Dicionário Histórico-Biográfico da Academia das Ciências de Lisboa

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Lafões2.º Duque deD. João Carlos de Bragança e Ligne de Sousa Tavares Magalhães da SilvaLisboaLisboa4º marquês de Arronches, 8º conde de Miranda do Corvo, marechal general, fundador e 1º presidente da Academia Real das Ciências de Lisboa.Duque de Lafoes.pngD. João Carlos de Bragança, duque de Lafões (1719-1806). Retrato de Louis Rolland Triquesse, Palácio do Grilo.A2-Ass-Duque-de-Lafões.png

A ascendência de D. João Carlos foi um elemento decisivo que o marcou em toda a sua longa vida. No entanto, ao invés de lhe delimitar um percurso relativamente previsível, acabou por contribuir para gerar muitas das situações de impasse que foi conhecendo. Era o segundo filho varão do casamento ocorrido em 1715 do senhor D. Miguel (1699/1724), irmão bastardo de D. João V, legitimado por D. Pedro II à hora da morte (1706), e de Dona Luísa Casimira de Sousa Nassau e Ligne (1694-1729), sucessora por sua mãe na casa dos Condes de Miranda, Marqueses de Arronches e representantes da “Casa de Sousa”, que se reputava a mais antiga de Portugal e datada do século IX. O avô materno de D. João fora Carlos José de Ligne (1661/1713), Príncipe de Ligne do Sacro Império, filho segundo de excelsa linhagem e figura de comportamentos muito reprovados, que acabou foragido. Mas o que marcava o estatuto de D. Pedro (1718-1761), o primogénito, e do seu irmão, era o facto de, pela banda do pai, serem sobrinhos do rei e, da parte materna, representarem a casa de Sousa e se destacarem na aristocracia de corte. Essa dupla situação não deixava de se revelar ambivalente. Logo a seguir ao nascimento do primeiro, sua mãe foi feita Duquesa de Alafões e terá recebido “especial prerrogativa do tratamento de Alteza”. Entretanto, D. Miguel morreu afogado num acidente no Tejo e a mulher poucos anos lhe sobreviveu, ficando o governo da casa, ao que parece, nas mãos da 2ª Marquesa de Arronches (1672/1743), avó materna dos filhos de D. Miguel. O primeiro apelido usado por todos foi o de Bragança, mas a sua condição sempre oscilou entre serem considerados como “altezas” e ou como os primeiros aristocratas do reino, o que não era exatamente o mesmo.

Seguindo o padrão da educação da primeira nobreza, receberam os dois irmãos ensino doméstico na infância e primeira juventude, a cargo de mestres particulares, sugerindo as fontes da época que já então davam indicações duma peculiar inclinação pelas letras, alimentada pela grandiosa a biblioteca da casa. O primogénito nunca frequentou uma instituição formal de ensino, mas D. João foi recebido como porcionista no Real Colégio de S. Pedro de Coimbra, uma escolha normal para os filhos segundos das casas titulares destinados à carreira eclesiástica. Aí frequentou as classes na Universidade, mas em 1742, uma carta régia de D. João V para o reitor de Coimbra, mandou suspender os atos nos quais iria participar, com a justificação de que ”as regras estabelecidas para se guardarem entre os meus vassalos não compreendam as pessoas reais nem as que lhe são imediatas” Em síntese, D. João Carlos foi mandado regressar de Coimbra, reputando-se impróprio da sua condição de “príncipe do real sangue” o ser examinado ou sujeito ao regime dos demais alunos ordinários. Entretanto, ao contrário de uma irmã, que se casou com o marquês de Cascais, os dois filhos de D. Miguel não se casaram, nem seguiram a vida eclesiástica. As decisões sobre o seu destino revestiam uma dimensão política, ou seja, tinham de ser objeto de uma decisão régia politicamente ponderada, e parece ter havido dúvidas sobre o que fazer com eles. D. Pedro, 1º Duque de Lafões, foi feito em 1749 Regedor das Justiças. Teve várias filhas bastardas, mas não lhe destinaram casamento. O mesmo se passando com D. João. A morte de D. João V, os primórdios do reinado josefino, o Terramoto de 1755 e a ascensão de Sebastião de Carvalho ao centro da decisão política, nenhuma dessas ocorrências parece ter mudado o destino dos dois irmãos. Mas teve lugar, logo depois, uma viragem marcante. Conforme participação do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros em Maio de 1757, D. João Carlos de Bragança solicitara ao rei “licença de passar aos Exércitos de Alemanha para neles se exercitar na arte da guerra”. Uma viagem que tinha total patrocínio oficial e começou por uma longa estância em Londres, antes de alcançar o seu destino e a frente de batalha. O percurso de vida de D. João desde há muito mergulhara num impasse. Nem seguira a carreira eclesiástica, nem lhe fora proposto que se casasse, nem se lhe atribuíra um qualquer cargo de responsabilidade. Fidalgo ilustrado e culto, como era, parece natural que o seduzisse a ideia de viajar por outros países e conhecer a Europa ilustrada. Esteve nos focos de guerra, mas dedicou-se também a uma intensa vida social e a múltiplas viagens. Foi mantendo sempre correspondência com a corte, mas nunca lhe foi autorizado exercer um cargo de comando ao serviço ao imperador e, quando em Junho de 1761 faleceu o 1º Duque de Lafões, não foi encartado nas honras e bens da coroa e ordens da casa na qual lhe devia suceder. Baldados todos os seus esforços para poder exercer uma função oficial na Áustria ou em Portugal, D. João dedicou-se então intensamente à vida social e cultural vienense e àquela que era, seguramente, uma das suas grandes paixões: viajar. De permeio, conheceu grande parte das personalidades mais marcantes da vida europeia do seu tempo, entre as quais, Maria Teresa de Áustria, Frederico II da Prússia, José II, Kaunitz, a Imperatriz Catarina II da Rússia, Christoph Willibald Gluck, Wolfgang Amadeus Mozart, Benjamim Franklin… Nenhum outro português privou com uma galeria comparável dos vultos da política e da música da segunda metade do século XVIII!

Só regressou mais de duas décadas passadas e já depois da queda de Pombal. Quando em Janeiro de 1779, D. João Carlos desembarcou finalmente em Lisboa estava em vésperas de completar sessenta anos e partira de Portugal há mais de vinte e um anos. Todas as distinções da sua casa lhe foram renovadas, recebendo os rendimentos atrasados das comendas dos anos da sua ausência e gozando assim de uma apreciável liquidez para os seus gastos. Mas a sua promoção a cargos políticos e militares foi muito lenta. Somente em Setembro de 1780 foi nomeado tenente-general e apenas em Maio de 1791, com mais de setenta anos marechal-general. Casou-se em Janeiro de 1787, com quase 69 anos, com uma filha dos marqueses de Marialva com apenas 15, de quem teve descendência. Houve tempo de permeio para se consagrar àquela que foi a mais relevante realização pública da sua longa vida: a fundação da Academia Real das Ciências. Nessa matéria, não oferece dúvidas que foi decisivo o seu reencontro com o Abade Correia da Serra que conhecera em Itália numa das numerosas digressões que aquele por lá fez, e que também acabara de regressar a Portugal. Depois do retorno do fidalgo, estreitaram-se as suas relações com o Duque e passou a viver na casa deste, no Grilo. Os primeiros tempos do reinado de D. Maria foram de indiscutível distensão, que corria a par com o balanço crítico do governo pombalino, nisso se incluindo uma atenuação dos mecanismos censórios. A marca decisiva na difusão da cultura das Luzes e de outras formas de pensamento foi, de facto, dada com a criação da Academia, da iniciativa do Duque e com a chancela da coroa, a qual podia publicar sem censura prévia. Instituída em Dezembro de 1779, dos seus estatutos, elaborados com Correia da Serra, constava que “o zelo e o amor da Pátria, animado com o louvor e o beneplácito de Sua Majestade (se) estabelece em Lisboa, à imitação de todas as nações cultas, esta Academia Real das Ciências, consagrada à glória e felicidade pública, para adiantamento da Instrução Nacional, perfeição das Ciências e das Artes e aumento da indústria popular”. A 16 de Janeiro de 1780, a Academia iniciou oficialmente as suas atividades no que hoje é o palácio das Necessidades. Nos seus primeiros tempos houve também sessões no Grilo. De resto, o Duque foi o 1º presidente da associação, tendo inicialmente como secretário o 6º Visconde de Barbacena (1754/1830), um de raros sucessores de casas da primeira nobreza com o grau de doutor na Universidade de Coimbra reformada. Aliás, sugere-se que o projecto teria amadurecido na Faculdade de Filosofia, por sugestão de um dos seus lentes mais conceituados, Domingos Vandelli. Entretanto, se a ideia já existia, foi a presença mecenática e tutelar de Lafões que lhe permitiu dar corpo, movendo eventuais obstáculos políticos ao lançamento da iniciativa. De algum modo, foi este tipo de intervenção, que melhor definiu a atuação do Duque, neste, como em outros terrenos. Não era um intelectual, nem um político, mas um patrono aristocrático aberto às ideias do seu tempo. O tempo das Luzes.

Como alto dirigente militar e ministro assistente ao despacho presidiu á calamitosa Guerra das Laranjas em 1801, ano em que um seu admirador inicial, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, afirmou no contexto da invasão eminente que se o príncipe regente não conseguisse “pôr freio às ideias, e vistas aristocráticas do duque, há de Vossa Alteza Real ver que ele perde a monarquia, assim como desorganizou o exército”. Outros são os juízos sobre as muitas iniciativas da Academia Real das Ciências que se podem associar ao 2º Duque de Lafões, como o estabelecimento de uma “lotaria anual”, em Novembro de 1783, substituída depois (1799) por uma dotação anual de 4800000 reis paga pelo cofre do Subsídio Literário.

Uma das facetas justamente mais destacadas da atuação do 2º Duque de Lafões foi a sua ação na Academia e a ligação desta a uma parte da elite letrada feminina da época, a saber, a condessa do Vimieiro (Teresa de Melo Breyner), a condessa de Oyenhausen (Leonor de Almeida Portugal), a condessa da Ega e a marquesa de Travanet e outras, bem como a proteção que sempre prestou não só a Correia da Serra, mas também a outros personagens como Francisco de Borja Garção Stokler, matemático e professor da recente Academia da Marinha, ou José Veríssimo Alvares da Silva e até, ao que parece, a José Bonifácio de Andrada.

Na longa disputa que o Duque manteve com o Intendente Geral da Polícia, Diogo Inácio de Pina Manique, existiam dimensões de conflito de jurisdições, mas também a vontade do Duque em proteger todos aqueles aos quais atribuía créditos culturais e científicos. Apesar das “vistas aristocráticas” que D. Rodrigo lhe atribuiu, Lafões nunca renunciou a ter esse papel, tal como sempre procurou ler o que bem lhe apeteceu. Depois da fuga do Abade Correia da Serra, foi-lhe remetendo regularmente uma pensão decorrente de o ter nomeado para um dos benefícios eclesiásticos providos pela casa de Lafões. Em 1796, escreverá “A Academia chora sempre a sua ausência, mas Vossa Mercê tem nela amigos, e o vice-secretário Stockler o é verdadeiro”.

O inventário da biblioteca dos Duques de Lafões, com a relação dos livros que tinham em 1833, quando deixaram Lisboa, merece um estudo detalhado. Não tinha os 30 000 volumes da anterior, herdada do arcebispo de Lisboa e destruída no Terramoto de 1755, mas ascendia a cerca de 8 650 títulos. Alguns adquiridos certamente pelos 1º Duque, outros pelos 3ºs, mas a maioria pelo Duque D. João Carlos. Quase todos os géneros aí se podem encontrar. Desde as várias teologias, até ao direito, incluindo o direito natural, passando pelas várias histórias e pela filosofia natural. No entanto, o que sobressaí é a notória curiosidade intelectual do Duque. Aí se encontram livros de Bossuet, Hobbes, Pufendorf, Genovesi, Cantillon, Condillac, e, entre outros, edições do Werther de Goethe e das Liasons Dangereuses de Charles Laclos (de 1782). Se em Portugal o Duque parece ter-se deixado contaminar por algumas marcas de comportamento características do meio, nesta matéria manteve claramente os traços peculiares do seu percurso que, afinal, o singularizavam.

Processo académico, AH-ACl,PT/ACL/ACL/C/017/1780-01-16/DL; Almeida, Fortunato de “O Duque de Lafões. Novos Elementos para a sua biografia”, Revista de História, 1912, nº 3, pp. 172-174; Bello Vázquez, Raquel, Uma certa ambiçaõ de gloria. Trajectória, redes e estratégias de Teresa de Mello Breyner nos campos intelectual e do poder em Portugal (1770-1798), dis. dout., Faculdade de Filologia da Universidade de Santiago de Compostela, 2005; Bourdon, Léon, “Lettres inédites du duc de Lafões à José Corrêa da Serra”, Bulletin des Etudes Portugaises, tom, 33, 1971 ; Carvalho, Rómulo de, D. João Carlos de Bragança, *2.º Duque de Lafões, Fundador da Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, Publicações do II centenário da Academia de Ciências de Lisboa, 1987, p. 8; Dantas, Júlio, O Duque de Lafões e a primeira sessão da Academia, Lisboa, Portuga-Brasil S. E., 1929; Ferrão, António, O segundo Duque de Lafões e o Marquês de Pombal (subsídios para a biografia do fundador da Academia das Ciências), Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1935; Leal, J. S. Mendes, Elogio Histórico do sócio efectivo da Academia das Ciências e seu primeiro Presidente D. João Carlos de Bragança, Lisboa, 1859; Matos, José Sarmento de, Lisboa, um passeio a Oriente, Lisboa, 1993; Monteiro, Nuno Gonçalo, Costa, Fernando Dores, D. João Carlos de Bragança, 2.º Duque de Lafões. Uma vida singular no século das Luzes, Lisboa, Inapa, 2006; Moreyra, Manuel de Sousa, Theatro historico, genealogico, y panegyrico : Erigido a la immortalidade de la Excelentissima Casa de Sousa, Paris, 1694; Pinto, A. F. de Sousa, “A campanha de 1801 e o duque de Lafões”, Revista Militar, 3, 1851; Ribeiro, Victor, As Lotarias da Misericórdia e a Academia das Sciências, Coimbra, Imprensa da Universiade, 1923; Silva, José Alberto, A Academia Real das Ciências de Lisboa (1779-1834): ciências e hibridismo numa periferia europeia, Lisboa, Colibri - CIUHCT, 2018; Stockler, Francisco de Borja Garção, Cartas ao Autor da História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da Restauração deste Reino, Rio de Janeiro, 1813.Nuno Gonçalo MonteiroPortuguesaSócio fundador; efetivo: 16.1.1780; 1.º Presidente da Academia: 19.1.1780.Belas Letras