Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

DHB

PintoAntónio Joaquim de GouveiaAnseriz (Arganil)Bacharel em direito, corregedor, juiz, desembargador. Sócio livre.A2-Ass-Antonio-Gouveia-Pinto.png

Era filho do bacharel Crisógono Nunes Castanheira e de D. Gregória de Jesus Esteves de Gouveia Pinto, ambos naturais de Anseriz. Procedia, pelo lado da avó materna de uma linhagem da aristocracia de província, nomeadamente dos Gouveia Pinto, com os quais se viria a identificar, pedindo carta de brasão de armas para utilizar a heráldica da família materna.

À semelhança do seu pai e do seu avô materno, o doutor Silvestre da Fonseca, Gouveia Pinto estudou na Universidade de Coimbra, tendo-se matriculado na Faculdade de Direito em 1800, onde completou a formatura em 1805. Como era habitual, fez a leitura no Desembargo do Paço enquanto bacharel já formado no mês de julho de 1807.

Em 1808, endereçou um requerimento à coroa para servir nos lugares letras das localidades em que existiam magistraturas prestes a vagar. No ano de 1812, no seguimento da derrota e expulsão dos invasores napoleónicos, publicou um opúsculo em louvor do marechal William Beresford. Veio a ser nomeado juiz de fora de Torres Vedras, posição que ocupava em 1813 e na qual se mantinha em 1815. Terá sido neste período que redigiu e publicou os seus primeiros trabalhos de teoria do direito, nomeadamente um manual relativo a apelações e agravos e uma súmula ou compêndio respeitante ao Direito Sucessório, os quais foram primeiramente dados à estampa em 1813 pela Oficina de Simão Tadeu Correia ainda que tenham sido alvo de reedições difundidas em Portugal e no Brasil.

Publicou, em 1818, mais um trabalho relativo ao estudo da jurisprudência portuguesa, neste caso um resumo cronológico de artigos de legislação. No ano de 1819 deu à estampa uma memória intitulada Memória sobre o verdadeiro direito e pratica das licitações nos inventários. Nesse ano, Gouveia Pinto é habilitado para receber o hábito da Ordem de Cristo, obtendo dispensa de provanças pelo rei. Em 1820 era corregedor de Portalegre, cargo que manteve até 1823. Enquanto desempenhava esta função, no ano de 1820, publicou uma compilação de providências respeitantes à criação e educação de crianças deixadas na roda, ou abandonadas pelos pais, os “expostos ou enjeitados”. Já em 1821 deu à estampa uma curta memória em que sumarizou a breve história do papel-moeda em Portugal até à data, bem como as suas implicações nas finanças públicas, a respeito das quais teceu vários considerandos.

Nos inícios de julho de 1823, e no decorrer da sublevação da Vila-Francada liderada pelo infante D. Miguel, Gouveia Pinto incentivou uma manifestação de apoio à sublevação na comarca de Portalegre. Nesta conjuntura, redige um folheto em que traça uma apologia à monarquia, o qual viria a ser publicado em 1824 com o título Os Carácteres da Monarquia.

Em 1825, procedeu a um auto de justificação de nobreza com vista a obter a já citada carta de brasão de armas que lhe conferia o direito a usar os emblemas heráldicos da família materna, isto é, as armas de Gouveia e Pinto. Nessa justificação apresenta-se como cavaleiro fidalgo da Casa Real e como professo da Ordem de Cristo, afirmando que que vivia até então à “Lei da Nobreza”, sublinhando ainda os serviços que havia prestado nos lugares da magistratura.

Desempenhava a função de juiz do tombo do Reguengo de Algés no mesmo ano em que foi eleito sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa, a 7 de dezembro de 1826 tendo obtido, no ano seguinte, várias autorizações do guarda-mor da Torre do Tombo para consultar documentos e papéis do arquivo.

No ano de 1828, acumulava os cargos de juiz do tombo do Reguengo de Algés e da Ajuda, pertencentes à coroa, bem como as posições de juiz do tombo do Almoxarifado da Bemposta e do Almoxarifado das Lezíria das Marnotas, pertencentes à Casa e Estado do Infantado. Em abril desse ano, Gouveia Pinto marcou presença no desembarque de D. Miguel, retornado do exílio para assumir o cargo de regente e rei consorte, que teve lugar no Cais de Belém, tendo escoltado D. Miguel até ao palácio da Ajuda, onde o regente se instalou. Pouco mais de um mês após o desembarque, a 29 de março, Gouveia Pinto enviou uma representação a D. Miguel em que defende o direito sucessório do regente, impelindo-o a tomar o trono. A 25 de abril, D. Miguel é aclamado rei de pleno direito no Senado de Lisboa, e logo no dia seguinte Gouveia Pinto enviou uma nova representação a D. Miguel em que afirma ter ajudado a promover a referida aclamação, tendo persuadido figuras ligadas às câmaras de Portalegre e de Lisboa a prestar o seu apoio. Semanas depois, António Joaquim de Gouveia Pinto envolver-se-ia numa polémica com outros realistas/miguelistas a respeito dos moldes em deveria ser aclamado D. Miguel, ao publicar um pequeno texto intitulado Demonstração dos Direitos que Competem ao Senhor D. Miguel na sucessão da coroa de Portugal, datado de 20 de maio de 1828. Doravante, Gouveia Pinto tornou-se num dos mais destacados escritores miguelistas e do pensamento contra-revolucionário.

Também em 1828 é dada à estampa, pela tipografia da Academia Real das Ciências de Lisboa, uma nova obra de Gouveia Pinto que retoma o tema da legislação relativa aos “expostos ou enjeitados”, isto é, as crianças abandonadas pelos pais ou entregues à roda e a instituições de cariz caritativo.

Em 14 de abril de 1831, passou de sócio correspondente a sócio livre da Academia Real das Ciências de Lisboa. No mesmo ano, possuía o exercício na primeira vara da correição do cível do Porto, tendo procedido em julho ao requerimento de um lugar ordinário da Casa da Suplicação. O seu pedido terá sido atendido, pois em novembro consta já como desembargador da referida Casa da Suplicação, cargo que manteve nos anos de 1832 e 1833.

Publicou um estudo de história militar, dado à estampa em 1833 pela Academia Real das Ciências de Lisboa, Memória Estatistico-historico-militar, na qual traça, de forma relativamente breve, um historial da evolução das forças militares portuguesas desde Idade Média até à sua época, recorrendo sobretudo a fontes legislativas. Assinale-se que esta memória foi revista e corrigida por outros académicos - como dá conta correspondência entre Gouveia Pinto e o secretário da Academia, José Maria Dantas Pereira -, chegando a ser alvo de alterações e correcções. Também em 1833 redigiu e publicou pela tipografia da Academia uma outra Memória Histórica, ou Catalogo chronologico dos Escrivães da Puridade, e Secretarios de Rei, ou Estados, que consta terem servido nos diffetentes e legítimos reinados da Monarchia Portuguesa (1833), inicialmente destinada a ser compilada na primeira parte do tomo XII das Memórias da Academia. A memória defendia a legitimidade de D. Miguel e do seu governo, sendo omissa quanto aos ministros liberais, o que levou a que fosse suprimida do referido tomo XII das Memórias, já publicado depois da derrota miguelista na guerra civil.

É no contexto da derrota das forças miguelistas que Gouveia Pinto veio a ser sequestrado, em 1833, e os seus bens sonegados, conforme se depreende da arrecadação dos seus livros na Biblioteca Pública, juntamente com os livros de outros apoiantes de D. Miguel. Veio a falecer nesse mesmo ano, no mês de outubro.

Opusculo gratulatorio ao Ill.m° e Ex.mo Sr. Marechal Beresford, Lisboa, Imprensa Régia, 1812; Tractado regular e pratico de Testamentos e Successões, ou Compêndio methodico das principaes regras e princípios que se podem dedusir das Leis testamentarias, Lisboa, Oficina de Simão Tadeu Ferreira, 1813; Manual de Appellações e Aggravos, ou deducção systematica dos princípios mais sólidos e necessários relativos á sua matéria, Lisboa, Oficina de Simão Tadeu Ferreira, 1813; Resumo Chronologico de vários artigos de Legislação pátria, que para Supplemento dos índices chronologicos offerece aos estudiosos da Jurisprudência Portuguesa, Lisboa, Imprensa Régia, 1818; Memória sobre o verdadeiro direito e pratica das licitações nos inventários, Lisboa, Imprensa Régia, 1819; Memoria em que se mostra a origem e progresso do estabelecimento do Papel-Moeda em o nosso reino, e apontão os meios de verificar sua amortização, Lisboa, Imprensa Régia, 1820, pp. 1-35; Réplica à injuriosa e desvairada reposta, que Manoel Joaquim Barbosa deu, e publicou pela imprensa, Lisboa, Imprensa Régia, 1822, pp. 1-47; Caracteres da Monarchia. N'esta obra se mostra que esta forma de Governo excede todas as outras, Lisboa, Imprensa Régia, 1824; Demonstração dos direitos que competem ao senhor D. Miguel sobre a successão da Coroa de Portugal, Lisboa, Imprensa Régia, 1828; Exame critico e histórico sobre os direitos estabelecidos pela Legislação antiga e moderna, tanto pátria como subsidiaria, e das nações mais visinhas e cultas, relativamente aos Expostos ou Engeitados, Lisboa, Tipografia da Academia Real das Ciências de Lisboa, 1828; Memória estatistico-historico-militar, Lisboa, Tipografia da Academia Real das Ciências de Lisboa, 1833; Memória Histórica, ou Catalogo chronologico dos Escrivães da Puridade, e Secretarios de Rei, ou Estados, que consta terem servido nos diffetentes e legítimos reinados da Monarchia Portuguesa, Tipografia da Academia Real das Ciências de Lisboa, 1833.Processo Académico, AHA-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1826-12-07/AJGP; ANTT, “Processo de leitura do Bacharel António Joaquim de Gouveia Pinto”, Desembargo do Paço, Leitura de bacharéis, letra A, mç. 39, n.º 20; ANTT, “Diligência de habilitação para a Ordem de Cristo de António Joaquim de Gouveia Pinto”, Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo, Letra A, mç. 40, n.º 69; ANTT, “Autos de justificação de nobreza de António Joaquim de Gouveia Pinto”, Feitos Findos, Justificações de Nobreza, mç. 3, n.º 27; ANTT, “Portaria remetendo ao guarda-mor do Real Arquivo dois requerimentos de António Joaquim de Gouveia Pinto”, Arquivo do Arquivo, Avisos e Ordens, mç. 14, n.º 5, 11, 13; ANTT, “Requerimento do Desembargador António Joaquim de Gouveia Pinto, com exercício na 1.ª vara da Correição do Cível do Porto, e com posse e vencimento de antiguidade na relação e casa da mesma cidade, solicitando um lugar ordinário da casa da suplicação”, Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, 2ª inc., mç. 15, n.º 7, cx. 44; ANTT, “Relações dos livros arrecadados na Biblioteca Pública, pertencentes a sequestrados”, Ministério do Reino, mç. 1922, n.º 8; AUC, “António Joaquim de Gouveia Pinto”, PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/P/006254; Lousada, Maria Alexandre Lopes Campanhã, O miguelismo (1828-1834). O discurso político e o apoio da nobreza titulada, provas de aptidão pedagógica e capacidade científica apresentadas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1987, p. 253; Lousada, Maria Alexandre e Ferreira, Maria de Fátima e Melo, D. Miguel, Maia, Círculo de Leitores, 2015, pp. 113, 120 e 130; Pereira, Esteves e Rodrigues, Guilherme, “Pinto (António Joaquim de Gouveia)”, in Portugal: diccionario historico, chorographico, heraldico, biographico, bibliographico, numismatico e artistico, vol. V, Lisboa, João Romano Torres & Cª – Editores, 1904, pp. 787-788; Silva, Inocêncio Francisco da, “António Joaquim de Gouvêa Pinto”, in Diccionario Bibliographico Portuguez, tomo I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858, pp. 354-355.Gonçalo Vidal PalmeiraPortuguesaSócio livre: 14.04.1831.LetrasSócio correspondente: 7.12.1826; sócio livre: 14.04.1831.