Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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AmaralAntónio Caetano doLisboaCanonista, historiador, deputado e inquisidor da Inquisição de Lisboa, cónego na Sé de Évora. Sócio efetivo na classe de Belas Letras.A2-Ass-Antonio-Caetano-Amaral.png

Os seus pais foram o capitão António da Costa do Amaral, natural de Lisboa, e Dona Joana Inácia do Nascimento, igualmente nascida na principal cidade do reino. O avô paterno de António Amaral era de Viseu e, em Lisboa, para onde foi novo, tinha a modesta ocupação de algibebe. O avô materno foi mestre de meninos, nasceu em Cós, próximo de Alcobaça e na capital serviu numa das mesas do despacho régio e montou uma loja de venda de retrós.

O pai de António Caetano do Amaral procurara fortuna nas Minas do Ouro, no Brasil. Regressado a Lisboa conseguiu o ofício de guarda do número da Casa da Índia, no qual serviu cerca de 20 anos. Teria esperança de oferecer uma carreira mais digna à sua prole. Seguiu os cânones usuais à época, colocando as filhas como religiosas e o segundo filho na carreira eclesiástica. António teve mais um irmão e duas irmãs. A mais velha, religiosa professa no Mosteiro de Jesus de Viana do Alentejo e a outra, em 1766, era recolhida e noviça no referido mosteiro.

Em Outubro de 1764, o futuro do jovem António começara a desenhar-se. Nesta data, requereu na Câmara Eclesiástica de Lisboa, que lhe fossem feitas habilitações acerca da sua “limpeza de sangue”, para poder aceder ao estado clerical. O processo foi deveras demorado. Encerrou-se, com desfecho positivo, após o marquês de Pombal ter feito aprovar o decreto régio que colocava fim à distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos (maio de 1773). António ficou, assim, habilitado para aceder ao estado clerical em 30 de agosto de 1774, decisão que já não fazia menção ao sangue dos pais e avós, mas atestava que nunca ele nem os antepassados tinham sido hereges nem cometido crimes atrozes.

Entretanto, o pai de António morreu repentinamente, em Fevereiro de 1766, quando já era viúvo. Com cerca de 18 anos, António ficou responsável pelo inventário de bens do seu pai. O rol demonstra que a família tinha um bom padrão de vida e que, tal como na maior parte das casas de pessoas do seu estatuto social, abundavam imagens, oratórios e outras peças certificadoras do fervor religioso da família.

Pouco após ter ficado órfão de pai, em outubro de 1766, António começaria os estudos universitários em Coimbra, sinal de que a família havia investido nesta via de promoção através dos estudos, a qual casava bem com a carreira eclesiástica.

Nada de relevante se conhece acerca da sua formação pré-universitária. É plausível que tivesse aprendido as primeiras letras e humanidades com mestres particulares, tendo em consideração o estatuto de seu pai. Matriculou-se em Instituta, curso introdutório às faculdades jurídicas da Universidade de Coimbra, em 1 de outubro de 1766. De seguida, frequentou a faculdade de Cânones, entre outubro de 1767 e 1772, tendo interrompido em junho de 1771, quando já era bacharel em Cânones. Ao regressar à Academia, o curriculum de Direito Canónico sofrera alterações devido à reforma pombalina (1772), entre as quais, a introdução de disciplinas abertas às doutrinas jusnaturalistas e jusracionalistas, as quais ele cursou para fazer o exame de formatura em Cânones, em 5 de julho de 1773.

Findos os estudos em Coimbra, regressou a Lisboa. Na corte, como então se dizia, segundo alguns biógrafos seus coetâneos, como Mendes Trigoso, foi construindo uma auréola de jovem talentoso e abnegado ao estudo sério. Pouco se sabe em concreto da sua vida ao longo da década de 70. Esperaria oportunidade para aceder ao clero, e não custa crer que se tenha distinguido em círculos culturais lisboetas, pois, pouco após a fundação da Academia Real das Ciências de Lisboa, foi admitido como supranumerário, em 19 de janeiro de 1780, e académico efetivo em julho de 1783. Em 1786, depois de ter composto a primeira memória, que seria publicada nas Memórias de Literatura da Academia, proferiu a oração de abertura numa sessão pública realizada no Palácio das Necessidades.

Em maio de 1784 recebeu mercê régia da propriedade do ofício de guarda do número da Casa da Índia, que já fora de seu pai. Porém, em janeiro do ano seguinte, renunciou a este ofício, por ser incompatível com a sua ascensão ao estado de sacerdote. Teria recebido as ordens sacras na segunda metade de 1784. Para um canonista e sacerdote abriam-se portas para diversos lugares na Igreja, alguns deles propiciadores de bons rendimentos.

Em data indeterminada passou a ter um benefício eclesiástico na igreja de S. Lourenço, em Lisboa. Uma mescla dos seus méritos e talentos, conjugada com os apoios e arrimos que receberia de pessoas bem colocadas e que o conheciam da Academia das Ciências abriram-lhe diversas portas. Em 30 de junho de 1797, o inquisidor geral, D. José Maria de Melo mandou que fosse recebido como deputado da Mesa de Lisboa, numa época em que a Inquisição decaia. Pouco depois, em 1799, foi provido como cónego penitenciário na Sé de Évora. Renunciaria em 1806 a este benefício, por não poder residir no Alentejo, preservando uma pensão de 200.000 réis, quantia interessante e que juntava pelo menos ao salário de deputado do Santo Ofício. Não foi menor o seu papel no criticado Tribunal. Em 1810, durante o turbulento ciclo das Invasões Francesas, que motivou a ida do inquisidor-geral para França e impediu a presença regular de deputados do conselho geral em Lisboa, foi requerido a Caetano do Amaral que tratasse dos “negócios” da Inquisição, “despachando todos os dias não feriados”. Quiçá como prémio, acabaria por ser alcandorado ao lugar de inquisidor, na Inquisição lisboeta, no qual foi empossado em 4 de setembro de 1816.

Entretanto, o seu estatuto na Academia da Ciência melhorara e, em início de 1797 foi indicado como seu secretário interino, na impossibilidade de o abade Correia da Serra exercer a função. Em seguida, quando Garção Stockler assumiu o encargo de secretario da Academia, Amaral foi eleito várias vezes vice-secretário. Era o corolário de um percurso notável. Breves meses após a sua admissão na Academia das Ciências, no dia 19 de Julho de 1780, apresentou em sessão de académicos o Projecto de huma História civil da Monarchia Portuguesa. Conforme bem apreciado por Isabel Mota, nesta fase, já ele tinha ideias claras acerca do modo como entendia a História, que, no referido Projecto, preconizava ser “huma História que tenha por objecto tudo o que toca ao governo interior da Monarchia Portugueza”. A História, não se devia cingir às leis escritas, antes se devia abrir ao estudo dos usos e costumes do povo. Entendia Amaral que, conhecendo esta História de Portugal, os ministros encontrariam saber necessário para fazer progredir o país “em opulência e em policia”. Ou seja, a História possuía uma utilidade prática se fosse bem conhecida pelos governantes.

Segundo Paulo Merêa, a obra histórica de Caetano do Amaral caraterizou-se pela sua carregada erudição, por ser criticamente construída, mas também “profundamente original” e “preciosamente documentada”. Para Oliveira Ramos, estas dimensões já Amaral as indicara no Projecto, que “é um texto fundamental sobre a teoria e o exercício da História em Portugal no século XVIII”, de alguém que conferia grande valor às fontes e ao seu uso crítico. Amaral procurou conceber interpretações gerais e sistémicas, o que o conduziu a definir diversas épocas no passado de Portugal. Do ponto de vista do estilo, Oliveira Ramos, considera as “Memórias” de Amaral, “singelas e falhas de imaginação”: era “modesto na arte de narrar”.

O seu labor não se cingiu à história civil. Alargou-se pela história eclesiástica, compondo as biografias de S. Martinho de Braga e do seu coetâneo e protetor D. Fr. Caetano Brandão, bispo do Pará e depois arcebispo de Braga (1790-1805). Preparou também traduções a partir de textos originais em castelhano e em francês.

O seu legado, do ponto de vista do rigor da História anunciou a historiografia oitocentista em que avultou a obra de Alexandre Herculano, além de abrir caminho à história social e institucional, até então sem relevantes cultores. Aliás, Alexandre Herculano, também notou o pioneirismo dos estudos de Caetano Amaral no plano da história social.

“Memoria I. Sobre a forma do Governo, e Costumes dos Póvos, que habitárão o terreno Lusitano, desde os primeiros tempos conhecidos, até ao estabelecimento da Monarquia Portugueza”, Memorias de Litteratura Portugueza, tomo I, Lisboa, Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1792, pp. 16-30; “Memoria II. Para a Historia da Legislação e Costumes de Portugal. Sobre o Estado Civil da Lusitania no tempo em que esteve sugeita aos Romanos”, Memorias de Litteratura Portugueza, tomo II, Lisboa, Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1792, pp. 313-353; “Memoria III. Para a Historia da Legislação e Costumes de Portugal. Sobre o Estado Civil da Lusitania desde a entrada dos Povos do Norte até á dos Arabes”, Memorias de Litteratura Portugueza, tomo VI, Lisboa, Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1792, pp. 127-437; “Memoria IV. Para a Historia da Legislação e Costumes de Portugal. Sobre o estado do terreno que hoje occupa Portugal, desde a invasão dos Arabes até á Fundação da Monarchia Portugueza”, Memorias de Litteratura Portugueza, tomo VII, Lisboa, Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1792, pp. 60-236; “Memoria V. Para a história da legislação e costumes de Portugal”, Historia e Memorias da Academia, tomo VI, parte II, 1820 e tomo VII, 1821; Memorias para a história da vida do venerável arcebispo de Braga D. Fr. Caetano Brandão, Lisboa, Impressão Regia, 1818; Observações sobre as principaes causas da decadência dos portugueses na Asia escritas por Diogo do Couto em forma de dialogo com o titulo de Soldado Pratico, publicadas de ordem da Academia Real das Sciencias de Lisboa, por Antonio Caetano do Amaral, Lisboa, Officina da Academia Real das Sciencias, 1790; Projecto da História Civil Apresentado à Academia na Assemblea de 15 de Novembro de 1780, in Ramos, Luís A. de Oliveira, “Antonio Caetano do Amaral e a História Portuguesa”, Revista da Universidade de Coimbra, 30, 1984, pp. 508-511; Vida e opusculos de S. Martinho Bracarense, Lisboa, Typografia da Academia Real das Sciencias, 1803; Vida e regras religiosas de S. Fructuoso bracharense, impressas pela primeira vez, com tradução em vulgar e notas, Lisboa, Impressão Regia, 1805.Processo académico, AH-ACl, PT/ACL/ACL/C/001/1780-01-19/ACA; Almeida, M. Lopes de, “Introdução”, in Amaral, António Caetano do, Memória V. Para a História da Legislação e Costumes de Portugal, Porto, Livraria Civilização, 1945, pp. IX-LII; Ferrão, António, Os estudos históricos na Academia das Sciencias, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1931; Lisboa, João Luís, “O papel da História entre os leitores do século XVIII”, Ler História, 24, 1993, p. 5-15; Magalhães, Sebastião Francisco de Mendo Trigoso, “Notícia Histórica da vida e escritos de António Caetano do Amaral recitada na assemblêa pública de 24 de junho de 1819”, Historia e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Lisboa, Typografia da Academia, 1823, tomo VIII, parte II, pp. XLVII-LVII; Merêa, Paulo, Súmula Histórica da História do Direito Português, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921 (separata de Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 5, 1918-1919, pp. 216-228 e 6, 1920-1921, pp. 95-105); Mota, Isabel Ferreira, “Amaral, António Caetano do (Lisboa,1747 – Lisboa, 1819)”, Matos, Sérgio Campos (coord.), Dicionário de Historiadores Portugueses. Da Academia Real das Ciências ao final do Estado Novo, https://dichp.bnportugal.gov.pt/imagens/amaral.pdf (27/12/2023); Mota, Isabel Ferreira da, “Portugal e o governo das paixões. História e política em António Caetano do Amaral”, Revista Portuguesa de História, XLV, 2014, pp. 609-628; Ramos, Luís A. de Oliveira, “António Caetano do Amaral e a História Portuguesa”, Revista da Universidade de Coimbra, 30, 1984, pp. 497-511; Silva, Taíse Tatiana Quadros da, Maquinações da Razão Discreta: operação historiográfica e experiência do tempo na Classe de Literatura Portuguesa da Academia Real das Ciências de Lisboa (1779-1814), Rio de Janeiro, [s.n.], 2010 (tese de doutoramento apresentada à Universidade Federal do Rio de Janeiro). Acessível em http://tinyurl.com/5cpufm6m (27/12/2023).José Pedro PaivaPortuguesaSócio efetivo: 7.1783.Literatura PortuguesaSócio supranumerário: 19.01.1780; sócio efetivo: 07.1783.