Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

DHB

VandelliAlexandre AntónioSão Bartolomeu, CoimbraRio de Janeiro, BrasilQuímico, botânico, paleontólogo e polímata. Sócio efetivo na classe de Ciências Naturais.Ass_ALEXANDRE VANDELLI.png

Filho de Feliciana Isabella Bon e do renomado e também académico Domingos Vandelli. Estudou química e botânica com seu pai, matriculando-se depois na Universidade de Coimbra nos cursos de Matemática e Filosofia entre os anos de 1803/1804, não havendo registos de conclusão dos referidos cursos.

A 6.2.1805 é eleito sócio correspondente da Academia. À data, Alexandre Vandelli colaborava com seu pai na Jardim Botânico da Ajuda e na Junta do Comércio. Durante as Invasões Francesas a Portugal, Vandelli e seu pai foram acusados de colaboracionistas, história sem comprovação definitiva, mas com grande impacto na vida da sua família. Vandelli tornou-se procurador de seu pai em muitas ocasiões entre 1805 e 1815, e atribui-se, de maneira geral, a essa questão política a razão por que Vandelli permanecesse muito tempo à sombra de outros expoentes das ciências luso-brasileiras.

Além do seu pai, destaca-se na vida pessoal e profissional de Vandelli outra figura histórica das ciências: o mineralogista e químico José Bonifácio de Andrada e Silva (1763 – 1838). Bonifácio tinha em Vandelli um aluno de orientação académica, além de assistente de pesquisas, e que posteriormente se tornaria seu genro, pois Vandelli casou-se em 1819 com a primogénita de seu internacionalmente famoso professor, Carlota Emília de Andrada. A trajetória profissional entre Vandelli e Bonifácio foi iniciada em 1813 quando Vandelli se tornou assistente deste no Laboratório Químico da Casa da Moeda em Lisboa e também na Intendência Geral de Minas e Metais do Reino até 1819, quando, com a vinda de Bonifácio para o Brasil, passou a ocupar interinamente a direção da Intendência até 1824, assim como a da Real Ferraria da Foz do Alge e das Minas de Carvão de Buarcos. Nesse período, entre os anos de 1812 e 1814, foi membro da Comissão de Reforma de Pesos e Medidas de Portugal, tendo participado das discussões no intuito de uniformizar o padrão de medidas. De fato, em 1814, a proposta dessa comissão (baseada no sistema métrico francês) foi aprovada pelo Regente. Além de vários trabalhos científicos publicados nas Memórias da Academia e de diversos manuscritos inéditos, Vandelli publicaria livros em Portugal e no Brasil versando sobre variados assuntos. Um dos temas foi a questão da destilação de aguardente, central no seu Resumo da Arte de Distillação (1813), assunto considerado importante para a economia portuguesa da época. A Academia das Ciências também publicou, em 1814, nas suas Memórias, um artigo de 1811 intitulado “Experiências Químicas, sobre a Quina do Rio de Janeiro Comparada com Outras” de autoria com Bonifácio, Sebastião Trigoso, João Croft e Bernardino Gomes. A quina era importante no tratamento da febre, malária, feridas e inflamações. Vandelli, não sendo creditado como um dos autores desta memória surge, no entanto, aí referenciado como tendo um papel significativo no apoio prestado aos trabalhos de laboratório.

Em 26 de novembro de 1818, é eleito substituto de efetivo e, em 14 de outubro de 1822, o governo aprova a proposta da Academia nomeando Alexandre Vandelli para guarda-mor dos seus Estabelecimentos, cargo que viria a ocupar até 1833. A 7.4.1824 é eleito efetivo na classe de Ciências Naturais

Foram várias os trabalhos e propostas feitas por Vandelli na sua função de guarda-mor, nomeadamente, o estabelecimento de um “Gabinete de modelos de máquinas de Agricultura, Artes e Manufacturas” (19.11.1831) ou a criação de um “Horto Económico e Technologico” (8.11.1832). O Museu da Academia possui, na sua seção de paleontologia, peças e objetos devidos a João da Silva Feijó, a Eschwege e também a Vandelli, especialmente na subseção de vertebrados. A pesquisa de fósseis ictiológicos em Portugal iniciou-se de forma sistemática com Vandelli e Eschwege, sendo que o primeiro estudou e registou restos de cetáceos e peixes miocênicos, classificados com boa aproximação, quando ainda guarda-mor da Academia, o que levou Vandelli a ser considerado um dos fundadores da paleontologia portuguesa. Ainda na tentativa de reorganizar o Museu da Academia, Vandelli propôs a criação de um Gabinete de Máquinas, voltado para o “adiantamento da indústria Portugueza” (História e Memórias, 1831).

Foi substituído pelo Barão de Eschwege na Direção da Intendência de Minas e Metais em 1824 quando estava à frente, nessa época, em Lisboa, de uma fábrica de azulejos situada na zona do Rato, a Real Fábrica de Louça do Rato, que existiu entre os anos de 1767 a 1835.

Seu pai havia deixado objetos de cunho científico, e material escrito ainda em Coimbra, assim como materiais coletados e enviados por seus alunos viajantes, como Feijó e Alexandre Rodrigues Ferreira. De posse desses materiais, Vandelli doou-os para o enriquecimento da Biblioteca.

Em 1833, Vandelli foi acusado de apoio aos absolutistas que, no mesmo ano, perderam a disputa pelo poder para D. Pedro IV (D. Pedro I no Brasil), tendo decidido vir para o Brasil com a família em 1834. Em 26.11.1834, dada a sua ausência de Portugal, passa a sócio livre.

Na cidade de Santos, junto da família de sua esposa, reinicia a sua vida como negociante. Decide radicar-se definitivamente no Rio de Janeiro e naturaliza-se brasileiro em 1838. Nessa cidade, tornou-se professor de botânica e princípios de ciências caturais do jovem D. Pedro II e da família Imperial entre os anos de 1839 e 1862 (quando veio a falecer de gastroenterite). Atuou como mestre, ininterruptamente, de 1 de dezembro de 1839 a março de 1862, tendo sido nomeado para a função pelo segundo tutor de D. Pedro II, o Marquês de Itanhaém, que sucedera a Bonifácio nessa função em fins de 1833. A partir de várias fontes, como documentos constantes do Arquivo Nacional na cidade do Rio de Janeiro, pode-se presumir que Vandelli tenha ao final de sua vida ministrado aulas também às filhas de D. Pedro II. Além disso, foi encarregado, em 1839, de escolher nas coleções de Botânica e Mineralogia do Museu Nacional do Brasil um conjunto de exemplares para servir ao curso de ciências do recém-inaugurado Colégio Pedro II, importante instituição de ensino brasileira existente ainda hoje. Foi um dos fundadores da Sociedade Vellosiana de Ciências Naturais do Rio de Janeiro, criada em 1850, no grupo de estudos mineralógicos. Essa Sociedade tinha a finalidade de coletar e estudar os objetos pertencentes à história natural do Brasil, assim como aprofundar o entendimento sobre palavras indígenas. Chegou também a exercer a presidência ad hoc dessa instituição de pesquisa. Vandelli atuou, ainda, como fiscal do Imperial Núcleo Hortículo Brasiliense entre os anos de 1856 e 1859, instituição que, segundo os seus estatutos, visava a incrementar e orientar a botânica no Brasil. Com sua notoriedade no meio científico e constantes tentativas de trazer à luz grupos ou instituições de pesquisa de cunho brasileiro, Vandelli recebeu a comenda da Ordem da Rosa do Império brasileiro em 02 de dezembro de 1841, outorgada por decreto de D. Pedro II.

Podemos concluir como Vandelli deixou muitas marcas na história - tanto na Academia de Ciências de Lisboa, quanto nas suas muitas atividades no campo das ciências naturais e humanas - na tentativa de trazer aos dois países irmãos, Portugal e Brasil, as mais diversas áreas do saber de seu tempo.

“Memórias sobre a Gravidade Específica das Agoas de Lisboa e seus Arredores”, Memórias Económicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, tomo IV,1812, pp. 777 – 82; Resumo da Arte da Distillação, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1813; “Experiências Químicas sobre a Quina do Rio de Janeiro Comparada com Outras, 1811”, com José Bonifácio, Sebastião Francisco de Mendo Trigoso, João Croft e Bernardino Antonio Gomes, Memórias de Mathematica e Physica da Academia Real das Sciencias, Lisboa, tomo III parte II, 1814, pp. 96 - 118; Zoologia portuguesa, vol. I - Extraída de 43 autores e 53 obras, vol. II- Extracto de 88 autores para a nomenclatura zoológica portugueza, Lisboa, 1817, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Setor de Manuscritos, cota n° 03, 1, 009– 010/011; “Experiências sobre duas differentes cascas do Pará”, Memórias da Academia Real da Sciencias, tomo V, parte II, 1818, pp. 132 – 142; Apontamentos para a história das minas de Portugal, colligidos pelo ajudante servindo de intendente geral das minas e metais do reino, 1ª parte, Lisboa, Impressão Régia, 1824; “Additamentos ou notas à memória geognostica,....”, História e Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, tomo XI, parte I, 1831, pp. 281 – 306 e p. V; Collecção de Instrucções sobre a Agricultura, Artes e Industria, Lisboa, Na Typographia da academia Rdeal das sciencias, 1832;. “Refutação da Memória: Onde aprenderam e quem foram os artistas que fizeram levantar os templos dos jesuítas em Missões etc”,Revista IHGB, tomo IV, nº 13, 1842; Ingênuos reparos e reflexões sobre o projeto de um estabelecimento agrícola, formulado pelo ginásio brasileiro, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Setor de Manuscritos, cota nº. I-32,13,4; Retoques e retificações a alguns elogios insertos na Revista do Instituto histórico e geográfico brasileiro, tomos 1º e 2º, Typografia Litteraria, Rio de Janeiro, 1851; Reflexão sobre a questão dos nevoeiros seccos da atmosfera do Rio de Janeiro, Arquivo do Museu Imperial de Petrópolis, Apresentação na Sociedade Vellosiana em 13 de novembro de 1853, cota n° MS MI maço 126-Doc. 6263; Extractos sobre a nomenclatura ichtyologica, s/d, não localizado; Discurso sobre a nomenclatura vulgar e trivial portugueza, que deve ser preferida á que se usa na traducção portugueza de Cuvier, s/d, não localizado.Processo Académico, AH-ACL, PT/ACL/ACL/C/001/1805-02-06/AAV; Paiva, M.P., Associativismo científico no Brasil Imperial: A Sociedade Vellosiana do Rio de Janeiro, Brasília: Thesaurus, 2005; Marques, A.J., “Alexandre Antonio Vandelli e as ciências naturais”, Anais do Congresso Scientiarum Historia da UFRJ/HCTE, vol. 1, nº 1, p. 324-337, 2008; Marques, A.J., A vida e obra do naturalista Alexandre António Vandelli (1784-1862), Tese de Doutorado, Rio de Janeiro, UFRJ, 2009; Marques, A.J. e Filgueiras, Carlos A.L., “O químico e naturalista luso-brasileiro Alexandre António Vandelli”, Química Nova, v.32, p.2492 - 2500, 2009. Marques, A.J., O Professor do jovem Imperador. Um naturalista luso-brasileiro: Alexandre António Vandelli, Rio de Janeiro, Vieira & Lent, 2010; Marques, A.J., “Alexandre Vandelli e a ciência luso-brasileira”, Leituras da História, v.3, p.38 - 45, 2010; Marques, A.J., “Academia das Ciências de Lisboa. Iluminismo em terras lusitanas”, Leituras da História, v.4, p.48 - 51, 2011; Marques, A.J., O iluminismo no mundo luso-brasileiro, Rio de Janeiro, Selo Editorial Sabedoria Arcana, 2020; Marques, A.J. “Collecção de instruções sobre a agricultura, artes e indústria”. O “saber fazer” em Alexandre António Vandelli”, Gnarus Revista de História, v. XII, p.77 - 83, 2021.Adílio Jorge MarquesPortuguesa. BrasileiraSócio efetivoCiências NaturaisSócio correspondente: 6.2.1805; substituto de efetivo 26.11.1818; guarda-mor: 14.10.1822 até 1833; sócio efetivo: 7.4.1824; sócio livre: 26.11.1834