.

Em 27.12.1815 é elevado à grandeza com o título de conde da Barca, dado por D. João, como “publica significação da aprovação e reconhecimento” dos “importantes empregos que tem exercido com toda a honra”.

Morreu em 21.6.1817 no exercício de funções, detendo todas as secretarias de Estado do governo de D. João VI.

A sua biblioteca, composta por 6329 volumes, em 2.419 coleções, foi arrematada num único lote na hasta pública realizada em 1819, por ordem expressa de D. João VI, constituindo-se como o núcleo inicial da Biblioteca Nacional do Brasil.

O seu “Elogio Histórico” foi lido por Sebastião Francisco de Mendo Trigoso na sessão de 24.06.1819.

Ode de Dryden para o dia de Santa Cecilia. Traduzida em português, António de Araújo, editada por D. José Maria de Sousa. [Contém Ode de Gray sobre o progresso da poezia, Hymno de Gray a adversidade e Ode de Gray vendo ao longe o Colegio de Eton], Hamburgo, 30.05.1799; Elegia de Gray escrita no adro de uma Igreja da Aldeia, traduzida na lingoa portugueza, [Hamburgo], [1799]; Memória em defeza de alguns authores portuguezes, que escreverão sobre a Ethiopia, e particularmente sobre pertencer a descoberta das origens do Nilo a indivíduos desta Nação e Abixinia, feita e recitada por António de Araújo de Azevedo, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, e da Guerra na Academia Real das Sciencias na sessão pública de 22 de Janeiro de 1806 [inédito]; Arquivo Distrital de Braga, Arquivo do Conde da Barca, cota: B-43 (18)]; “Memoria em defesa de Camões contra Monsieur de la Harpe”, por António de Araújo de Azevedo, in Memorias de Litteratura Portugueza, publicadas pela Academia Real das Sciencias de Lisboa, tomo VII, Lisboa, Na Oficcina da mesma Academia, 1806, pp. 5-16; “Representação que a S. M. fez António de Araújo de Azevedo no anno de 1810”, in O Campeão Portuguez ou o Amigo do Rei e do Povo, vol. 1, n.º VI, Outubro de 1819, Londres, L. Thompson, pp. 266-274.Processo académico, AH-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1781/AAA; Arquivo Distrital de Braga/UM – Arquivo do Conde da Barca; Academia das Ciências de Lisboa – Processo de académico PT/ACL/ACL/C/001/1781/AAA; BRUM, J. Z. Meneses “Do Conde da Barca, de seus escriptos e livraria”, in Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Typ. G. Lenzinger e Filhos, 1876-77, Fascículo n.º 1, pp. 5-33; Fascículo n.º 2, pp. 359-403; ALCOCHETE, Nuno Daupiás de, Lettres de Diogo Ratton a António de Araújo de Azevedo, Comte da Barca (1812-1817), Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, 1973; ALCOCHETE, Nuno Daupiás de, “Lettres de Jacques Ratton a António de Araújo de Azevedo, Conte da Barca : 1812-1817”, in Bulletin d'Etudes Portugaises, 25, Lisbonne, Institut Français au Portugal, 1964, pp. 137-256; AMZALAK, Moses Bensabat, A Sociedade económica de Ponte de Lima: Séc. XVIII, Lisboa, Ed. Império, 1950; “Elogio Histórico do Conde da Barca, ...”, in História e Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo VIII, Parte II, Lisboa, Typographia da Academia, 1823, pp. XV-XLVI; COSTA, Cecília, O primeiro conde da Barca: um iluminado na corte de dom João, Rio de Janeiro, Fundação Biblioteca Nacional, 2023; GAGÉ, Jean “António de Araújo, Talleyrand et les negociations secrètes pour la paix de Portugal”, in Bulletin des Études Portugaises et de l’Institut Français au Portugal, Nouvelle Série, tomo 14, Coimbra, Coimbra Editora, 1950, pp. 39-131; MALAFAIA, Eurico Brandão de Ataíde, António de Araújo de Azevedo, conde da Barca, Diplomata e Estadista. 1787-1817, Braga, Arquivo Distrital de Braga/Universidade do Minho, 2004; PINS, Jean de, Sentiment et diplomatie d'aprés des correspondances franco-portugaise: contribution à l'histoire des mentalités au debut du XIXéme siécle, Paris, Fondation Calouste Gulbenkian - Centre Culturel Portugais, 1984; PINTASSILGO, Joaquim, Diplomacia, política e economia na transição do século XVIII para o século XIX: o pensamento e a acção de António de Araújo de Azevedo (Conde da Barca), dissertação de mestrado, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas- Universidade Nova de Lisboa, 1988; RODRIGUES, Abel Leandro Freitas, Entre o Público e o Privado: a génese do arquivo do conde da Barca (1754-1817), dissertação de mestrado, Braga, Universidade do Minho, 2007; RODRIGUES, Abel, "O Arquivo do conde da Barca: «Mnemósine» de um Ilustrado", in José Anastácio da Cunha: O Tempo, as Ideias, a Obra e... os Inéditos, Braga, Portugal, ADB/UM, CMAT/UM, CMUP, 2006, vol. I, pp. 63-97; TELLES, Patrícia D., O Cavaleiro Brito e o Conde da Barca. Dois diplomatas portugueses e a missão francesa de 1816 ao Brasil, Lisboa, Documenta, 2017.Abel Rodriguesportuguesasócio correspondente; honorário: 1817.Letras